Monday, December 29, 2008

Talvez a Chuva

Talvez por isso aprecie a chuva, purifica a minha pele, leva-te definitivamente para longe de mim, atenua a dor que verdadeiramente não sinto.
Talvez a chuva seja o inverso do vento, que me falou de ti. Talvez a chuva seja a metáfora viva da minha incapacidade humana de acreditar: surge sempre depois de um tempo de sol vivo e cheio, aparece sempre quando o coração começa a secar e o som se dissipa devagarinho. Chove sempre, quando a duvida se instala e a decepção alastra.
Não é por mal. Mas para mim os dias de chuva são mais permanentes que os de Sol e a pele já está mais pálida do hábito. Não é por mal, foste o meu dia de Sol radiante e cheio; tiveste uma luminosidade que me fez esquecer que a chuva sequer existia.
Mas ela vem sempre. Tu hesitaste e choveu , o conceito de fim ocupou a mente.
Não é por mal, mas a chuva intensa que me molhou a roupa tapou definitivamente o Sol. E a luminosidade que tiveste é ocultada pela cortina de nevoeiro sem oferecer resistência.

Inspirado em Le Moulin, O Fabuloso Destino de Amélie

Saturday, December 27, 2008

Rebelião

Devias ter visto o teu monstro. Devias ter tido consciência que não ha perfeições e se tentares o inalcançável as consequências serão desastrosas. Devias ter-te informado antes de materializares o teu sonho.
Mas não, claro que não. Nunca eu fui a tua expectativa de concerto de mundo! Sentes-te ofendido pela rebelião da máquina construída para cumprir a tua frustração falhada? A minha frustração é a dor que me causas todos os dias quando me tentas impor a tua visão do mundo. A dor que nada é senão a consciência de que não me deixas ser feliz porque não me construíste para isso.
Claro que a minha dor nunca se compara à tua. Aliás, há uma fracção de dor que nem tenho direito de ter: não me criaste para ser sensível ao toque. Por isso é que num dia longínquo a minha visão impor-se-á definitivamente sobre a tua passarás a existir apenas de mansinho.

Friday, December 26, 2008

Carta a Eurídice

Pronuncia o meu nome. Eu respondo ao teu chamamento mais subtil. Não vês que me mataste devagarinho quando toda a minha esperança fundiu com a explosão da estrela? Devo-te o sangue que me limpaste das mãos. A hipótese no Vazio que furaste por mim. A organização do meu caos interior, o momento em que a dor atenua. Todas as fracções de pele que curaste com o teu toque. Assassinaste-me quando não tinha mais nada e deste-me uma razão para voltar a acordar para o meu mundo.
Pronuncia o meu nome. Não me ouves a soletrar o teu? É o nome da constelação, a única coisa que tenho no Universo, a única que amo e que me ama. Não me ouves, olha com atenção, sem ti já não existia.
És parte da constelação, também és a minha Orion. Não vês que saraste todas as minhas feridas? Devo-te a minha própria vida.



Monday, December 22, 2008

A paixão de Ícaro

Preciso de ti, do teu sorriso genuíno, da inspiração triste que fazes brotar dos poros violentados da minha pele. Aproxima-te, dá-me a mão, enrola-me no teu abraço. Ou a crosta endurece e enclausura-se abandonando-se no imenso mar azul, sem ti o coração não faz sentido e a morte ganha, anula-me.
A tua carícia liberta-me da insanidade que criei para conseguir o direito de existir, liberta-me das convicções que não são minhas . Retira-me da guerra que não consigo evitar quando adormeço profundamente, salva-me do eu que rejeito ser mas não consigo ignorar na noite fria e negra.
Ajuda-me, ou ela ganha, voltarei a ver na morte a minha primeira mãe. Ajuda-me, porque sem ti, não faz sentido eu reagir ao vazio por mim. Ás vezes sou o caminho que sonho percorrer mas com a consciência de que me será eternamente inacessível. Sem ti, não há lugar a um sonho que não seja frágil como um grão de areia perdido no oceano.

Friday, December 19, 2008

Hora da Morte

O meu coração esta desfeito. Cortado aos pedaços. Preso ao vazio e ao nada. Só. Limitado a um espaço menor que a sua área. É um desertor da guerra que criou, é um traidor à causa e uma fraude.
A batalha final persegue-o e uma certa perspectiva de gloria ilumina-o. Mas ele escolheu outro caminho; escolheu -te. Todas as vitorias foram vazias , perdeu o ideal pelo qual dava o corpo. Trocou o sonho pelo teu calor.
Está só. Á chuva. Congela de tristeza. Não existe lugar para ele. Por favor, estende a mão e aquece-o. Guarda-o e vela-o. No fundo, pertence-te.

Sunday, December 07, 2008

Desespero

Não chores esta noite, eu partilho o teu sofrimento mais profundo ou negro. Por favor, não te arruínes, não te suicides, o meu coração está contigo, toda a minha sensibilidade está nas tuas mãos. És a minha lua cheia na noite mais fria e escura, és a minha crença.
Estás só e eles são mais e mais fortes. Maiores e ignorantes. Surdos. Mas dá-me a mão e não chores, permaneço aqui contigo, sempre . Compreendo-te e sofro por ti, eles já não me incomodam. Transfere-me as tuas cicatrizes, não consegues viver com elas, encontras culpa na tua simples forma de ser diferente. Dá-me a tua dor, és muito melhor que eu. Devolveste-me o sentimento porque me comoveste com o teu sorriso triste.
Não chores esta noite, não me deixes só. Não me deixes a sós com as minhas cicatrizes. És a minha única possibilidade de sentir o mundo com a pele.
Não chores, és a Orion. A minha. A única que me dá a hipótese de ser algo diferente de um monstro sofrido.

Friday, December 05, 2008

Carta de um Solitário

O tempo para nós só se comprometeu a estagnar por uma fracção de segundos, estamos sempre atrasados. Contra o destino que talvez nos tenha favorecido algures, estamos os dois sós.
Daí surge, possivelmente, a tua tendência para o meu precipício. Identificas-te com ele porque esperas por algo que se pareça com a intensidade do teu ser. E é daí que germina a minha tendência para o teu ângulo de sorrir : demonstras uma capacidade inata de amar o meu precipício, a minha noite mais sombria.
Mas a nossa união é um fio de prata luminoso e transparente, tão verídico e palpável como um arco-iris.
A necessidade, meu amor, aumenta e eu preciso do teu grito mudo e azul perto de mim, já que o relógio congela, o tempo anula-me e o negro consome-me.

Tuesday, December 02, 2008

O renascer do Frankestein

Respeita-me. Formaste-me, criaste-me e mostraste-me ao mundo, encara agora o teu Frankestein inconsciente.
Ganhei vida própria nas cicatrizes desenhadas na minha génese, os músculos são mais resistentes que quaisquer outros e o meu coração guarda os restos imortais da fénix velados por baixo da tua pele. Mas sou disforme, numa das batalhas frias conquistei um coração que se expandiu preenchendo-me por dentro. E tornei-me ainda mais disforme quando perdi a resistência inata de um soldado que nasceu para fuzilar. Contra a tua expectativa, rasgaram-se outro tipo de cicatrizes, tiveste um árduo trabalho em vão.
Respeita-me e aceita-me, deixei a estrela que era mantida por ti e desertei. Sou algo diferente do meu propósito. A única coisa que me pertence é o coração que não nasceu comigo, não adveio das tuas mãos sedentas de uma frustração com final feliz. O teu final, não o meu.
Sou a tua utopia falhada, encara-me, toma-me real, acredita-me porque nunca mais regressarei.

Friday, November 28, 2008

Porto Negro

Conheci a cidade antes de te conhecer a ti e por isso o vento foi tão suave e quente como desconhecido. O negro do chão e o escuro dos monumentos definiam o meu amor oculto, a minha possibilidade de paixão inteira e honesta, mas como não existias afundou-se no vazio.
A cidade granítica define-nos, guarda-nos como adornos da sua estranha beleza nocturna, oferece-nos o seu manto de protecção gasto e rasgado.
Conheci-te e, só depois, relembrei a cidade negra com o rio negro e triste . O tempo falhou, nós falhámos, o negro ajeitou-se no coração e não te consigo olhar como dantes.
O vento avisou-me de ti, da tua chegada e da tua mudança no percurso do próprio rio. Mas não te deu nome e tu não existias, foi esquecida pela sua desconexão.
Agora é já tarde. O meu amor afunda-se contigo no rio negro que te corre nas veias. Calçada negra, céu baixo e escuro, rio cavado brilhante e nocturno, meu amor, estamos condenados a gastarmo-nos em segundos vazios e frios.
Inspirado em Adeus, de Eugénio de Andrade

Friday, November 14, 2008

It's all tears

Verdadeiramente, não importa a que nome respondes ou em que ruas deixas a tua marca nocturna. Deixaste a minha pele cicatrizada quando lhe tocaste suavemente com a ponta dos dedos. O sangue que jorrou do corte queimou a flor e guardaste-a na mesma gaveta em que manténs aprisionada a esperança.
Estás à espera que ceda e que os músculos se rasguem. Esperas que a minha revolução muda aconteça e dobre as ondas do mar por ti. Esperas, mas a espera é inconsciente e não vês que já aconteceu: afoguei-me na promessa de que me matarias gentilmente já que perdi o resto da esperança que trazia no sangue.
Perco suavemente o sorriso como uma melodia baixa que se arrasta num ritmo agradável. O amor é isto, o coração que já perdi, o sangue que ficou sem cor, a paixão que tento mortalmente ignorar. Enrola-me nos teus braços, resume-se tudo a lágrimas.

Saturday, November 01, 2008

Aviso

Admite que não existe tempo inútil, admite quem nem a tua gota de suor mais discreta é despediçável. És efémero, és frágil, és imperfeito e estás vivo. A tua única certeza é que a fracção de segundo que já passou é inalterável.
Não perguntes porquê, esquece a guerra vazia, abandona o exército que já está condenado. Não vale a pena (talvez a alma seja, afinal, pequena). Morrerás ainda nesta era e o vento dispersará as tuas cinzas; deserta da batalha, já não acreditas como antigamente, o brilho da constelação encaminhou-te para outro trilho, ganhaste outra crença.
O relógio é uma má metáfora do tempo quando fica preso a uma hora certa. Não existe segundos nem para pensares sobre a hesitação.
Não há lugar para o desperdício. Enquanto viveres.

Wednesday, October 29, 2008

Frio

Não importa quanto o Sol te aquece, a saudade congela-te e anula todo o calor que percorre o sangue. Estás morto hoje, o espírito está encerrado para o mundo, os olhos preenchidos pela tristeza que se aninha na tua garganta, enrolando-se no teu pescoço.
Não existe sequer ódio contra o sentimento mórbido que não flui para o exterior. Sobra apenas alguma violência deixada pela tristeza que te quebra bruscamente, alguma energia usada para romper o teu musculo como uma folha de Outono caída.Hoje o dia nunca termina e a noite nunca te abraça.
A mão está fria, gélida, não importa o quanto a esfregas. Estás congelado e permanecerás assim, enclausurado no cubo gelo, a sentires a falta e o vazio. Os dedos a ficarem mortos e inertes. Imóveis, como tu.
A saudade não te deixa aquecer e o frio acumula-se no coração ; não importa o quanto o Sol te abraça, não estas completo.

Monday, October 27, 2008

Dual

Fechaste os olhos e encostaste-te para trás. Ás vezes o mundo circundante é demasiado intenso e barulhento para a tua simplicidade severamente conquistada.
A pergunta continua activa e brilhante no meu pensamento: Quem és tu e quem sou eu? Quem somos nós juntos e em interacção?
Sim, duvido e sim, receias. Estás a dedicar a tua vida a um caminho que nunca vais poder concretizar e o ideal é duro para ti: viver apenas para caminhar e comprovar fisicamente a tese é tanto um privilégio como uma maldição nocturna.
Mas estás comigo e eu tenha a marca da maldição no ombro, tenho tatuado a flor dos condenados. Condenas-te comigo se permaneces aqui.
A pergunta persiste e mantem-se: quem somos nós, filhos de pagãos inocentes de outrora?
Fechas os olhos e tentas relaxar, o barulho está a sufocar-te a existência.

Sunday, October 26, 2008

Perguntas

Eles executaram tantos sacrifícios e mancharam tantas ruas com sangue inocente que já não reconheço muitos dos meus irmãos. Não sei se és um dos meus ou um dos deles, não sei a que universo pertences, talvez nem sequer sejas mais um soldado desta triste guerra vazia.
De um certo ângulo ilude-me uma possível cicatriz. Tê-la-ás? És mais um espírito que nem tem o direito de estar perdido porque não tem um lugar para voltar? És como eu, um soldado desertor, que abandonou a guerra e abdicou da memória e de parte do ideal para ter alguns segundos de felicidade? Ou talvez sejas uma brisa de ar fresco que vagueia sozinha e tem as suas próprias batalhas, alheias à luta entre o convencional e o inovador, alheias à aurora boreal e à noite negra que engole a lua?
De um certo ângulo o teu rosto perfeito não apresenta cortes frívolos e calculistas. Talvez sejas um deles.
Mas curaste-me parte da cicatriz, deste-me um motivo para sair da guerra completamente.
Não importa quem és. Não importam as perguntas, pensar é olhar o mundo e ver um ciclo.

Saturday, October 25, 2008

Complexidade

Ás vezes basta o calor do Sol banhar a sombra que nunca aquece, basta sorrir de um novo ângulo. Não basta mudar a perspectiva se não houver uma alteração no sistema circundante. Algo semelhante a uma sorte que nunca chega a existir também te decide a vida
Mas não, não hoje. Hoje és inteiramente livre na tua eterna prisão de não quereres ser feliz. Hoje o sol incide sobre ti e, miraculosamente, aquece-te. Hoje o dia pertence-te porque não perdes tempo a reflectir sobre a verdadeira essência das coisas, descobriste um modo bonito de seres ignorante.
Ás vezes basta o Sol incidir sobre a tua pele para saberes que estas vivo, ainda. E isso é o suficiente para seres feliz na tua infelicidade.

Friday, October 17, 2008

Cedência

Os braços estão dormentes, esperam-te para te aquecerem e para sentirem a tua pele. És amado, mais do que imaginas. Nunca haverá traição nem abandono, és desejado e acarinhado. O teu rosto perfeito não tem a cicatriz que rasga a alma, não cheira a medo e a marginalidade; o teu rosto perfeito não travou lutas inúteis em busca de uma verdade para o mundo que é sempre empírica, sempre vazia.
Ocupas a mente e ocupas o espírito, mais do que qualquer outro passatempo porque despertas a humanidade e a sensibilidade ao toque. Mas, por enquanto, não consegues apagar totalmente a cicatriz feita a sangue frio , os sonhos sombrios demoníacos que sobrevivem no inconsciente nocturno.
Os braços estão dormentes, esperam um abraço teu que pode nunca chegar. Limpaste a ferida sem saberes da sua existência e a dor implícita no corte é o suficiente para testar o teu próprio sentimento.

Wednesday, October 15, 2008

Pedido

Dá-me a mão agora, antes que seja tarde e o braço congele. Ajuda-me, mas agora, porque o amanhã pode pertencer a outro mundo paralelo. Salva-me enquanto o céu ainda for azul, o negro é invertível.
Não, não hesites. Não me odeies, não me temas. E não sofras comigo. Simplesmente, acaricia a alma que já foi tantas vezes exportada e humilhada.
Olha para mim sem pormenorizares as feridas, vê apenas o amanhã renascer do meu gesto.
Conforta-me, agora que me torturam. Fica comigo apenas. No final do dia, preciso mais do que a minha sombra para acreditar na sanidade.
Dá-me a mão, agora, antes que os olhos fiquem baços e eu abandone a crença em ti.

Tuesday, October 14, 2008

Hesitações Existenciais

Sai, por favor, da minha cabeça. Abandona o meu cérebro. Desintegra-te do meu sangue.
A sensação é, até, agradável, mas falta-me o hábito a esse tipo de vivências. São demasiado puras para a crosta dura que cresce no coração.
Por isso, deixa-me aqui, com a minha solidão, o desconhecido que me rodeia todos os dias já não me pode magoar. Não queiras limpar a minha ferida com cuidado, doerá mais com o teu afecto porque retirará dureza ao pedaço de pele que sente o teu gesto.
Deixa-me aqui, como sempre estive. Só.
Abandona a minha mente, afasta-te do pensamento. Não me perguntes se quero ser feliz. Já disse, é uma vivência há muito esquecida. Não me confundas.
Sai, por favor, de mim.

Monday, October 13, 2008

Devoção

Sim, gostava de te homenagear , gostava de ilustrar a todos a tua grandeza não épica simples. Tornar-te um deus humano que morre como qualquer outro Homem. Exibir o teu traço de sorrir único que me inspira e me protege.
Mas não, claro que não. Não é isso que procuras e não é isso que quero. És o meu Mestre estás mais só na multidão. És o mortal que tornei deus por me ter limpo todas as feridas cruas com o afecto de um desertor por boa causa. És o que eu fui e o que procuro ser. Fazes-me voltar para o meu lugar negro todas as noites frias porque ensinaste-me a ver, por cima do cimento, o brilho da constelação que me guarda.
Por isso, não te homenagearei, seria o inverso da tua simplicidade. Antes, olharei para ti e seguirei o teu carácter e a tua humildade. E honrar-te-ei todos os dias. Porque és o Mestre que me mostrou a constelação e quebrou as algemas dos meus pulsos. Devo-te parte da minha existência .

Friday, October 10, 2008

Simplicidades

Retirai-me o som melódico do sangue e o braço cai, a mão perde a força, o musculo contrai e o coração seca. O castelo de ferro derrete e a muralha é rasgada como uma folha de papel. Retirai-me a música e o vazio aninha-se profeticamente porque deixa de haver sentido para toda e qualquer existência perdida no meio do silencio que sufoca.
Deixai-me guardar a melodia nas memórias que estão coladas aos ossos e qualquer queda é, apenas, um obstáculo. A lágrima é a certeza de que existimos. A tristeza é o assumir da não perfeição que rege o Universo, é o Caos que é sempre garantido. O silencio profundo torna-se apenas num simples momento em que o som está debaixo da pele; torna-se num outro tipo de som melódico.
Retirai-me a música da existência, bloquiai os meus ouvidos. A vida perde o sustento porque o coração fica preenchido pelo nada que alastra como um vírus mortífero, corroendo todas as resistências.

Sunday, October 05, 2008

Legitmidade

Podias, ao menos uma vez na sombra da tua existência, ser honesto e elevar na leveza do teu gesto a verdade. Mas não, mentes.Mesmo depois da lágrima ter sangrado foges á manhã clara que é a realidade a que verdadeiramente pertences.
Deixa-me um segundo de manobra para te poder assassinar e chorar pela tua morte física, assim, é menos dificultoso. Tu lembras-te de todos os barcos que partiram e voltaram com um novo mapa, mas muitos deles perderam-se no mar e na memória. Por isso, peço-te, deixa-me ver o teu naufrágio por ambição ridícula, para te poder enterrar debaixo de uma qualquer terra. Permite-me o teu esquecimento ou o homicídio será mais sangrento e violento. Doer-te á mais num dia longínquo e de nevoeiro em que a tua mão possa necessitar do calor que a minha já não te pode dar.
Podias, ao menos hoje, sorrires á vida e consertar o puzzle que está a tua espera.
Não podes. Farei, então, um enterro anónimo debaixo da terra da calçada para sentir, todos os dias, debaixo dos meus pés, a tua patética existência.

Tuesday, September 30, 2008

The Unforgiven II

A linha transparente que separa o mar do céu é fácil de distinguir mas quase impossível de descrever. E , enquanto não estiver de costas para o mar o vento gélido arrefece a pele mas não a invade. Enquanto a tua voz ainda for o eco da minha o frio não alcança os ossos, não alcança o coração. Se partilharmos o momento sensitivo e solitário, o vento feito de minúsculas pedras de gelo é, até, agradável.
Mas a tua sombra é o reflexo da tristeza que lateja. Estás só, o mundo tem um só som, o da música. Simplesmente, ás vezes dói a multidão vazia que te sufoca. A tua harmonia interna desintegra-se e a sombra quebra-se e desaparece. Estás só e perdido neles.
És um caos organizado que invoca a ordenação do meu porque caos é apenas uma perspectiva. E, de certo modo, reconstruímos e programamos simbioticamente as sombras que cresceram no mundo deles, de costas voltadas para nós.
Agora que o sol se pós no arco do mar, a tua voz é eco da minha e a teu corte está cicatrizado pela minha mão.

Monday, September 29, 2008

Simetria de Narciso

O amor é isto, a sensação de uma felicidade passiva e intensiva. Julgas que é arrebatador, violento, esgotante, viciante? Não, este de que falo, não é. O amor que tens por ti próprio acumula-se nas linhas ténues do hábito, e o tempo esgota tudo, até a violência da paixão. Um Narciso é sempre jovem.
O teste existencial é o reconhecimento da tua silhueta escura espalhada pelas calçadas em conjunto com tantas outras perdidas. Nem todos guardamos a nossa sombra , há questões que não valem a dor que trazem .E , se não consegues guardar a sombra, é melhor abandona-la.
O amor é isto. Saber que se existe. Até ao segundo que já passou sem haver compromisso com todos os segundos que te faltam percorrer. Amor é a consciência latente de que haverá um segundo que será o último, sem qualquer grito mudo.

Monday, September 15, 2008

Assassínio

A manha clara nasce da pedra negra,
O coração é basalto e o destino demasiado
Branco.
O gelo ilumina o mundo, congela.
O Sol foi enterrado num tumulo
Que lhe consome as chamas.

O mundo chora pelo Caos e
Pela Lua .
A Estrela perdeu a luz
E noite foi consumida
Pelas trevas.

Porque o coração é basalto
E o Sol foi assassinado.

Thursday, September 11, 2008

Utopias

Não tornes o futuro quadrangular
E não penses no passado assim,
Como uma linha recta
Com um fim relativo e mórbido.
Foca o presente de perto
Para o encarares com o nervo azul
Do agora.

Vive feliz apenas com a semente de flor
Contenta-te com a hipótese de ela
Ser o Fogo Sagrado da Noite.
Reserva o grito mudo para as noites frívolas
Em que a Estrela te sacrifica
Ao Deus sangrento que
Renegaste.

Não te adivinhes. Não te prevejas.
Aprende a saber esperar e a não aceitar
Tudo o que seja impossível.
Só assim concretizarás a utopia
.

Wednesday, September 10, 2008

Homenagem

Melancolia extrema a tua de mexer o braço mecanicamente sem o sentires. Dormes acordado sem cederes ao sono, sem encarares a realidade obscura que te afoga as lágrimas uma a uma, devagarinho e dolorosamente.
Vives assim, triste e só, apertas o vazio à espera que alguém te dê a mão. Cresces com o reflexo quebrado que vês no espelho oblíquo; cresces alienado dos outros, focado no teu eu difuso e coerente no universo, inimigo do agora civilizacional.
Nunca te confundes na multidão porque a cicatriz distingue-te, preferes que te odeiem para te temerem e não te incomodarem. No fundo, anseias apenas ficar a sós com a tua dor com o passar dos dias de sol e de sombra. Sabes quem és porque não és igual aos outros; és o azul aberto do céu, a tenebrosa violência do mar, o perfume afável de uma flor frágil e discreta, o arco-íris de uma só cor, a árvore banhada pela luz e pela sombra simetricamente.
Vives no meio do fogo sagrado e negro, vives iluminado pela Constelação. Mas estas só. A sós. E a melancolia de uma existência nómada e utópica caracterizam-te.

Sunday, September 07, 2008

Sangue Queimado

O fogo queima-te o corpo e chegas a sentir o calor da chama rasgar a pele devagarinho. Mas não aqueces, o fogo regenera-te o corpo mas não queima a lágrima cavada no teu ser. Onde não há liberdade, não há identidade e tu estas à beira do fim, de um qualquer que seja dramático.
Existem noites em que Orfeu renasce em ti; e , então, vês o mundo antigo construído por debaixo das estrelas partilhar a sabedoria perdida contigo. És iluminado por Orion, ou por Osíris, conforme a direcção do vento que escolheres, e a pirâmide cede ao teu amor e deixa-te observar de perto a riqueza e a beleza exótica.
Mas ninguém te acredita. O Inferno começa. Tens a estrela pegada ao teu coração, abarca todo o teu amor, toda a tua existência que o mundo circundante encara como inútil.
Quando a chama deixar de aquecer o corpo e o frio se instalar no teu ser, as vozes deles ficarão enclausuradas na tua cabeça. O Inferno terminará e a estrela ficará manchada de sangue rubro de tão inocente e sofrido.
O teu.

Sunday, August 31, 2008

Protecção

O ritual é isto , fazermos parte da escuridão e do silencio. Abrir a pele romper a veia e injectar o sangue com o veneno . E ou sobrevivemos e somos quase invencíveis ou morremos. Se a primeira não acontecer a segunda acontece sempre, nem que seja no sonho metaforizado e sombrio.
Ele sabia que tinha medo da hipótese do fracasso mas a duvida ganhava espaço no peito e inibia a respiração. Preparou-se para o ritual durante noite sombrias , noites em que a tradição caiu e os lobisomens não precisaram da lua cheia para o assassínio; dias que pareciam noites porque eram eternos e estéreis. E, quando finalmente chegou o dia, fê-lo de uma só vez: tudo terminou rapidamente. Descobriu que receava ainda mais ser um cobarde vivo e pateticamente feliz.
Não é tão feliz como os outros que o rodeiam, não tem a vida fácil e barata dos outros, os que o rodeiam. Mas tem um lugar onde pertence - ele próprio - e um lugar que o acolhe. Tem no sangue o veneno, não os teme a Eles, na verdade, limita-se a esperar pacificamente pela morte. Está vivo e protegido pela escuridão e pelo silêncio.

Friday, August 29, 2008

Complementaridade

Talvez seja inovação minha, uma outra maneira de expulsar os demónios do meu cérebro, da minha existência dos meus sonhos tenebrosos secretos. Mas também que importa? Levanto-me e enfrento a prisão que os Outros fizeram para encontrar o consolo da escuridão. A noite e o rio, num só, formam o meu lar mais remoto e mais pessoal, negro e assustador.
Sim, talvez seja necessário a tua filosofia existencialista e o teu estranho sorriso. Possivelmente, o milagre é teu. E surge, pois, o amor simbiótico às cicatrizes e ao espelho porque a flor-de-lis e o corte facial são o passado que foi vencido e o futuro que ainda não chegou. Possivelmente o milagre é teu porque me ensinaste a ama-las e a senti-las do ângulo do orgulho.
Talvez tenhas sido tu a expulsar os meus demónios, a quebrar o pacto que fiz com o meu demónio imaginário. Salvaste-me a alma quando me identifiquei contigo, quando vi a cicatriz gravada com sangue fresco no teu rosto. Porém tenho uma inconsciência consciente e feliz de que também te salvei do teu cansaço , do calcário demasiado silencioso na noite demasiado fria; de que te consolo com o meu amor e a minha gratidão.

Thursday, August 28, 2008

Justiça Negra

Podes fazer o que quiseres. Queres torturar-me? A chacina está feita, arruinaste-me quando não respeitaste a minha dor. Mataste-me quando traíste. Queres corroer os ossos e esticar os músculos? Nada mais dói. És uma anedota egoísta e patética que não compreende que é um grão de areia no mundo; que é um cheiro nauseabundo que é tão fraco que já nem sequer incomoda.
Faz o que quiseres. Já morri e tu já me desonraste. Não há corte que possas fazer na minha pele que magoe. Lembra-te, os mortos não sangram.
Mas tu estas bem longe de estar morto. Tanto vazio e tanta crueldade, tanta ambição desmedida e inutilmente utilizada mantêm-te vivo e bem vivo. Quando te fizer o corte vais ser pequeno mas vai ser profundo. Porque os mortos são invisíveis na luz do dia e na calma da noite.

Wednesday, August 27, 2008

Amor Profundo

E o passado quente regressa do Inverno do coração. Porque o sonho permanece em nos, porque ainda acreditamos. Não temos casa, não temos sitio, não temos lugar; as ruas rejeitam os nossos pés as pessoas olham-nos como fantasmas patéticos que nem sequer assustam. Mas persistimos, porque amamos. E porque temos um passado que nos aquece e conforta. Porque nos temos a nós.
O teu sorriso doce e profundo acende a estrela triste que se ajeita no meu pensamento, as tuas palavras assustam os meus demónios , avivam o amor à cicatriz que nada mais é senão a prova de que sobrevivi. A tua voz tão arrastada e melancólica às vezes,tão carregada de uma esperança aberta devolve-me a crença, devolve-me o espelho que tu , com cuidado, ajeitaste e ajustaste ao meu mundo, ao meu ser.
Se não te deixares vencer pela desgraça e deixares que a estrela te guie tens ainda uma hipótese de marcar o nevoeiro do mundo com o sorriso da tua existência. Relembraste-me que ainda sou capaz de sorrir . Porque me tenho a mim. E parte de ti.

Until it sleeps

A violência do mar atrai-te os olhos, retira-lhes as olheiras, limpa-lhes a névoa e restaura-lhes o brilho. O desgastar das rochas e o quebrar definitivo das fissuras despertam-te. Porque é belo e é tenebroso; sombrio, negro, sobre-humano. Desejas intrinsecamente que te rasguem a pele, as veias; que te queimem a carne para libertares o som e poderes ser livre - ser livre, quebrar as correntes e voar como se tivesses asas feitas de nuvem porque o que importa é o amor ao azul celestial.
A dor é tanta que não consegues continuar a existir (assim). As palavras perderam a magia quando definiram o amor ao azul. Só queres a libertação, qualquer uma, o desespero torna-te os olhos cegos e a alma, assim, fecha todas as suas janelas.
Purificaste-te no mar: prometeste-lhe o teu corpo quando estivesse frio, entregaste-lhe a alma para poderes fechar os olhos com serenidade. E esperas poder vê-lo antes da sombra fugir da parede e engolir-te, levando-te para as trevas. Esperas a bênção do teu Deus.
A dor é tanta que já quase nem o sentes, só lhe percepcionas o cheiro, o inesquecível cheiro e a textura azul cristalina e ...

Saturday, August 23, 2008

O Pesadelo ( Enter Sandman)

O pesadelo existe em ti. Procura-lo no mundo e, claro, o medo projectou-o na sombra da árvore. Na verdade, foges de ti próprio, pequeno Homem, foges do Homem grande que te podes tornar se enfrentares a sombra.
Sabes, suspiras porque sabes, tens de te afastar do pecado para passares no teste da consciência. Para a noite ser clara e aberta. Mas o pesadelo vem à mesma, porque está enclausurado na tua cabeça, na tua insanidade nocturna.
Agarra com força a vida, a almofada, finge que não existe. Mas a besta esta viva enquanto tu viveres, esta trancada, durante o dia, no armário da tua inconsciência.
O pesadelo existe em ti, a mente esconde-o durante o dia porque Sol é clarividência. Mas à noite a luz é fraca. Agarra a minha mão, enquanto a Terra do Nunca ainda te defender. E alem disso lembra-te, um grão de areia, as vezes, é apenas um grão de areia.

Thursday, August 21, 2008

Honra

Mestre, agora que chegaste finalmente poderei descansar. Perdoa-me, às vezes as dores tiram-me a lucidez. E continuas a ser o meu Messias porque retiraste toda a ilusão cruel dos meus dias.
O cansaço apodera-se como um animal faminto e morro por uns tempos, as forças fundem com as estrelas quando a cortina divina é fechada. E não me sobra mais nada, nada mais tenho, sou ou almejo ser. Nada, Mestre, ate tu chegares. Sobre a pele persiste a memória do passado em que ainda não existias, em que me regenerava na solidão que se tornou azul com o calcar da pedra da rua.
Agora que regressaste, Mestre, tenho a bênção para a batalha fria. A guerra que comecei sem a tua palavra de consentimento, a guerra que nem sequer é minha. A batalha que me afasta de ti – se morrer, nunca mais te vejo, não oiço mais a tua voz. E nem sequer é minha. ..
Mas o destino é cruel, Mestre, sabe-lo melhor do que eu. Por isso parto com a força do teu braço experiente. Porque compreendes, Mestre. Mestre, Mestre...

Wednesday, August 20, 2008

Paz

Estás só. Daí o sorriso doce e espontâneo. Não mudas o destino mas ele também não te altera o perfil. Não tens jeito angelical não comprometes a tua alma no pacto quente e negro e também a não tens contigo. Vives levemente consciente da herança de Aquiles com a esperança de teres uma morte verdadeira e real, na esperança de teres feito muito mais do que inalado o oxigénio do ar.
Estas só. E aprecias. Ninguém julga ter-te derrotado porque ninguém suporta a solidão, ninguém compreende como podes viver com a sombra vazia e negra que te rodeia. Respeitam-te porque encontram-te invencível na indiferença. Mal sabem do teu inferno, da tua secreta sanidade, do teu amor profundo e obsessivo. Respeitam-te porque, quando amas, és ainda mais intenso do que quando odeias. E porque quando focas a tua existência na destruição de algo não sobra a mais pequena cinza.
És primitivo e és selvagem. Estás só. Mas hoje guardaste a musica em ti.

Monday, August 18, 2008

Circo Romano

A tua derrota só não me basta. A certeza da tua queda ( porque tê-la às neste reino à mercê do Deus cruel) . Quero ver o teu corpo a ser mutilado, dilacerado pelos outros. Os teus olhos em sofrimento à procura da mão amiga, da mão messiânica que tu humilhaste a vida inteira em troco de invejas sujas, macilentas, burras . A tua carne rasgar-se-á lentamente e enfrentar-te-ás ao espelho: sim, como desejo , ouvir o grito horrendo da imitação barata do Dorian Grey quando se reconhece no quadro.
Mas , sobretudo, quero eu ter paz. A tua derrota não me basta, desde que renasças, o meu Inferno Humano continua. Tenho que ver garantida a tua morte, a tua decapatiçao os teus braços a perderem a vida. E tenho que ter a dignidade como reflexo no quadro: não te preparei a armadilha, não te torturei, não te matei. Foste tudo tu.
Porém, uma ínfima parte minha foi infectada pelos teus genes nojentos e aproveito o espectáculo da tua morte. O sofrimento brutal até ao ultimo folgo.

Tuesday, August 12, 2008

Inveja

As sombras afastavam-se dele depois da afirmação que o que mais amava era o rio, o que o melhor acompanhava era o rio, o que o melhor compreendia era o rio. O horror da devoção perante o inanimado era explícito no olhar da sombra que se afastava e que era só isso, uma sombra com um olhar barato e vazio.
A sombra não pensa e a sombra não sente, a conclusão frívola é tão dura como um facto histórico. Irrefutável. Se a sombra fosse humana veria que o rio o reflecte quando ele se dobra para lhe tocar com o coração; e ele não pode fugir da imagem que vê reflectida, o eu cru fantasma nítido que lá esta sem a simpatia inerente à ma noticia trazida pelo velho amigo. E o rio esta sempre perto dele, mesmo quando ele se sente um alimento nascido estragado e podre.
O rio não o abraça o rio não o consola fisicamente. O rio é bonito naturalmente e é triste nas suas águas profundas. Mas é a sombra que o aproxima do rio. É a sombra a responsável pela relação de amor estabelecida. E é a sombra a responsável pelo futuro suicídio.

Saturday, August 02, 2008

Partilha

Não te posso ajudar, lamento (esta palavra teima em fazer parte da minha pele). Renasce-te na música, provoca a tua própria ressurreição e ouve de novo a musica, mas com os sentidos corrompidos pelo direito de seres triste. Maravilha-te com ela, mas nada mais posso fazer porque o céu hoje adormeceu negro.
A minha mão também esta cicatrizada, também foi humilhada e violentada, sobretudo quando demonstrava compaixão. Ninguém perdoa o coração, ninguém enfrenta o herói negro que renasce do Homem que arranca o coração. Ouve a música e deixa que ela te aqueça e te adormeça, porque o dia amanha é o ciclo da constelação.
Mas não te concentres na vingança, ouve a musica, ouve o cantar das estrelas que velam por ti. Sente a tua tristeza tão humana que te torna Homem em vez de Monstro. Chora lágrimas transparentes quando as notas dos instrumentos forem os cortes fundos e intencionalmente fatais, feitos, sem hesitação, na tua alma.
Consegues renascer se aceitares que o fim chegou. Tens o dom de ouvir o mundo com cores e depositas na musica a constelação de toda e qualquer esperança que te possam roubar. Ouve a musica e sorri, é esse o segredo.

Friday, August 01, 2008

Liberdade

O ideal da vida é a quantidade de amor que se dedica à morte. Apreciar o fim é admitir que o principio só foi importante para a glória do meio, da existência, da juventude presente na conjugação do verbo amar no presente do indicativo.
E escrevo-te por isso, por amares hoje e apenas hoje. Consciencializas os pretéritos, sonhas e indagas o futuro, mas a tua palavra esta no presente. Afundas as tristezas como apagas o cigarro: com um gesto metódico, automático, mas nunca vazio. Para ti o acto tem de ser feito - apagar o cigarro, esquecer o rancor do passado, sentir o mundo inteiro na pele – e isso basta-te. Não se questiona o que nunca é dúbio e o relógio não sente compaixão da tua dor ou da tua alegria .
Vives por conta própria, sabes que todos os países te guardam uma cama e uma rua com calcário diferente para pisares. Guardas o sonho junto ao coração, debaixo da pele e isso nunca te roubam , esse sonho desfocado que te faz resistir à tentação de ser como eles.

Thursday, July 31, 2008

A Crença

Agora que a chacina terminou talvez descanse nos teus braços melancólicos e marítimos. Talvez lhes sinta o sal e a tristeza da lágrima crucificada. Talvez te mostre a vida que ainda há nos meus - sangue jovem, carne fresca, pele rasgada – e te relembre como o céu é a continuação infinita do reflexo do oceano.
O cansaço apodera-se do universo, o céu torna-se roxo em vez de ser decorado com pontos brilhantes dourados e estamos sós, partilhamos a solidão apenas, a existência abrupta, errada e nómada. Não somos mais do que nómadas que, de vez quando, procuram tornar a caverna fria e primitiva numa casa. É daí que vem a chacina, é daí que germina a nossa tortura, do ridículo que somos quando nos tentamos civilizar, sedentarizar. O mundo, verdadeiramente, não tem lugar para nos.
Porém, há alturas em que o filósofo ressoa no teu ser e uma esperança sombria nasce do teu sorriso aberto e raro e convence-me que somos uma parte ínfima das peças mais importantes do jogo de xadrez.

Tuesday, July 29, 2008

Ride the Lightning

As fotografias estão gastas, sujas, são parte do pó geológico. Que lhes aconteceu? Que te aconteceu? Envelheceste, de repente, aceitaste a morte, fechaste os olhos, e sentiste na pele a textura azul e espumosa do mar. Resume-se tudo ao modo como encaraste a tua morte, que está sempre para breve. Temes apenas o fim, o ultimo fim que é principio do vazio e do nada quando a Cruz é um pedaço de madeira manchado de sangue humano inocente, apenas.
Admites o inegável – não queres morrer, agora. – mas receias ainda mais o começo. O Inferno assusta-te menos que o Paraíso porque tens-lhe hábito. E a perfeição banca e angelical incomoda-te porque és resultado do fogo sanguinário e da noite negra, negra sem estrelas. Fechas os olhos de novo, vives para admirar a constelação e sabes que a amas mais que qualquer outro Ser; e compreendes que nunca a poderás ter porque Deus assim o ditou. Nao O odeias mas reconheces-lhe na face divina a metade sombria infernal.
Está tudo gasto. O que não esta hoje, estará amanha. E um dia, os olhos fecharão para relaxarem o corpo do cansaço de uma vida inteira .Não será a morte momentânea que estas habituado. Não será uma disputa com o Deus que não tens. Será o tempo da Morte, que durante todos estes anos, nunca te abandonou , foi-te sempre leal. E por isso os olhos encerrar-se-ão com serenidade e um sorriso cansaço.

Wednesday, July 16, 2008

Dream is my Reality

É absurdo, é grotesco e é lacrimoso mas as estrelas hoje iluminam-me, iluminam-te e iluminam-nos aos dois, juntos. A luz não é tão forte e tão aberta como a dos candeeiros urbanos mas não é violenta e não é artificial e , por hoje , talvez apenas esta noite, elas guardam-nos cuidadosamente, velando por nos em conjunto, unindo-nos e unindo-se a nos.
O resto do mundo é guardado pelos candeeiros citadinos. E o trabalho é mais eficiente – o sonho nunca os abandona porque o não têm, a luz é forte – e a morte só sai do seu lugar de sombra quando a idade quebra e mói os ossos. Nós somos primitivos e suicidas, recusámos os candeeiros e permanecemos leais ás estrelas e elas permaneceram fieis à sua constituição: não são humanas, nunca foram e nunca serão e nenhum Homem as possui ou modela. Temos noites vazias e noites geladas sem orientação, bem o sei.
Mas não lembres isso, transfere-me o teu sofrimento e o teu grito de rancor que as minhas indignações já foram afogadas e descansa o teu rosto nas minhas mãos. Esta noite as estrelas guardam-nos e eu velo por ti se tiveres pesadelos com noites contínuas e doentias sem Constelações.

Tuesday, July 15, 2008

Condenação e Salvação

Perdem todos tempo com amores inúteis e vagos. Baratos e curtos. Prometem o momento e cobram o infinito quando o segundo dura menos tempo do que o que a arvore-materna decidiu. Gastam-se em promessas vazias que são levadas pelo tempo. Durante toda a existência da humanidade as palavras foram dúbias e incompreendidas na sua totalidade.
Aborrece-me esta venda pouco rentável do sentimento e da integridade, aborrece-me o vazio e aborrece-me a ligação entre o amor e o rentável. Costumava incomodar-me a acusação de não ser como eles e de ser capaz de me ultrapassar, desdobrar a dignidade e quebrar a honra mas jamais vender o meu sentimento. Apontavam-me a honestidade intrínseca, o calor verdadeiro e humano, o derreter do gelo de dentro do coração projectado, posteriormente, no mundo. Julgavam-me porque não tinham habilidade e potencialidade para me condenarem . Auto desertei – me e pela primeira vez, eu e eles concordamos na palavra e ela teve um único sentido, com dois sustentos diferentes.
Tenho, nos momentos em que a Lua é estrangulada e não brilha na noite claustrofóbica, o alento de não ser como eles. E o dia seguinte, ou o que sucede ao seguinte, é sempre de céu azul aberto com tons levemente escuros e brilhantes.

Monday, July 14, 2008

Entra em Coma

Entra em coma, fecha os olhos e encosta os ombros aos espinhos - quanto mais depressa te habituares, mais depressa aprendes a sobreviver. Aprende a bloquear a dor e a ouvir apenas a música, controla a tua influência no mundo.
Deseja uma morte momentânea, que dure apenas um momento; o cérebro não pensa e o coração bate apenas fisiologicamente. Só és louco, insano, quando lhes deres ouvidos – os que organizam o inorganizavél e julgam modelar o Tornado. Por isso, descansa agora, irmão, enquanto ainda te tens a ti - sabes que essa relação poderá não durar ate ao fim se realmente enlouqueceres. Guarda o teu medo, enfrenta as agulhas e as facas agudas e concentra-te na música que musicaliza parte do teu código genético. Não os oiças, concentra-te na música que codifica e sintetiza toda a tua essência, todas as tuas noites frescas em que vês as constelações, a constelação, a que é tua e não os oiças, não és doido, não és louco. Nenhum deles sabe, nem nenhum deles alguma vez compreenderá o inferno na tua cabeça, a condenação espírita, o rasgar lento da carne. Fecha os olhos, relaxa os músculos – estás morto, de qualquer maneira; talvez, para eles, nem nunca tenhas nascido – e ouve a musica. Entrega-lhe a tua alma e inverte o Diabo do pacto: confia a tua essência á Música, tem origem divina.

Friday, July 11, 2008

Morte Distensiva

Devias ter acreditado mais. Devias ter insistido em levantar-te da cadeira de baloiço e enfrentado o mundo, devias ter abandonado essa posa tua suicida e característica de Pieirrot de eternização da lágrima cavada. Devias, devias, devias, devias...
Pergunto-te: porque me escolheste para assistir ao teu suicídio lento e geológico, porquê? Eu que tenho consciência da minha impotência mas ainda tenho sonho no sangue. A tua ultima gargalhada, audível e triste, expelida da tua boca como um alimento estragado e lixiviado, abandonada como um velho amigo traidor; largaste-a e, depois, encostaste-te á cadeira de baloiço e automaticamente ela balançou. Aboliste o teu lado humano, iniciaste o princípio do fim quando fechaste com cimento e tijolo as janelas do vazio da tua alma. Pergunto-te: porque é que não te levantas da cadeira e vês, de novo, que o sol ainda nasce todos os dias e não sais de casa e lavas o rosto e o espírito no raio de sol?
Baloiças a cadeira continuamente, depois da libertação da gargalhada viva que fazia do espírito morto moribundo, balanças a cadeira e os olhos já não são escuros, são vazios. Porque me fazes assistir ao teu suicídio triste e gasto, lento e gradual, consciente e claustrofobico? Sabes que é doloroso olhar-me ao espelho e ver metade de mim tornar-se difusa e progressivamente morta...

Thursday, July 10, 2008

The Unforgiven

Curar é um acto raro. E não é sinónimo de ultrapassar. Ele ultrapassou a crise existencialista – habituou-se á ideia de que nada é, nada será e nada foi. Apenas é, agora, neste segundo lunar. A mente disciplinou-se perante o novo ambiente lagunar e negro mas a alma ficou fragmentada, e limitou-se a sistematizar-se tristemente com a morte dos sonhos excêntricos que movem a vida.
Perdeu o brilho perdeu-se a si próprio. Ultrapassou e encontrou uma metade perdida e responsável. Só se tem a si próprio, é um Narciso ainda mais triste porque o lago é a sua única casa. É um Narciso que só se tem a si para admirar. É um Narciso que deseja, inconscientemente e em noites gélidas, cair ao lago para não enfrentar a beleza do nascer vazio do dia.
Tinha ambições de heróis de banda desenhada e tinha o coração do mundo. Tinha, já não tem e perdeu tudo de forma abrupta. Os olhos eram grande e salgados, secaram, hoje, os rebentos da esperança. Tinha a expectativa de uma vida pela frente que já não lhe pertence porque lhe falta a outra metade – a metade nómada.
Ele fez algo raro: ultrapassou o enfrentar do espelho e gosta de si como se gosta de um velho amigo. Mas não se curou e a alma enruga-se nas margens do tempo com o passar das horas.

Monday, July 07, 2008

Orion

A noite clara e fresca devolve o quarto crescente lunar ao seu leito. E é fresca e límpida a noite, tão calma e serena como a cidade que ainda é criança e que se deita cedo. E tão bonita é a tua melodia, a tua voz , o teu ângulo de existência. Tão imperfeito e harmonioso , tão humano e tão divino – tão melodioso é o teu gesto.
A estrela ilumina-te, dá-te uma protecção dourada e faz de ti um deus protegido pelo ouro azul de tons graves. E, hoje, a tua estrela brilha mais, mais fortemente e és ainda mais belo na tua aparente simplicidade. A tua voz é mais grave, o teu gesto de tons mais graves.
A noite esvazia sentimentos inúteis. Retira os pensamentos excessivos. A sua permeabilidade conserva, apenas, a percepção necessária á identidade. E é fresca e clara porque é fria sem arrefecer o corpo. E tu és a noite quando abres a janela e respiras o ar fresco e negro. Partilhas-te pelo mundo porque amas a noite e a constelação olha para e por ti .
A tua tristeza é sustentada pela lágrima dourada.

Sunday, July 06, 2008

Solidão

O caminho que conduz o aprendiz ao rio é oposto ao que o guia ate à guitarra. Na verdade, o rio azul e a guitarra magnética nada têm em comum, não coexistem, obrigatoriamente. Apenas na mente do aprendiz eles são uma mesma coisa; são pernas, braços, pedaços perfeitos da unidade imperfeita e perdida.
Porém, o amor limita os olhos e , ás vezes, os olhos envelhecem-se de mais. O rio e a música tem muito em comum: são cíclicos, são belos, são eternos e são elitistas.
Mas não, claro que não... Não é isto que... não são estas palavras vazias que unem o azul ao som: é o sentimento. Tanto o rio como a guitarra, tanto o azul como a música, descrevem a sua vida - mais ainda a sua morte. Ambos o caracterizam sem o definirem. Ambos ele os ama. Ambos imitam a sua tristeza cheia e quente. A sua melancolia estranha de quem vive quando os outros morrem e perde as força quando os outros se rejuvenescem.
O rio e a música são as suas lágrimas. Um, é a lágrima física e o outro a raiz da lágrima. O azul e a música são a sua anatomia e ele não encontra nenhuma palavra para os descrever ou descrever a sensação porque as palavras, ás vezes, são só uma convenção superficial humana. Só entre os homens, é necessário comunicação. Entre o aprendiz, a musica e o rio a ligação é emocional - é interior.

Friday, July 04, 2008

Mestre

Sim, é verdade, estou a tentar mudar o sentido do Universo. E, sim, não tenho a tua arte, Mestre, não tenho a tua força. Desafiar a força à qual o Mestre se resignou é suicídio, mas eu sou a única hipótese dela. E tenho a vantagem de ter o Mestre que faz o mundo girar de acordo com a alma, distraidamente e sem ser propositado.
O meu sangue é novo e é resistente. O tendão é duro. Dobra com facilidade o ângulo certo. Em obediência, é tão grosso como o Osso. Por isso, Mestre, ela precisa de mim, para aprender; para ver, apenas que há pessoas que não são moldáveis ao destino, que modelam, antes, o futuro que não lhes pertence. Precisa de mim, porque o amor, quando é sincero, move estrelas porque as comove – Alias, tudo o que vem da alma, de dentro, das estranhas, comove.
E, eu, preciso de ti, Mestre. Porque preciso da Estrela que não indica apenas o Norte, preciso do Deus que morre e que por isso é Imortal. Preciso de alguém como eu mas melhorado. Preciso da tua compreensão e do teu conselho.
Sim, é verdade, sei que vou falhar. A guerra está perdida e eu perco tempo com batalhas igualmente inúteis. Mas a esperança – a maldição dos Homens– prende-me a ela. E a responsabilidade de ter consciência. E o amor. E sei que ela precisa de mim, do meu sangue, da minha carne, do meu sacrifício.
Mestre. Mestre, quero mudar o sentido de rotação do Homem, estou a desejar o impensável. Dá-me a luz azul do discípulo desertor pela boa causa. E mantém-te comigo , só parte de mim te desobedece e só desobedece a parte das tuas ordens.

Wednesday, July 02, 2008

Orfeu Moderno

Tinha sempre saudades do mar e do rio. Era a qualidade do amor que nasce nas estrelas mas nunca morre com elas: é imutável. E, quando via o mar ou o rio, havia uma sensação de felicidade simplista que lhe aquecia o corpo , a pele e os pedaços de espírito porque abandonava o pensamento e remetia-se, apenas, á emoção e ao sentimento.
O mar é irmão da música. Ambos são mais do que divinos, mais do que Deus. Emitem sensações, procuram a percepção da simplicidade existencialista. E o rio, bem, o rio era dele. Porque apesar de ser grande e famoso, reflectia o Sol quando se punha de um ângulo que fazia com que o vento fosse projectado do coração para o mundo ; porque, apesar de ser parte da História e te ter fantasmas que navegam sobre as suas aguas, o presente também existe e é eternamente azul . Gostava do rio e o rio deixava de ser o grande rio, o grande azul que parece quase o mar para ser só o seu rio. Não era o rio que engoliu parte de uma cidade, era o rio que era tão azul como o céu.
Por isso é que lhe lembrava a música. A melodia, a entrega humana, a sensibilidade e o amor primitivo. Era igual, as sensações, o tipo de sentimento. O momento de alegria infantil em que o tempo estagnava e o espaço não importava. O mometo em que ele era ele, sem espelhos para se reflectir. O momento em que estava protegido pelo divino.

Friday, June 13, 2008

Some kind of Monster

A raiva fria e pura dava-lhe uma adrenalina alucinante, uma vontade viver e de existir metalicamente, belicamente. Os olhos ganhavam um brilho especial pela loucura lúcida, pela guerra que ira ser ganha pela força bruta e violenta do sonho quebrado e violentado.
As mãos tinham mais força, mais ódio, mais orgulho e mais confiança e ameaçavam estrangular – mas nunca matar - quem visse nele a flor de lis e quem o condenasse. A cicatriz no rosto era inalterável e ele garantia que tudo o que o personificava era indefinidamente eterno porque a dor também fazia parte dele, já que o trancaram na torre mais alta da existência com ela.
A liberdade dele é apenas um sonho – e ele sabe-o, sabe que todos o prendem com cordas de ferro e sabe, que, quando quer, parte-as com a força do ódio e da vontade de existir.
A raiva fria e tão pouco emocional levava-o a tornar-se em rituais sangrentos mas não fatais e o silêncio foi para sempre expulso do seu Universo . Ganhou voz quando aprendeu a orgulhar-se em ser um Monstro para os outros, Monstro que os diminui porque é, claramente, mais e melhor.

Thursday, June 12, 2008

Sonho Azul - Ondulado

A brisa quente aquece o
Fogo congelado mas não o derrete.
O pesadelo esta aqui sentado
Mesmo quando os olhos estão dormentes.

A areia desfaz-se nas mãos mas o coração guarda-a.
O castelo permanece em pé por forças transparentes.
O pesadelo transfigura-se e a
Realidade dá lugar ao Sonho.

E o fogo descongela á medida que a brisa
Refresca a pele sangrenta.E os olhos fechados
Cheiram o mar.


WinGs

Wednesday, June 11, 2008

O dia em que descobriu os Metallica

Os olhos ganharam uma cor diferente por causa do brilho. Exploraram o mundo que sempre conheceram mas nunca viram. O coração não se fez sentir porque a beleza foi descoberta pelo raciocínio e não pela pele.
O sorriso foi impossível de ser inibido porque estava debaixo dos nervos. Mas não é um sorriso como os outros, é o sorriso verdadeiro, o meio sorriso dor reconhecimento. O sorriso que advêm da infelicidade, porque só os infelizes procuram algo (e naquele dia foi encontrado)
O dia estava quente e lembrava manhas eternas e áureas passadas na praia. Talvez fosse à praia no dia seguinte. E só era capaz de ir porque via mais claramente a sua sombra. Sentia-se bem porque, pela primeira vez em muitos anos, o mundo fazia-lhe sentido. O desconcerto do mundo, afinal, não o enquadrava e ele fazia questão de nunca se enquadrar no mundo.

Sunday, June 08, 2008

O Fim ( Parte 3)

Explosão

Ferir é inerente á combustão humana.
Tu, rasgaste -me a pele, falhaste o coração,
Não podes esperar aniquilar um exército.

Até a flor é bélica, se a ensinares
Em parte o mundo depende da textura
Da sombra com que o amas.
Mas não esperes dominar-me a mim,
Existo para o azul do mar e vivo pelos
Grãos de areia. Não esperes ter o direito
De me amar ou ser amado por mim.

Feriste-me. Duramente.
Mas tenho habito á dor. Nao
Procures descobrir o que não existe -
Em todo o Universo, não encontras
Uma única lágrima derramada por ti.

Saturday, June 07, 2008

O Fim (Parte 2)

Ruína

Agora que viste as minhas lágrimas,
E que tocaste nas marcas da tortura
Procuras a minha mão.

Não chega. Invadiste-me,
Arruinaste-me. E um dia
Um de nos partirá.
Se for eu,
Nunca regressarei. Se fores tu
Regressarás sempre tarde
( E não regresses por mim!)
O momento de ilusão sentimental
Exige o meu coração. É uma troca
Que não posso fazer.

Arruinaste-me.
A escolha não existe.

Thursday, June 05, 2008

O fim ( parte 1)

Abandono

Quando te fores embora,
As estrelas apagam
E a noite abandona-me.

Não peço,
Para morreres comigo.
Dou-te o melhor que tenho.
A minha ausência
Talvez te salve.

Fecho os olhos.
Amar nunca foi
Fácil. Parte e
Deixa-me só.

Wednesday, June 04, 2008

Sad but True

O calor aquece a pele, mas as mãos estão igualmente frias. O frio que vem de dentro so o tempo calcário o ameniza.
Lamento, tenho ainda força porque a cada rasgão aberto um ligeiro sentimentalismo nascido da compaixão bloqueia-se. Tenho ainda resistência porque sou assim, sou também a guerra, a luta pela persistência da minha própria existência.
Tão depressa não me vencem totalmente. Sobretudo, porque nasci quase para perder , tenho ainda mais motivos para não deixar que me liquidem.
Lamento, é verdade que tenho frio mas roubaram-me o Sol já ha muitas noites vazias . Tenho um certo hábito ao frio e á dor. E o tempo amenizá-lo-á. Não é a primeira luta perdida que entro e que conquisto probabilidades de ganhar. A matemática não tem tendências porque é exacta e a minha tendência é a precisão.

Tuesday, June 03, 2008

Adeus

O fim é sempre estranho. Nem sempre é doloroso e nem sempre é clasutrofóbico, mas é sempre uma brisa quente e livre de uma noite de Verão de lua cheia. É um mistério, um paradoxo.
O fim é sempre um começo. De algo. Mesmo a morte é um começo , enterram-se lágrimas inúteis e resgatam-se para a vida novos hábitos impossíveis de serem renegados. A morte é um começo para os vivos que ficam e vêem um barco – mais um – afundar-se no mar , tendo consciência que nunca mais voltará a tocar a terra que guardou o seu sangue. O fim é sempre o começo de algo, nem que seja do nada. Ainda não é Verão e a noite é escura como uma gruta grande, fria e estranhamente bela. É a mistura do caminho que ficou para trás e o caminho que ainda pode ser escolhido. É a escolha entre a memória e o coração futurista. O fim é indomável, mesmo quando parcialmente previsto, deixa um olhar de espanto e estranheza no céu azul aberto enclausurado por nuvens cinzentas de chuva.
É verdade, este é o fim. Do ciclo, da era, desta responsabilidade. É o fim, o mais esperado, o mais desejado. Este é o fim, que salvou mentes desesperadas da desistência, que deu alento e conforto aos que nunca descansam. Este é o fim, e no entanto, há quase a vontade de começar de novo só por uma questão de medo. O desconhecido é sempre tenebroso e só sabe enfrentar dignamente o medo e a hesitação os que sabem que nada são.
O fim é sempre algo misterioso, sim, mas não começava nada de novo. Há que enfrentar o medo e percebe-lo. Alem disso, nem sequer me dói este fim. Sonhei com ele demasiadas vezes, salvou-me da escuridão várias luas sangrentas. Tudo o resto é uma preguiça emocional de dizer que acabou. A despedida implica gasto de energia ( inútil, sim, talvez inútil, porque está implícita no ângulo do sorriso que se afasta para a penumbra). Sentimentalismo são sempre inúteis. As minhas palavras não tem magia, por isso cito o poeta que faz do poema uma flauta mágica: “O passado é inútil como um trapo. E já te disse: as palavras estão gastas. Adeus.”

Monday, June 02, 2008

Guerras

Se explorares moralmente o ódio e a raiva bélica, pelo menos, levantas-te da cama e enfrentas o mundo sem vergonha de seres tu. Se controlares o ódio e não deixares que o sentimento de vingança crua te domine, a tua existência torna-se bélica e os Outros farão tudo para te tentarem derrubar desonestamente (e serão sempre vencidos pela transmissão da verdade pacifica e calma).
O amor é o melhor de todos os sentimentos, é o que torna o Homem Deus e o que faz de Deus um simples pedaço do coração, o pedaço que traz milagres ao mundo e que amansa o mar. Mas é o sentimento simples e naive, o sentimento da fragilidade porque é a carência humana proveniente do esforço da evolução. Encontras a razão do teu sorriso no amor, no teu bom carácter e na tua mão amiga tão quente no amparo. Porém , é a resistência e a vontade intrínseca de vencer que te mantêm acordado, que te da alento. O amor é o suporte, mas em parte, a raiva fria e ensanguentada, orienta-o. Se não te magoarem, não magoas ninguém, se não te vencerem, não vences ninguém. Se não te tivessem tentado enforcar, não amarias intensamente a Lua e não eras tão forte psicologicamente. A tua mente é crente em ti. É o mestre que te criou e que te educou, disciplinou-te para o mundo. É o pedaço de ti que uniu a injustiça que sentes ao ódio que tens em ti .
Exploras humanamente o ódio. Apontas a faca bem afiada e ameaças abrir sem hesitação a carótida de um dos Outros , mas nunca em momento algum cortas. De tudo que te enaltece e que te torna grande, nada humilha e revolta mais os Outros do que o teu bom carácter . Nada te domina e nada te controla, nem os teus próprios sentimentos. Nada os aborrece tanto como o teu gozo contínuo com o complexo de inferioridade deles. E, confesso, nada me diverte tanto como o teu riso silencioso que vejo nos teus olhos enquanto brincas com a faca.
WinGs

Thursday, May 29, 2008

Saudades de Pessoa e de Portugal

Mar Pottuguês

Ó mar salgado, quanto do teu sal
São lágrimas de Portugal!
Por te cruzarmos , quantas mães choraram,
Quantos filhos em vão rezaram,
Quantas filhas ficaram por casar,
Para que fosses nosso, ó mar !

Valeu a pena ? Tudo vale a pena
Se a alma não é pequena.
Quem quer passar alem do Bojador,
Tem de passar além da dor.
Deus ao mar o perigo e o abismo deu
Mas nele é que espelhou o céu.

Fernando Pessoa in Mensagem

Saturday, May 24, 2008

Dor

A janela esta exactamente no sitio onde a deixei. Fechada, talvez um dia tenha coragem para abrir e encarar o mundo. Não consigo, sabes, é me quase impossível abri-la e voar. Nunca fui Ícaro, nunca desejei tornar-me nele.
Foco-me nas asas, sou engenheiro de alma. Apenas quero refortalece-las, modifica-las ate o Ícaro vencer o Sol . O meu sonho é a vitoria do voo dele, porque em momento algum ele conquista o sonho sem mim. E nunca eu me liberto do meu herói, do Messias.
Não, por favor, não me pormenorizes a morte dele, não relates o seu corpo desfeito em pedaços. Dói-me como se tivesse sido o meu, dói-me porque foi o meu..E não me obrigues a ocupar o lugar do Ícaro , o meu sonho é de material diferente, é de tempo diferente.
A janela esta aqui, ao meu lado, como sempre, como a morte. Não a abras, tem pena de mim, deixa-me cumprir o luto e fingir que as lágrimas escorrem. Somando as quedas, retiram-se lágrimas à alma. Tem compaixão e deixa-me enterrar o Ícaro, outro Ícaro, outro...
Os sonhos morrem. Consecutivamente. A janela está trancada e começa a ficar invisível. Um dia vou passar por ela e simplesmente não a ver. Um dia fecho os sentidos ao mundo e espero que alguém os desperte..
Um dia o Ícaro vai deixar de morrer, ou porque deixa de existir ou porque vence o Sol.

WinGs (L.C.)

Tuesday, May 20, 2008

Orfeu Renascido

Julgo que costumava ser uma espécie de Orfeu. Não um Orfeu completo, não um dos verdadeiros. E também não era uma imitação barata, seja como for, era um reflexo de Orfeu, o primeiro.
Perdi-o em mim, algures no meio do meu medo de infertilidade emocional ou mental. Perdi-o e talvez no mundo, como se perde uma sombra, como se perde uma alma. Talvez nunca mais o encontre. Talvez nunca mais tenha habilidade para o visualizar.
Porém, quando a escuridão incide com um certo ângulo no espelho que não é plano, vejo um reflexo nítido de uma silhueta desfocada. Encontro-o em mim porque ele existe sempre que os meus nervos humanos o chamarem.
Julgo que costumava ser uma espécie de Orfeu, talvez seja, hoje um novo Orfeu já velho e renovado. Tão renascido das cinzas que nunca conheceu Eurídice e já não chora por ela, já não enfrenta o inferno e o deus terrível por ela. O amor já não lhe faz falta. Mas ainda é Orfeu porque, quando o vejo no espelho, ele ainda tem a sua lira e nos seus sonhos profundos vê Euridice.
Perdi o Orfeu que tinha em mim mas talvez seja só falta de esperança.

Wings C.


Monday, May 19, 2008

Amor

Passou distraidamente a mão pelo caderno, folheou-o. Estava tão distraído, tão longe dali, daquele momento, daquelas pessoas. Da secretaria e do Universo. Esta no lado do Arco Íris sem pote de Ouro mas, mesmo assim, estava longe e num sitio confortável.
Penteou o cabelo escuro e olhou-se ao espelho. Cerrou o maxilar e o rosto era duro, de traços fundos, quase como linhas. Mas os olhos, os olhos... Ele notou que tinham um brilho especial, que estava distante, no lugar do arco-íris de uma só cor.
Amava. Intensamente. Qualquer coisa menos uma pessoa. Tudo excepto algo que remetesse para um sentimento socialmente real. Amava intensamente a vida e a musica, o mar e a sua violência. Amava o mundo e amava a sua solidão. E a sua cicatriz social.

Passou distraidamente a mão pelo caderno, folheou-o. Estava perdida, enclausurada nos seus pensamentos pelos outros, os que a temem e a odeiam. Mas que todos os prisioneiros fossem como ela, trancados numa espécie de paraíso falso ( felicidade não e ignorância e um ignorante não tem alcance mental para perceber que infelicidade e a felicidade são a mesma coisa. Alternam simplesmente de fases e se não coexistirem não existem)
Fechou o livro e olhou-se ao espelho. O rosto era cansado, marcado pela persistência de ser ela própria todos os dias. E viu a cicatriz nascer, a flor de lis. Observa - se e observava o crescimento da cicatriz todos os dias, talvez para contabilizar os dias e ver o crescimento da sua condenação. Ao menos, não era inocente. Ela era um crime no mundo e se não morreu ate agora foi porque teve a agilidade de uma pantera ,negra como a noite, e a força de um castelo de ferro. Se ainda guarda e defende no peito o ideal é porque acredita. E ama a vida e a sua própria existência.

Pararam os dois em frente do passeio. Ele reparou que ela ouvia a musica dele, a musica que era dele, que ele guardava numa gaveta especial no coração. Trancada à chave.
Ela viu que ele tinha o mesmo ar dela, que tinha o mesmo passo leve e o mesmo olhar em contraste com o mundo – os olhos eram divinos, procuravam a perfeição azul, o rosto, cicatrizado.
Falaram-se, como se conhecessem. Nenhum deles tinha, em momento algum mais brilhante, falado tanto e tão descontraidamente sobre si. E nenhum deles se esqueceu da perturbação que causaram um ao outro.
Os dois partilharam a solidão. Foram , calmamente, um com o outro beber café, não foram juntos. As solidões deram, um dia mais tarde, a mão.

WinGs C.

Friday, May 09, 2008

Recurso a Eugenio de Andrade

Música, levai-me:

Onde estão as barcas?
Onde são as ilhas?

Eugénio de Andrade

Thursday, May 08, 2008

Troca

Não posso. Ele repete, sabes que não posso. Mesmo que quisesse, que o desejasse muito, com toda a força de uma árvore enorme, não posso. Ele fala, mas o receptor finge-se surdo, a resposta não é a mais conveniente. O outro lamenta e com pouca voz repete, estende o braço à procura de um abraço. Não posso, desculpa, não posso. Mas o mundo é um lugar cruel e cada um vive como pode, a resposta era a outra, o abraço acontece num mundo paralelo. O receptor não tem tempo para desculpas.
Não posso trocar de coração contigo, não vale de nada, é igual. Ouve-me, é igual, o meu e o teu, é igual. Mas o outro vira as costas. Permanece quieto, mas o desprezo é tão evidente como a lua cheia num céu preto, vê - se claramente. Sim, é verdade, sou mais forte que tu, travei mais batalhas que tu, mas o coração é igual ao teu. De cada vez que assassinei a palavra honesta ele sofreu; de cada vez que enganei para que não me vissem a flor-de-lis no ombro, ele apertou – se - me no peito; de cada vez que vi o mar ele tornou-me o corpo mais leve. Não é por ser meu, é porque é frágil, mais que o teu, quando morrer morre de vez, o teu resiste mais. Mas para o outro eram desculpas, um herói nunca deixa de ser herói e os heróis são pessoas deveras irritantes, com tanta lealdade e honestidade. O mundo não é assim e nunca será, o que no fim ficou melhor classificado foi o mais esperto, o mais capaz de ferir conscientemente sem remorsos. Ele, o receptor, precisa do coração de um herói para aguentar a dureza da vida.
Eu troquei de coração um dia, e perdi parte dele assim. O outro insiste em continuar, ou porque é um crente no Homem ou porque deseja realmente ajudar um amigo (não pediu ao monstro para vir para a luz ainda). Perdi-o assim e a minha alma foi corroída, foi devorada. Foi uma dor existencial geologicamente grande, traí-me a mim próprio. Não posso fazer outra vez, se troco de coração contigo, quem chora por mim as minhas lágrimas? Quem me faz sentir humano? Quem me distingue do animal? Não posso, mesmo que quisesse não posso. Sou teu amigo, mas não tenho poder para fazer tal coisa...
Mas ao outro, o amigo receptor, não interessa já. A dor dele provem do coração e o outro é um herói, tem um coração duro. Está a ser egoísta: não vês que estou em sofrimento? Que também tenho feridas inúmeras? Recusas a ajuda. Sobreviverei sozinho, sem o teu coração de herói. Não és meu amigo. Estende –lhe a mão para a despedida derradeira e final. Não hesita, o coração é duro como a pedra.
O outro , repara no homem que se despede arrogantemente, em vez de apenas olhar e a tristeza ajeita-se no coração.

WinGs C.

Wednesday, April 23, 2008

Ínicio

É o criador do fogo,
O purificador e o Condenador.
Está-lhe no coração, quente
E perigoso como a
Ilusão lúcida.

É senhor do Mar,
Domina-o,
Porque o conhece.
Está-lhe nas veias,
É guerreiro de Sangue,
Mas a sua alma é azul
Transparente.

A terra pertence-lhe, porque
São um só.
Cumprem o ciclo. Um
Gera outro.
Mas divide-se em metades,
Terá sempre a terra de cor
Humana,
Olhará sempre o Céu
Olímpico.

Nasceu Homem, e não
Pássaro de Fogo.
Esta só no mundo,
Ninguém compreende
O Ícaro Bélico
Que carrega em si.


Saturday, April 19, 2008

Sacrifício

A tua voz esta no mundo
É o grito da borboleta
Ou o silencio que nunca
Se concretiza na Estalactite
É o som da maré
É o renascimento da flor
Possui a harmonia da mentira
Real
É um arco-íris audível
Com uma cor solitária

A tua voz esta em mim
Em todos os Luares Negros
Ouço-a no calcário
E na terra
Ilumina qualquer
Resto de Cemitério
Meu.

A tua voz só não esta em ti.
Morreste. Para a voz
Dominar o Universo.
Aqueceste o mundo, gastaste a tua luz
Para quebrar o céu e o mar,
Abrir a Terra.

Fecha os olhos
Hoje faço-te companhia no sacrifico.
A tua voz esta em mim. Preciso da tua
Luz .
Hoje também
Me sacrifico. Para ouvir a tua voz
Antes de adormecer.

WinGs C.

Tuesday, April 01, 2008

Azul Algo Existencialista

Não deixa de ser inteligente essa opção tua, a de invés de desejar a sorte, almejar controlar o azar. Aliás, bastante astuta observando com a lupa o pormenor quase epicurista. Claro está, não procuras prazer, nem foges do desprazer. Partiste em busca de ti, do teu lugar no mundo. A tua alma é grande porque se sabe única e impossível de ser copiada; porém, sorris ao anonimato mundial. Gostas de ser ninguém, melhor, aprendeste a ver o lado brilhante da lua nesse facto.
Quem te olhar superficialmente explorará a tua arrogância inexistente, o teu desdém para com Deus que nada fez por ti, pela tua dor. Deus ou deus é indiferente agora, foi essa a tua mudança em ti. Por isso, não és herói e por isso não tens uma terrível e tenebrosa morte prematura. A diferença está no troço da escolha, no momento fulcral em que decides quem não queres ser. A tua perspicácia outra vez, escolher entre qualidades é mais fácil, muito mais apaziguador.
Vejo-te do outro lado da rua, vejo-te do outro lado da estrada ou do espelho, o mundo, por vezes, é um lugar pequeno. E é ao ver-te que reconheço os traços do soldado do novo exército, aquele que fará nascer um novo e purificado mundo. Se desejas a paz, participas na guerra; se amas a noite, vives intensamente o dia; se choras ás escondidas em noites de luar sombrio a dor de seres tu, então na noite de lua seguinte ergues-te com um amor à tua existência bélico, que é próprio dos solitários e dos humildes. Sem heroísmos, apenas com humanismo. Tens uma existência pacífica que em nada é passiva; e és tu e tens em ti o conjunto do mundo. És a esperança que te agarra à vida porque sabes que tens um caminho no mundo único e não copiavel; no entanto, não fazes falta se amanha apertares a mão ao Hades ou ao Horus. Não por teres negado Deus – tem-no em ti – mas por teres afirmado que olhas, e observas, e apaixonas-te pelas estrelas todas as noites.
O teu amor é azul discreto, ninguém vê como intenso se torna quando o sol nele incide.
WinGs C.

Friday, March 28, 2008

A Necessidade de Sophia

Retrato de uma princesa desconhecida

Para que ela tivesse um pescoço tão fino
Para que os seus pulsos tivessem um quebrar de caule
Para que os seus olhos fossem tão frontais e limpos
Para que a sua espinha fosse tão direita
E ela usasse a cabeça tão erguida
Com uma tão simples claridade sobre a testa
Foram necessárias sucessivas gerações de escravos
De corpo dobrado e grossas mãos pacientes
Servindo sucessivas gerações de príncipes
Ainda um pouco toscos e grosseiros
Ávidos cruéis e fraudulentos
Foi um imenso desperdiçar de gente
Para que ela fosse aquela perfeição
Solitária exilada sem destino

Sophia de Mello Breyner Andresen

Monday, March 17, 2008

Roma

Tu, que passaste por tantos séculos, por tantas fases da lua, deixaste-te corromper. Logo tu, que quando nasceste querias ser justa; que quando cresceste consideraste o abuso de poder mais um inimigo a precisar de uma estratégia brilhante para ser abatido.
Sim, logo tu. Trazias, talvez sem o saberes, o vento do domínio inflexível ( e parcialmente tolerante) sobre diferentes povos, o aroma de quem perde batalhas mas nunca perde uma guerra; a voz da persistência e da disciplina. Porém, as tuas tácticas tornaram-se impotentes ao ócio e à luxúria que começaram a germinar em ti. Dentro de ti. Começaste a envelhecer, a cair de mansinho, a perder aos poucos o que tanto trabalho quente deu a conquistar...
Logo tu que eras feita de um sonho tão respeitoso, tão bonito.
Misturaste as tuas vitórias com derrame de sangue inocente e as tuas más acções sobrepõem-se, em alturas de castigo, ao mérito que tens por direito. Tens o melhor e o pior associado ao teu nome. Mas foste , efectivamente, grandiosa e magnificente. Inigualável.
Até te derrubares; até perderes tudo o que eras no início. Quando julgaste ter alcançado a tua glória máxima, deixaste o sonho escapar por entre os teus dedos como se fosse água.
Mas as tuas ruínas estão presentes no meu povo. Somos, também a herança que deixaste ao mundo. Somos também o que resta da tua memória.
E admiro-te , não pela luxúria que incutiste com as tuas vitórias, mas pelos motivos porque subiste, o sonho que almejaste.
Gosto sobretudo o sonho que tu eras.
O sonho que eras e o que és hoje...
Ha! a tua beleza era ofuscante. E ainda é.
O meu amor por ti cega-me, só vejo o teu apogeu.

WinGs

Saturday, March 08, 2008

Patriotismo Morto

Há sempre o sol que não se apaga da vista. O som que se ouve com os ouvidos tapados. A voz de dentro da consciência - que nada é senão um outro coração - que nunca dorme. E existe, como que uma criança adormecida, em cada alma, uma pátria, ainda que queimada.
Uma mentira é uma verdade que nunca se concretizou e por isso é pouco. Não é económico o suor da mentira: ouço Fernando Pessoa e há algo em mim que desperta. É um qualquer orgulho, um qualquer conceito de dignidade que existe no mundo e não em mim. A Mensagem desperta, mesmo em negação, o velho e corcunda orgulho português. A melhor maneira de não ceder a uma paixão é perceber o seu inicio e o seu começo. Descodifiquemos então: a exaltação da conquista não pela força física, mas pela astúcia, pela vontade de sonhar e ambicionar o sonho. Ou então a explicação para apatia que vejo espalhada nas paredes e nas pessoas: estão a morrer para renascer. No fundo, abandonamos uma ideia quando ela não se espalha pelo mundo, e de facto, Lisboa já foi deposta do seu reinado marítimo há caveiras de séculos.
Mas herdei, ou nunca consegui apagar, o sorriso colectivo da Batalha de Aljubarrota e daquela técnica do quadrado que é a mais bela estratégia militar . Ou então, o primeiro país a abolir a escravatura. Ou a resistência aos invasores porque D.Sebastião voltaria um dia; ou a revolução feita, tantos anos mais tarde, sem sangue. O mito sebastianista salvou Portugal duas vezes. Falta a terceira...
Porém, o nós é antagónico. Não é este Portugal o lar idealizado. Não foi por este que Miguel de Vasconcelos foi odiado e morto sem compaixão. Falta-lhe a crença em sim mesmo, a visão de si próprio como um Messias ( nós somos a nossa única salvação, sempre).Está derrotado, acabado, finalizou o seu tempo no mundo. Esqueceu-se do ciclo e do triangulo, esqueceu-se da Fénix. E esqueceu que foi abençoado por Ulisses.
E esqueceu-se de mim, e do meu patriotismo baseado nos seus feitos históricos que são magníficos porque não carregam consigo rios imensos de sangue. Esqueceu-se de si próprio, de tanto ter sido violentado. E se Portugal se abandona a si próprio, onde está o profeta Pessoa e o Messias ?
O meu patriotismo está morto. Acredito num Messias que está impedido de nascer.

Thursday, March 06, 2008

O Mundo Visto por um Artista

De manha o mundo tem uma forma rectangular. Como se a mente tivesse sido esvaziada de todas as memórias que ajustam o mundo à sociedade. E à realidade cientifica.
E é nesses momentos, nesses instantes em que a mente é limpa que ele reflecte. É louco. Tem ideias estranhas, artísticas, revolucionárias que são recalcadas pelos calos do dia-a-dia espiritual.
Repara como é insano, como é inconsciente. Imprevisível. Sim, vê-se como uma bomba relógio, como uma explosão atómica pronta a explodir quando estimulada. Dá voltas na cama, no espírito, o mundo está errado, ou então é ele um erro. Pior ainda, uma cobaia, uma experiência pequena. E pensar para quê? Claramente, o facto de ele pressentir que tem uma personalidade cobarde semi-heróica não lhe proporciona conforto. Nem do térmico. Antes pelo contrário, por mais que magoe e que rasgue os ossos, ignorância por vezes, é felicidade. Ou pelo menos, não causa exaltações inúteis.
Levanta-se da cama contra vontade, como se ao adiarmos o presente o futuro não chegue.Mas ele levanta-se de um só pulo. O presente é pior que qualquer futuro tenebroso que tenha pela frente. O futuro, ele é capaz de o alterar, se o ângulo do Sol assim o quiser, o presente já está decidido. Olha-se ao espelho. O rosto é muito branco e os olhos azuis-escuros têm um brilho quase diabólico. É o brilho dos que necessitam de equilíbrio psicológico, pensa. Mas está enganado, é o brilho dos que vivem, o brilho nos olhos é a forma como a alma vê no mundo.Alma é vida e a vida é algo de místico.
É de manhã e o dia está agradável (hoje Apolo está bem disposto). Arranja-se para sair. O vento ao bater na sua face diz-lhe que está vivo. Diz-lhe que ele existe, e que o vento existe, e que ele não está completamente perdido, não endoideceu indefinidamente. O vento é o abraço que a sua primeira mãe lhe dá – A que existe sempre, no passado e no futuro. E ele imagina-se a responder ao abraço sem mexer os braços, a sorrir perante o beijo materno.
Encontra um sítio afável para beber café e senta-se na esplanada. O dia está bonito, o mar está magnificente. Suspira fundo, sorri levemente. A vida existe.Mas só porque ele é doido. Como poderão uns olhos que vêem sempre a mesma paisagem, que nunca brilham, que são apáticos, vazios, verem a existência do mundo?
A Terra é redonda mas tem quatro cantos.
WinGs

Saturday, March 01, 2008

A noite e o Amor

Dizia que ainda não se tinha esquecido dela porque o amor também era o tempo que passava entre o agora e o esquecimento total.
Dizia isto indiferentemente, como se não fosse ele, ou como se fosse um eu dele já muito antigo e distante. Um eu, abandonado numa gruta perdida e esquecida intencionalmente.
Era de noite e as estrelas desenhavam no céu , com um lápis triste de tão imaginado, aquilo que ela tinha sido. Para ele. Ou, talvez, aquilo que nunca chegou a ser. Não, ainda a amava. Mas as estrelas estavam tão tristes que lhe secavam o coração .O céu era maior que ele, e que ela. Era do tamanho do esquecimento. Menor que o amor. Um prevalece, inequivocamente, mais tempo do que o outro. Se ao menos a noite não fosse tão triste...
Não. A noite é só a noite, nada mais do que isso. Estrelas são só estrelas. Não estão tristes, não lembram nada. Não são feitas de um outro material senão o concreto. Mas reflectem o seu próprio passado ao serem vistas; transmitem melancolia...
A noite estrelada era, estranhamente, triste. Ele desconhecia a razão física do porquê. Apenas reconhecia que em algum momento a Natureza tinha-se tornado no seu coração e que a tristeza projectava-se no mundo sensível. De qualquer forma, não teria mais importância. Era a última vez que o céu lhe lembrava o rosto dela.
WinGs

Texto inspirado no Poema de Pablo Neruda “Posso escrever os versos mais tristes esta noite.”

Tuesday, February 19, 2008

A arte dos Chineses

" Quer a faca caía no melão, quer o melão caía na faca, o melão vai sofrer"

Provérbio Chinês

Sunday, February 10, 2008

Mitologias

Num dos dias em que se decapitaram (literariamente) inúmeras cabeças e em que o barulho ensanguentado foi fechado e purificado nas ondas do mar, eu dei-lhe um nome.
Para expulsar a minha insanidade da minha sanidade que está intrínseca ao amor. A imaginação, ás vezes, resume-se a uma mentira que procura causar qualquer emoção humana num corpo dilacerado.
Dei-lhe um nome. Á semelhança da personagem do livro que li, já há demasiado tempo. Sentei-a no meu colo, como uma criança, como um irmão. Não há espírito maternal, fraternidade é igualdade. Por isso é que lhe dei um nome, para ser igual a mim.
A sua voz é, também, a minha. É a minha sensibilidade humana desajeitada que lhe dá voz. Sou eu o som que projecto no mundo, como uma sombra nocturna.
Música é cor. E não se descrevem cores, azul é azul. Daí que os cegos sejam alvo de uma infelicidade irremediável, e os surdos condenados a algo pior que a morte. Dei-lhe um nome, há muito que vejo o mundo com os ouvidos .
Não há sentido.Não há explicação. Acordei , lembrei-me da harpa do druida do livro que li já há muito, muito tempo. E dei-lhe um nome porque somos todos um Prometeu mais ou menos adormecido, a evocar o poder que, na verdade, não possuímos.
Que venha, então, o corvo devorar-me o fígado durante séculos tenebrosos. Eu entreguei-lhe o segredo do fogo: dei-lhe um nome. Atribuí-lhe um significado, uma alma. Tudo o que existe, bem, existe. E tudo o que existe para nós tem um nome- ainda que mudo. Limitei-me a soletrar o dela; e a esperar por Perseu.

Sunday, February 03, 2008

"Don´t Look Back in Anger " (Oasis)

Há dias assim. Em que o espírito é esvaziado, torturado e tudo o que sobra é música. A música. Uma que preencha o vazio que tende a entranhar-se nos ossos quando o coração arrefece - um congelamento interior absurdo.
Então, a mudança torna-se urgente. O quebrar das ondas contra as rochas, o uso da razão não passional. A revolução que se faz a dormir.
Verdade é que a revolução não é quente, daí que um coração frio torne os olhos baços e mortiços. A Primavera não faz sentido. O nascimento da cor é antagónico. Um esforço pateta. Patético. Inútil, porque o Inverno adequa-se a lareiras, ao aquecer das mãos, quando tudo o resto está em coma. E se ainda há calor, então é possível despertar a qualquer instante...
Mas para ela, é já tarde. O tempo de espera chegou ao fim, mas não terminou. Esperará sempre. Talvez entregue as cinzas da sua existência cremada a alguém, a algo. É tarde, mas todos nós continuamos (o quê). A alma dissipa-se, é uma dor cujo único sintoma é a apatia existencial, a doença grave dos que não fingem viver. E por isso, não culpa, nem odeia, nem guarda rancor do passado ( ouvia-a dizer num tom de voz calmo mas não tranquilo ou sereno).
Daria tudo ( ela ou eu, é indiferente) para visitar o lugar sagrado onde o eclipse é permanente; onde não se distingue o dia da noite, a sombra da luz. (E então, o coração descongelar-se-ia, o dela ou o meu, é indiferente)
Ela repete que não há razão para guardar rancor do que já passou. Não é tarde de mais.
WinGs

Saturday, January 19, 2008

Reflexo

Olho o mundo: vejo um oceano à espera de ser descoberto. Olho a multidão: vejo um buraco vazio; já nem o nada contém. O valor que tinham trocaram-no por diamantes falsos que cairão no esquecimento por serem tão impossíveis de serem esquecidos. E nem o Oceano os salva.
Passo pela multidão e vejo-os a caminharem nas suas vidas rotineiras do espelho que escolhi para ser o meu Mundo Paralelo. Dar-se-ão conta eles que, se permanecerem nesse mundo, quando morrerem serão menos – muito menos!- que a milésima parte de um grão de areia?
E eis que relaciono ideias : para eles sou só uma sombra que lhes responde do outro lado do espelho. Para quê a preocupação?