Monday, October 30, 2006

Noites de Lua

Podia dizer, que hoje, o dia foi perfeito. Não o foi.
Podia dizer que sou imensamente feliz. Não, não sou feliz – é certo , também, que não sou infeliz.
De facto, quando crescemos um pouco apercebemo-nos de que não existem dias bons e dias maus. São dias, e isso é tudo. Podem, é, de facto, serem melhores ou piores.
Por melhor que seja um dia, a noite dá-nos uma sensação qualquer. Ás vezes é medo do desconhecido que nem sequer sabemos o que é. Outras, é do fracasso do dia de amanhã. Mas a pior das vontades é a vontade de penetrar no desconhecido e viajar para outro espaço; mudar a cronologia do tempo.
Ás vezes, o vento sopra baixinho ao nosso ouvido as maravilhas de outros mundos; as riquezas inúmeras de outros povos, com caracteristicas exóticas. E nós aqui, estáticos, parados no espaço a movimentarmo-nos sem parar no tempo. E ficamos frustrados, queremos ver outras paisagens; queremos ser outra coisa. O que, exactamente, não sabemos. A única coisa de que temos a certeza é que a nossa essência já viu os fiordes da Noruega tantas vezes, que se um dia o vir realmente, reconhece-lo-á.Custa, muitas vezes, abrir a janela á noite. Há qualquer coisa de mistério numa noite com lua. Desperta sensações. A pior delas é a sensação constante e adormecida de querermos mudar o que somos; de querermos ampliar o nosso angulo de visão. Mas sobretudo, aquela vontade imutável de insistirmos em começar tudo de novo, como se tudo fosse um simples jogo de Monopoly.

Saturday, October 28, 2006

Legenda


Legenda
para aquela estrela
azul
e fria
que me apontaste
de madrugada:
amar é entristecer
sem corrompermos
nada.
Carlos de Oliveira

Thursday, October 26, 2006

Gato que brincas na rua

Gato que brincas na rua
Como se fosse na cama
Invejo a sorte que é tua
Porque nem sorte se chama

Bom servo das leis fatais
Que regem pedras e gentes
Que tens instintos gerais
E sentes, só o que sentes

És feliz porque és assim
Todo o nada que és é teu
Eu vejo-me e estou sem mim
Conheço-me e não sou eu

Fernando Pessoa


Sunday, October 22, 2006

Tentativa de Homenagear Fernando Pessoa

Hoje apetece-me escrever e não consigo. Sinto que se perdeu qualquer coisa em mim. Sensação estranha, esta. Querer, tentar e não conseguir. Irritante? Provavelmente... Mas a pior parte é a do vazio.
Mas não é algo negativo de todo ( quase nada –o é ). Á força de não conseguir escrever o que eu realmente quero, escrevo sobre a minha não capacidade de escrever.
Como é maravilhoso o Ser Humano, com o seu eterno dualismo antropológico! A parte consciente , racional, opõem-se á parte emotiva, animal, instintiva. E são estas oposições que suportam o termo Ser Humano. Nós somos oposições que se complementam. Que se equilibram.
Como não consigo escrever, escrevo sobre a minha incapacidade de escrever. Se eu perdesse a capacidade escrever, talvez escrevesse sobre o momento em que deixei de conseguir escrever. Tornar-me-ia num paradoxo.
“Eu sou o que perdi” e é bem verdade... o que perdemos une-se para sensibilizar o que nós somos.
Fernando Pessoa é sempre brilhante!

Friday, October 20, 2006

Pequeno conselho...

"Há três coisas na vida que nunca voltam atrás: a flecha lançada, a palavra pronunciada e a oportunidade perdida"
Provérbio Chinês

Thursday, October 19, 2006

Ícaro caiu

Ícaro caiu. Sem mais nem menos, de repente. Caíu como se fosse uma rocha pesada e oca.
Caiu como tudo cai na vida. Morreu com uma morte estúpida, como todas as pessoas morrem.
Ícaro caíu. Cairá outra vez? Talvez indefinidamente? Quem sabe? Quem decide? Tombou no meio do oceano. Está lá perdido, desamparado. Sozinho. O mar tomou um rosto cadavérico. E Ícaro está lá, perdendo a ambição que o matou. Imóvel , espera que alguém o reanime; alguém que o faça renascer das cinzas como a Fénix faz para todo o sempre.

Hoje, Ícaro caiu. As asas eram de cera, demasiado fracas para resistirem ao Sol. Amanhã, talvez sejam mais resistentes.
Jaz, no meio do nada, o pobre Ícaro.
Até quando?


Para o meu Avô...

Saturday, October 14, 2006

Homenagem ao Inverno

Quando olho pela janela e vejo as folhas caídas das janelas sinto falta do Natal. E do Inverno. E do frio que nos gela os ossos.
Não, não vou dizer que odeio o Verão.Ou que não gosto. Não, simplesmente prefiro o tempo frio. O Verão é muito vivo, muito belo. O Inverno é triste; é diferente; é rejeitado ; é detestado .O Verão é o Arlequim com as suas roupas coloridas ;o Inverno é o Pierrot com o seu eterno rosto triste pintado com uma lágrima.
Não vou dizer que não espero , a tempo inteiro, aqueles dias de calor em que fico na praia horas infinitas. Mas o Inverno é como aquela música que ouvimos na infância e que nunca esquecemos; como aquela pessoa que nos decepcionou mas que, inevitavelmente, continuamos a gostar, porque quando se gosta, gosta-se e tudo o que se pode mudar é, somente, a intensidade com que se demonstra que se gosta.
É assim o Inverno.A personficação da solidão. E raras são as pessoas que gostam de estar sozinhas. Não as condeno – nem sequer poderia fazê-lo se quisesse. Mas o Inverno é belo.
Não vou tentar persuadir ninguém a gostar do Inverno. Não. É um fardo pesado, esse de se gostar do que muito poucas pessoas gostam, ou de defender o que é rejeitado. Não. Vou apenas dizer que o Natal é bom é com café bem quente a rolar-nos pela garganta; com a abertura das prendas enrolados em mantas; com o ir á rua e sentir aquele frio gelado a dizer-nos : ‘É Natal’. É tão bom quando é Inverno...
Se ao menos as pessoas se instruíssem, perceberiam que vários tipos de solidão. E um deles, pelo menos, não é negativo. Ás vezes só nos temos a nós para nos ajudar-mos. E ao Inverno, se o vir-mos como um companheiro solitário desesperado para partilhar a solidão.

Monday, October 09, 2006

Rotina

Passamos pelas coisas sem as ver,
gastos, como animais envelhecidos:
se alguém chama por nós não respondemos,
se alguém nos pede amor não estremecemos,
como frutos de sombra sem sabor,
vamos caindo ao chão, apodrecidos


Eugénio de Andrade, As mãos e os frutos

Friday, October 06, 2006

A Metáfora

Entrou na sala. Puxou a cadeira e sentou-se. Serenamente, abriu o velho caderno e puxou o cabelo loiro comprido para trás.
O professor falou de lógica e de raciocínio. Ele bocejou. Aquilo era muito interessante, sim, mas se se beber café. O homem falava de mais. Pior, falava para si próprio, não para os alunos.
Depois, o homem usou um acetato. Não sabia trabalhar com o retoprojector e a imagem ia ficando cada vez mais desfocada. E, então ele, o loiro de olhos azuis sonolentos acordou. De repente, despertou para a realidade através da metáfora: quanto mais perto se puser o retroprojector da imagem reflectida, mais desfocada esta fica. Para se ver com nitidez é necessário o afastamento .
Como a vida, quando a vemos muito de perto, quando é monótona fica desfocada, desinteressante. É necessário , por vezes, afastarmo-nos para repararmos nas pequenas coisas – as tais que nos fazem felizes- para lhes darmos a devida importância. Para as focarmos .Para elas nos focarem a nós.
O rapaz loiro escreveu o texto, distraído, sobre a pequena felicidade , sobre o prazer de simplesmente viver. De simplesmente fazer um pensamento com lógica.De sentir o vento a bater na cara avivando boas recordações. Ou de simplesmente bocejar quando se tem sono. Pequenos prazeres, como dizia o filósofo grego Epicuro.
E o homem, o tal que dizia coisas importantes de forma desfocada, continuou a falar, enquanto alguém, sentado no fim da sala a escrevinhar num caderno velho distraidamente, sorria. Tinha encontrado a solução para a equação que tanto procurara.
A Filosofia era, de facto , muito interessante. Até para um matemático como ele o era, o loiro de olhos azuis profundos e inteligentes.

Thursday, October 05, 2006

All at Sea

I'm all at sea
Where no-one can bother me
Forgot my roots
If only for a day
Just me and my thoughts sailing far away
Like a warm drink it seeps into my soul
Please just leave me right here on my own
Later on you could spend some time with me
If you want to
All at sea
I'm all at sea
Where no-one can bother me
I sleep by myselfI drink on my own
Don't speak to nobody
I gave away my phone
Like a warm drink it seeps into my soul
Please just leave me right here on my own
Later on you could spend some time with me
If you want toAll at sea
Now I need you more than ever,
I need you more than ever, now
You don't need it every day
But sometimes don't you just crave
To disappear within your mind
You never know what you might find
So come and spend some time with me
We will spend it all at sea

Jamie Cullum


Ás vezes, a ouvir uma única música, evitamos a Queda Do ícaro.

Wednesday, October 04, 2006

Música

Música é aquilo que toda a gente ouve e que toda gente gosta. Aquela coisa que agora está na moda. Infelizmente.Modas...
Se soubessem até onde pode chegar o poder da música... Até onde nos pode levar...ao outro lado de um Universo fantástico sem nos mexermos. Enfim, não sabem.Talvez um dia acordem e passem a senti-la ; passem a sentir as cordas do coração vibrar a cada movimento de um instrumento.Ou talvez nunca acordem e nunca sintam o verdadeiro poder da música.O verdadeiro mistério. A verdadeira essencia. Se ao menos essas mesmas pessoas soubessem a capacidade que uma musica tem de nos fazer sorrir e chorar.... Sorrir de alegria ao ouvir o encaixe perfeito entre os instrumentos; chorar porque é demasiado para nós o que sentimos, demasiadas pancadas ali no coração, órgão já por si tão fraco. Chorar porque é uma invasão ao vazio que muitas vezes somos. Dói. É bom preencher o vazio em que ás vezes nos tornamos.
Música é vida. Música é tudo. Está lá sempre que precisamos. Acalma-nos sempre. É aquele amigo que nunca nos abandona. Sendo bem ouvida, somos nós próprios que falamos connosco. É a nossa consciência. Parte da nossa essência.
Contudo, diria que música é a melhor parte de nós. A parte humana e bela. Obscura, ás vezes, sim mas bela.Demasiado bela para não sermos tocados por ela. Música é a companheira da nossa solidão consentida. Música é uma solidão doce e carinhosa.
Música é algo indefinido e ignorância não é, de todo, felicidade.

Sunday, October 01, 2006

Outra vez Sophia...

A anémona dos dias

Aquele que profanou o mar
E que traiu o arco azul do tempo
Falou da sua vitória

Disse que tinha ultrapassado a lei
Falou da sua liberdade
Falou de si próprio como de um Messias

Porém eu vi no chão suja e calcada
A transparente anêmona dos dias.

Sophia de Mello Breyner