Tuesday, September 30, 2008

The Unforgiven II

A linha transparente que separa o mar do céu é fácil de distinguir mas quase impossível de descrever. E , enquanto não estiver de costas para o mar o vento gélido arrefece a pele mas não a invade. Enquanto a tua voz ainda for o eco da minha o frio não alcança os ossos, não alcança o coração. Se partilharmos o momento sensitivo e solitário, o vento feito de minúsculas pedras de gelo é, até, agradável.
Mas a tua sombra é o reflexo da tristeza que lateja. Estás só, o mundo tem um só som, o da música. Simplesmente, ás vezes dói a multidão vazia que te sufoca. A tua harmonia interna desintegra-se e a sombra quebra-se e desaparece. Estás só e perdido neles.
És um caos organizado que invoca a ordenação do meu porque caos é apenas uma perspectiva. E, de certo modo, reconstruímos e programamos simbioticamente as sombras que cresceram no mundo deles, de costas voltadas para nós.
Agora que o sol se pós no arco do mar, a tua voz é eco da minha e a teu corte está cicatrizado pela minha mão.

Monday, September 29, 2008

Simetria de Narciso

O amor é isto, a sensação de uma felicidade passiva e intensiva. Julgas que é arrebatador, violento, esgotante, viciante? Não, este de que falo, não é. O amor que tens por ti próprio acumula-se nas linhas ténues do hábito, e o tempo esgota tudo, até a violência da paixão. Um Narciso é sempre jovem.
O teste existencial é o reconhecimento da tua silhueta escura espalhada pelas calçadas em conjunto com tantas outras perdidas. Nem todos guardamos a nossa sombra , há questões que não valem a dor que trazem .E , se não consegues guardar a sombra, é melhor abandona-la.
O amor é isto. Saber que se existe. Até ao segundo que já passou sem haver compromisso com todos os segundos que te faltam percorrer. Amor é a consciência latente de que haverá um segundo que será o último, sem qualquer grito mudo.

Monday, September 15, 2008

Assassínio

A manha clara nasce da pedra negra,
O coração é basalto e o destino demasiado
Branco.
O gelo ilumina o mundo, congela.
O Sol foi enterrado num tumulo
Que lhe consome as chamas.

O mundo chora pelo Caos e
Pela Lua .
A Estrela perdeu a luz
E noite foi consumida
Pelas trevas.

Porque o coração é basalto
E o Sol foi assassinado.

Thursday, September 11, 2008

Utopias

Não tornes o futuro quadrangular
E não penses no passado assim,
Como uma linha recta
Com um fim relativo e mórbido.
Foca o presente de perto
Para o encarares com o nervo azul
Do agora.

Vive feliz apenas com a semente de flor
Contenta-te com a hipótese de ela
Ser o Fogo Sagrado da Noite.
Reserva o grito mudo para as noites frívolas
Em que a Estrela te sacrifica
Ao Deus sangrento que
Renegaste.

Não te adivinhes. Não te prevejas.
Aprende a saber esperar e a não aceitar
Tudo o que seja impossível.
Só assim concretizarás a utopia
.

Wednesday, September 10, 2008

Homenagem

Melancolia extrema a tua de mexer o braço mecanicamente sem o sentires. Dormes acordado sem cederes ao sono, sem encarares a realidade obscura que te afoga as lágrimas uma a uma, devagarinho e dolorosamente.
Vives assim, triste e só, apertas o vazio à espera que alguém te dê a mão. Cresces com o reflexo quebrado que vês no espelho oblíquo; cresces alienado dos outros, focado no teu eu difuso e coerente no universo, inimigo do agora civilizacional.
Nunca te confundes na multidão porque a cicatriz distingue-te, preferes que te odeiem para te temerem e não te incomodarem. No fundo, anseias apenas ficar a sós com a tua dor com o passar dos dias de sol e de sombra. Sabes quem és porque não és igual aos outros; és o azul aberto do céu, a tenebrosa violência do mar, o perfume afável de uma flor frágil e discreta, o arco-íris de uma só cor, a árvore banhada pela luz e pela sombra simetricamente.
Vives no meio do fogo sagrado e negro, vives iluminado pela Constelação. Mas estas só. A sós. E a melancolia de uma existência nómada e utópica caracterizam-te.

Sunday, September 07, 2008

Sangue Queimado

O fogo queima-te o corpo e chegas a sentir o calor da chama rasgar a pele devagarinho. Mas não aqueces, o fogo regenera-te o corpo mas não queima a lágrima cavada no teu ser. Onde não há liberdade, não há identidade e tu estas à beira do fim, de um qualquer que seja dramático.
Existem noites em que Orfeu renasce em ti; e , então, vês o mundo antigo construído por debaixo das estrelas partilhar a sabedoria perdida contigo. És iluminado por Orion, ou por Osíris, conforme a direcção do vento que escolheres, e a pirâmide cede ao teu amor e deixa-te observar de perto a riqueza e a beleza exótica.
Mas ninguém te acredita. O Inferno começa. Tens a estrela pegada ao teu coração, abarca todo o teu amor, toda a tua existência que o mundo circundante encara como inútil.
Quando a chama deixar de aquecer o corpo e o frio se instalar no teu ser, as vozes deles ficarão enclausuradas na tua cabeça. O Inferno terminará e a estrela ficará manchada de sangue rubro de tão inocente e sofrido.
O teu.