Friday, October 10, 2014

Magia

Alguém uma vez me disse : o problema dos contos de fada é que não são reais. Apanhei-me quase por imediato a pensar qual era o conto que era realista, não há nenhum. Não há nenhum livro, nenhum poema, nenhum quadro realistas. Não são o dia-a-dia. Isso não teria interesse. Algo há neles profundamente não realista - e é daí que advem todo o realismo plausível e encantador.

E então o amor falha, a vida falha, e até a esperança se torna num moribundo preso à vida por um fio de dor. Os amigos falham, os amantes falham, a Primavera falha, a sabedoria falha, o futuro falha, o dia melhor falha. Tudo falha. E tem de se começar de novo mas com os olhos já com essa visão, do gigante falhanço de todo o mundo.

Alguém uma vez me disse: gosto de contos com final feliz sobretudo quando são incrivelmente simples.


E toda a harmonia do Universo pareceu, calmamente, bater palmas. Como se a vida tivesse encontrado o seu lugar no mundo e ambos estivessem em paz em cada pedaço de coração. Subitamente, o mundo pareceu ter exactamente o tempo suficiente para cada homem celebrar a vida.

Viagens

Antigamente encontrava a felicidade na imprevisibilidade do destino. A cada instante o meu ser congratulava-se com a surpresa do inesperado. Todos os caminhos eram novos e eu nunca descansava.
Agora dou comigo a olhar o caminho e a pensar como quero ir para esse sitio para onde já me digiro. E é sempre uma novidade a sensação de regresso a casa.

Friday, October 03, 2014

Lendo Poemas de Sophia à beira-mar


Há uma vida cheia de sal,
Há uma vida aqui ao pé do mar
Que é tão azul aberto
Quanto o azul é azul.

Há, aqui, uma vida que
Quando chega ternamente o vento
Ouço nitidamente a tua voz.
Como vejo agora que o teu ser se encontra
Em paz plena
Todo o mar salgado e azul
Veio para te guardar e velar.

Há uma vida aqui,
Cheia de sal e cheia de azul,
Cheia de serena esperança
Há uma vida aqui
Cheia de paixões suaves
E de uma beleza pura cristalina.

Há uma vida aqui
E estando inteiramente só
Sinto-me lisonjeado
Por me fazeres companhia.

Ao pé do teu mar

Que eternizou o teu ser.

Sunday, August 10, 2014

Arrogância

É incrivel a arrogância humana, é incrível a minha própria arrogância. Não é uma arrogância plena e muito menos é uma arrogância consciente ou intencional. Não, é simples, é lógica, é simplista.
Vejo, hoje, que continuo a ser igualmente arrogante porque arrogante é o nome que dão à minha forma de ver o mundo. Não acredito que não precises da solidão quando queres pensar, a única forma de estar sempre junto de movimento contínuo é necessitar de ruído constante. E se precisas de ruído constante bem, então, empurras a tua própria voz para debaixo do pulmão ou não tens voz alguma para empurrar. És oco.  Mas eu tenho e ouço-a, é a minha vivência e a minha sobrevivência, como posso escolher não ouvir? Tenho de ter momentos em que o único ruído são as ondas do mar a rebentarem na areia. E dizes: mas estás só. Como te explicar que não estou? Nunca vais entender, porque não há ruido de fundo e não entendes que ruído não é música. Não entendes que por mais que me digas o que fazer eu tenho as minha própria vontade.
Mas como disse, é incrível a minha arrogância. É absolutamente incrível porque não é arrogância, só quero ter uma vida para viver como toda a gente. Só não a quero da mesma forma que toda a gente. Tenho os meus gestos, as minhas ideias, as minhas paixões, as minhas paranoias, as minhas qualidades, os meus sonhos e não as possibilidades dos outros, as manias dos outros, os amores dos outros, as idiotices dos outros, as oportunidades dos outros e as utopias dos outros. E não os consigo vestir.
Também não consegui vestir os teus embora tenha ficado com algumas das tuas utopias. Espero viver e acarinha-las o suficiente para conseguir antever como se abre a entrada para esse longo caminho.

Como já disse, é incrível a tua arrogância. 

Tuesday, August 05, 2014

Carta de despedida

A minha vida não te interessa e, consequentemente, eu não te interesso. Não faças essa cara que sei que fazes, não podia ter menos interesse, em ti, também. É só a despedida, convém dizer o adeus quando é tempo. Sei bem que dizes ter pena de mim e sei bem que tenho pena nenhuma de ti. Como não tenho pena de mim mas sei que me falta um pedaço de coração. Porque devia lamentar por ti.
Sei que disse que te amava e que teria essa vida e que cruzaria o mundo por ti e contigo. Sei que se te não escrevi poemas é porque não sei escrever poemas. Sei que prometi que estaria sempre lá, sempre aqui, sempre contigo, onde quer que fosses. Sei que prometi o meu ombro e o meu abraço quando precisasses e quando não precisasses. Sei que te prometi o meu tempo. Sei que te prometi o meu amor mas não to dei inteiramente.
E tu sabes que me cansei das minhas promessas. Como dizer? Perdi o amor. Houve um momento em que, quanto mais te dava, menos te queria dar. Como se me sugasses a vida, a minha vida. Não existia para ti. Não te queria contemplar, não tinhas assim tanta beleza. O teu sorriso começou a cansar-me, o teu ser começou a ser enfadonho. Tu tornaste-te aborrecida. Mas eras exactamente a mesma pessoa, dizes. Talvez tivesse sido esse o problema. Não sei e não tenho interesse.
Sei que te prometi e sei que por vezes  cumpri. Sei que durante algum tempo cumpri e que tu eras feliz. Eu também fui. A minha vida agora não te interessa, não é uma vida em que possa parar para ficar a contemplar o teu ser. O teu enfadonho ser. Tenho tanto mais que fazer. Não há lugar para mim aí, não sou um contemplador. E, obviamente, rejeito o lugar que tinhas para mim sem hesitar em hesitar.
Tem pena de mim à vontade. Ate, porque lá bem no fundo consigo reconhecer, que algures essa pena de mim teve um outro nome. Sei que me quiseste de volta. Mas a minha vida não tem interesse por ti. Nada tens a dar. E nada há que te queira dar.

Quase te odeio por me teres feito perder tempo. 

Thursday, July 31, 2014

Infância

Antigamente os ossos eram pequenos
E acreditávamos que ainda nos podiam nascer asas.
Agora,
De mãos dadas com o tempo sabemos
Que as asas não crescem assim
Como uma planta não chega ao céu.

Antigamente,
Os dias na praia eram eternos,
E o mar era infinito
Como era o futuro e as horas e as pequenas brincadeiras.
Quanto mais tempo passava,
Mais tempo parecíamos ter.

E, hoje,
sabemos
Que há fantasias que não se cumprem
E que há sonhos que ficaram presos aos grãos de areia.
E que as horas talvez sejam mutáveis.
(Quanto menos tempo temos,
Menos parece que conseguimos inventar
E mais tempo nos sobra para o tempo que não encontramos.)

Mas temos as nossas memórias
E temos as nossas mãos
Que juntas envelhecem com o tempo.
E temos as nossas asas e os nossos sonhos
Que ficaram guardados
Nessa planta que cresceu até o céu.

Mas temo-nos a nós:
E isso incrivelmente basta
Para sabermos que temos uma vida

E que uma vida se cumpre em nós.

Tuesday, July 29, 2014

D. Quixote ao Espelho



Contra gigantes reais,
Feitos de moinhos ilusórios,
A honra iluminava-te o peito num mundo onde a honra é tão
Esquisita
e desadequada
e estrangeira
Como um gigante dos tempos antigos.

Contra gigantes ilusórios
Que assentam em moinhos comuns.
Tão patética que é a honra!
Tão pobre e tão gasta
 e tão triste…
Troçam as pessoas  dizem que esta é a pior loucura
Só um tolo quer salvaguardar aquilo que já foi extinto.
E têm pena sem compaixão alguma.

A pior loucura,
A pior loucura,
Caminhar num mundo onde todos os moinhos são
Apenas ruínas de outros moinhos
Assentes em outras quaisquer ruínas.
Simplesmente.

(É um mundo que não sabe imaginar
E que se alimenta de um real ilusório,
Iludido sobre si próprio,
Combate activamente o seu gigante
Sem se dar conta que é um moinho.
E ri e troça de si próprio sem o saber.
A pior loucura.
Afinal é essa.

E sentes repugnância sem compaixão alguma.)

Saturday, July 26, 2014

All the right...

Como dizer-te que, simplesmente, não há mais nada que deseje? Mais nada para ver ou para ouvir. Simplesmente, como dizer, simplesmente não quero mais.
Como dizer-te que todas as Primaveras trazem flores mas que, se olhares com atenção, cada Primavera traz as suas próprias flores. Cada uma delas cumpre o seu destino, o seu ciclo e depois morre. Dá lugar a outra. E é tudo: mais são justificações que te fazem sentir melhor. Tem de haver um porquê para não pesar tanto a dureza simples da verdade. Para a culpa estar no outro. Para, para, para… mas nenhum porque interessa.
Mas, simplesmente, como dizer-te? É tão simples que faltam as palavras. É tão simples que não basta o silêncio. Podes pensar o que desejares, mentir-te para ampares a ilusão, construir um denso castelo de fósforos envelhecidos. Tanto me dá. Simplesmente, não te quero mais.

Simplesmente é outra vida no mesmo mundo, outros olhos no mesmo rosto. Já não te quero mais. Sem ressentimento e sem argumentos circulares: apenas, já não te quero mais. Para contrariar isto teria de arranjar outra pele, esta não muda de textura.

Inspirado em All the Right Friends de REM

Wednesday, July 16, 2014

Música


O dia é soalheiro. Incrivelmente iluminado. Mas há um nevoeiro escondido algures, a alegria das pessoas num dia de Verão aberto soa como uma nota límpida desafinada. Há um nevoeiro escondido aí algures, não o ouves? Talvez já tenhas nascido nessa surdez em surdina que ouve e ouve e ouve mas todos os sons te soam iguais enquanto os distingues perfeitamente. O brilhantismo da ausência de beleza nos olhos.
O dia é soalheiro. Incrivelmente iluminado. Mas estou aqui, sozinho, e penso. Mas não sei em quê, tudo é difuso de forma perfeitamente ordenado. O princípio, o meio. Claro, o fim. Trágico, dramático. Não, não para mim. Expectável, preparado em cada instante a seguir ao clímax. Há que respeitar a música, sempre respeitei a melodia de minha alma, talvez não tenhas tu respeitado a sincronia entre essa música, a única música, e o tempo. O seu tempo, o teu tempo, o nosso tempo (mas talvez não o meu tempo). Que importa? Penso. Não importa. Mas recordo, recordo, o teu último olhar. Tomara eu ter tido palavras para te dizer. O teu olhar pedia-me esse som, esse maravilhoso som, o da voz humana. A comunicação. Gostava de ter dito que a justiça é uma coisa humana, não existe assim, livremente no mundo. E nem sempre tem esse som, da recompensa. Houve justiça para mim – fazer o que me incumbido, cumprir o dever, seguir o meu propósito. O dia é soalheiro mas há uma sombra de nevoeiro que é preciso uma pele específica para captar, não é? Sei isso porque fui eu que pus a mochila às costas para rodar o mundo na palma da mão. Talvez tenha uma mancha de neblina nos olhos.
O dia é soalheiro. Estupidamente iluminado. Aqui, sozinho, revejo o teu rosto. E contorce-se a alma despreocupada num coração intacto em toda a sua imobilidade. Há Sol por todo o lado – mas eu gosto da melodia do piano num dia de chuva. Que importa? Já chegou ao fim.
Que importa? Não penso. Há música em todo o lado, em cada poro, em cada festa, em cada instante de silêncio, em cada sorriso e em cada bocejo. Só não havia música em ti. O dia é soalheiro, incrivelmente soalheiro.

E, eis que, finalmente, a música termina. E a tua memória ressoa na última nota que atrasa o derradeiro final.

(Inspirado no conto Música de Vladimir Nabokov)

Tuesday, July 15, 2014

Havia um poema

Havia um poema
Escondido nos confins do mundo.
Havia um poema em cada rua,
Em cada esquina,
Em cada sombra,
Havia um poema,
Com o som do mistério
E a cor do destino.

Havia um poema
Que tinha essa melodia,
Do teu sorriso.
Havia um poema,
Enterrado numa praia alheia,
Havia um poema.
Mas não o ouviste
E ele desfez-se nas ondas do mar.

Havia um poema à tua espera,
Em cada esquina,
Em cada sombra,
Em cada rua,
Mas esqueceste a melodia do sonho
E a realidade do banal dia-a-dia
Roubou-te o poema
Da poesia do teu ser.

Mas havia um poema,
Talvez ainda persista,
Talvez ainda se ouça,
Entre as brilhantes ondas do mar.
Havia um poema,
Talvez o único silêncio
Seja o teu,
Nesse teu dia-a-dia

Sem poesia.

Wednesday, June 04, 2014

Fairy tales are...

"Fairy tales are more than true. Not because they tell us dragons exist but because they tell us that dragons can be beaten."
Neil Gainman, in Coraline.


Wednesday, March 26, 2014

Daemon

Sempre senti uma tentação de entregar minha alma nas mãos no Diabo por isso, talvez, escreva. Recorda-me de que a mantenho comigo.
E penso e penso e penso e escrevo, não sobre o que pensei, mas sobre essa tentação, de viver os suplícios do prazer de não ter uma alma para cuidar. Conheço-me há tanto tempo quanto conheço o mundo e, no entanto, momentos há em que ele me fascina. É o esgar de um sorriso que ficou para sorrir, não ceder à tentação, a essa tentação.  Mas o mundo perdia o seu fascínio porque eu perdia a minha alma (e para quê?)

E penso e penso e penso… mas sem pensar que a escrita é uma metáfora musical.

Monday, March 24, 2014

Ne me quitte pas

Procuro uma despedida sem fim para que não me despeça nunca. Mas um dia haverá, um dia haverá, que não poderei despedir-me. Nunca mais.
Procuro despedir-me todos os dias para ter a certeza que me despedi, que te disse quão pesada será a tua ausência para mim. Procuro orientar o meu afecto enquanto ainda tem um correlato no mundo.Procuro despedir-me a cada momento porque o coração é frágil, sempre frágil, sempre fraco.  Nunca cresce para uma compreensão exacta profunda.
Procuro despedir-me para me perdoares das minhas culpas. So soube ser eu ( só sei ser eu). Sentir-te-ei a falta, culpo-me de todos os instantes em que tinha algo de mais importante para fazer. De todas as minhas zangas, de todas as tuas.  Sentir-te-ei tanto a falta que, qualquer instante de dissonância, é um instante de morte. Por isso despeço-me, para que me perdoes e fiques. Mais um pouco e mais pouco...
Mas já me despedi e tudo o que tinha para dizer já disse. Já confessei o meu mais fundo afecto numa só palavra. Que é a única que pode ser dita, a única com verdadeiro sentido. A única que sintetiza o tudo e o harmoniza.

Tudo o resto, é porque não quero despedir-me, despedindo-me todos os dias. Culpo-me sem nenhum acréscimo de culpa, só quero que continues mais um pouco, mais um pouco, mais um pouco...

Monday, February 24, 2014

Maria

Fiz aquele caminho, um que já tantas vezes fiz. Mas não com aquele propósito, dantes procurava uma qualquer novidade crua , uma qualquer encruzilhada que levaria a uma descoberta e, agora, procurava meramente uma livraria. De tantas vezes que fiz aquele caminho, fi-lo sem o fazer, uma mudança de perspectiva é, em certa medida, uma mudança de olhos (mas não da sua cor).
Mas por ser aquele mesmo caminho, ou por estar a ouvir aquela música, ou pelo céu deixar antever o Sol de Primavera  que há de, enfim, chegar, dei por mim a recordar-te. Sou homem feito, meu amor,  não vivo tranquilamente com coincidências, o caos é a desordem  e eu atribuo ( e atribuo-me) sentido a cada ínfimo instante; pensar em ti, fora do meu propósito, há de ter um.
E, talvez por isso, passei a sentir não esta Primavera que está por vir mas essa que já passou e, a música, esta música, tornou-se em aquela tua música, mesmo que nunca a tenhas ouvido. Abriu-se , com o Sol de agora vindo de uma Primavera passada esse (aquele) único lugar em que te amo e onde ouvimos esta música (mesmo que nunca a tenhamos conhecido antes).  Abriu-se, no presente, uma fenda onde vi distintamente o passado, esse único lugar onde te posso amar ,de onde esse amor brota de meu peito.  Abriu-se neste mesmo espaço um outro e eu nem senti um mínimo vento de saudade tua , a Primavera ainda está por chegar vinda de um passado que mal recordo.
Mas qual é o sentido de um amor onde o Amor já se ausenta há tanto tempo? O tu a que me refiro é, em certa medida, abstracto. Nem é o teu tu do meu passado nem o do presente , que aqui não estás. Aliás este (aquele) caminho é só mais uma rua que escolho entre tantas e, por mais que opte por esta rua, não mais te vi. Não está já na esfera do meu sistema de desejo ou de satisfação, o Sol que quer vencer o escuro do céu, já não te ilumina, já não é o teu tempo.

É o tempo da música desta que eu ouço e que tu nunca ouviste. É o tempo desta música , tem o teu nome à força de me recordar todas as Primaveras. Apesar de não ser este o teu nome e as nossas Primaveras terem sido – vejo agora – incompletas.  Mas é o tempo desta música que tem em si todos os nomes porque fala de todas as Primaveras.

David Brubeckt Quartet, Maria, Versão Instrumental de Maria da Banda Sonora de West Side Story.