Sunday, August 30, 2009

Mundos Paralelos

O mundo novo não te guarda um lugar como me guarda a mim. Não te poderia transportar para la, não estiveste la comigo.Tens um espaço aqui, és feliz aqui, melhor, consegues ser inteiramente tu, aqui.
Mas não deixei de ter saudades tuas.Talvez por saber que voltava e o lugar mais confortável é o teu espaço. O único sitio que poderia ser um pouco meu. Neste lugar agreste, ao qual sou intuitiva e inconscientemente indiferente. Porque não me deixam ser eu, vês, a culpa não é minha. E não te estou a pedir para esperares por mim, para te prenderes. A opção mais errada, a ilusão mais cruel. Jamais ficaria por causa de ti.
Mas também es um novo mundo. Tão importante e valioso como o outro. O meu estado é que é irremediável, o coração esta demasiado disponível e demasiado violentado. Preciso que me salvem, que me restaurem a tristeza das lutas ridículas. Não tenho culpa de ter nascido aqui, no sitio errado. Não te posso pedir isso. Mas fizeste-o, enquanto pudeste. Dai as minhas saudades tuas. És a brilhante rosa azul num jardim cheio de flores banais, fracas, cruéis e feias. Se estivesse menos débil. Talvez o teu azul inconfundível pudesse curar-me. Mas é já demasiado tarde.

Wednesday, August 26, 2009

Simplicidade

Pediste-lhe sobriamente desculpa e ele atrapalhou-se. Desculpa é a palavra diplomática e irónica que o mantem vivo, que ele sabe quando e onde soletrar. Sobretudo, como. E o mundo inteiro render-se-ia às formas como pede desculpa, terno e duro, suave e insensível. Mas desculpa é uma palavra que ele diz, nunca ouve. Para ele se desculpar a si próprio, mais ninguém o desculpa, mais ninguém o acredita. Quando vive confortavelmente consigo, vive em guerra com os outros. E é assim que deve ser o mundo.
Mas tu pediste-lhe desculpa , tristemente, honestamente, do fundo do teu enorme e pisado coração. E ele atrapalhou-se, perdeu-se. Porque gosta de ti, do fundo do seu pequeno e flexível coração. Sentiu muita a tua falta, ele.
Por isso não te desculpa. Nunca.
Ele compreende-te. Inteiramente. Desculpar é uma questão hierárquica, ligeiramente arrogante. Ele compreende-te, sem quaisquer sentimentos gélidos. Aceita-te com os teus defeitos e com os dele. Por isso é que se atrapalhou com o teu simples pedido de desculpa.

Saturday, August 22, 2009

Encanto

O rancor tem origem na tua tristeza . Que evitas a todo custo assumir que sentes, porque ser triste é ser pobre, é ser insatisfeito, é ser cinzento, é não saber sorrir. E acabas por te deixar corroer em invejas. Pelo solitário. Porque ele é triste mas tem a felicidade de ser ele próprio, tem o mundo que é só dele, mesmo que esse mundo seja apenas uma flor. Tu nem a ti te tens. Possuis apenas o vazio profundo do teu ser, o rancor que sentes e a tristeza que estrangulas no teu coração. E a inveja pelo solitário, que sabe rir e ser mestre nos sorrisos .
Afogas-te em superficialidades pequenas para seguires Epicuro, rejeitas todos os caminhos que não te pareçam áureos. Para depois assassinares a filosofia epicurista, tentares humilhar o solitário e o seu eterno encanto , elevares-te ao nível de deus, do divino por despeito.
E morres, de desilusão, de vergonha, de rancor. Seria melhor que morresses de tristeza, como todos nos morremos, às vezes. Invejas o encanto do solitário, da forma como ele admite a sua fragilidade humana e se eleva, de uma forma inteiramente ingénua e inocente, ao nível da suprema felicidade, epicurista e existencialista. Podias ter tudo isto, se não fosses vazio, de coração e de mente, se apenas gostasses de ti como és e te aceitasses como és.
O solitário aceita e gosta . É essa a grande razão ela qual é solitário. Não precisa de nada mais. E é esse o seu misterioso encanto.

Fatalismo

Não existe o lugar, o canto que me pertence. Por isso é que o coração está disponível, não há o conforto da pátria. Isto tem a minha marca, a minha assinatura antiga, a minha vivência. Mas não projecta o meu futuro porque não me guarda um espaço. Só meu. E devia, porque é a minha casa, a herança do meu sangue.
É fácil ser livre, assim. É fácil ser livre assim, mas uma liberdade crua e fria. Porque é o direito da procura do sitio onde me esconderam o coração. Depois de rompida a rotina de um dia-a-dia que acaba por nos definir nos pormenores em que abandonamos a nossa personalidade, depois da violação da privacidade porque não existe o lugar da cidade no qual se chora - o lugar onde as estrelas são apenas constelações desenhadas pelos gregos - não existe mais nada. A não ser a intensa disponibilidade de um coração que nasceu no sitio errado.

Friday, August 07, 2009

Ausência

Deixei-te naquela praia. Desculpa-me se te deixei só, nunca foi desejo meu. Mas era a minha praia, marcada com o meu sangue fresco. Por vezes é difícil consciencializarmo-nos do coração.
Deixei-te naquela praia. A única que era minha, a única cujo mapa era a palma da minha mão. Para poder procurar o raciocínio claro, a verdadeira essência da mente. Parti para procurar a filosofia que existe na Orion.
Mas não te abandonei. Nunca. Deixei-te lá para melhorar. O mundo em si. Eu e Tu. Mas por pouco tempo, voltava depressa, tencionava ser breve.
Demorei tempo. Demasiado. Perdi-me na exuberância do amor à arte, na profundidade do acaso inexistente em qualquer parte do Universo. E quando voltei, já não estavas, sentado calmamente onde te deixei. Talvez te tenhas sentido abandonado e descartado.
Hoje reconheço que tinhas uma suave razão. Ou ter-te-ia levado comigo. Ou voltado mais depressa porque eras importante, mais importante. Mas por isso é que te deixei naquela praia. A única que era minha.

Thursday, August 06, 2009

Culpa

És o escolhido porque o meu erro foi duro e cru. Perdi-me ao som do vento da liberdade implícita no acto violento da rebeldia. Por isso podes esfolar-me, rasgar o osso e estalar o musculo, é o castigo inconsciente que me proponho instintivamente a ter.
Podias desculpar-me, ver que sem me arrepender, não repito a exuberância de uma futilidade profunda consentida. Porque se me arrependesse acabaria por repeti-lo e sem ti, não valeria a pena fugir à solidão negra que rasgou o coração.
Por isso, se não consegues verdadeiramente compreender-me para encontrares em mim uma pessoa sem uma fracção de passado ( “o passado é inútil como um trapo”) castiga-me. Abandona-me. Elucida-me de quão grande foi o meu desprezo, a minha mente ausente. O coração inacessível ou inexistente. Diz-me exactamente qual foi o numero pelo qual me vendi, e a verdadeira razão humana, cheia e sentimental pela qual me vendi.
E depois morres. Porque o meu erro cobre o teu. Apenas. Não existem dividas.

Tuesday, August 04, 2009

Lamentação

Existes para isso. Demonstrar o vazio de tudo. A tristeza de tudo. O fim de tudo.
Trouxeste contigo o vento da mudança que nasceu encoberta. Que todos viam e todos temiam. Tem-na contigo, ainda?
É triste. Existes para demonstrares a morte. Para te ver morrer, de mansinho. E lamentar mas não sucumbir inteiramente à tristeza. Como morria antigamente, como morri tantas vezes.
Existes para isso. Endurecer os ossos, triturá-los sem os esmagar, garantir que continuam a existir.
Foste o responsável pela manutenção da vida. E agora serás entregue ao Inferno que alcança todos os homens. Lamento, claro. Gostava tanto que fosse diferente. Mas também foste responsável , não existe a perfeita escolha contínua.
Existes para isso. Provares que é tudo inútil que tudo é igual. Não há esperança a não ser que a invente.
Não sou um crente, lamento.

Sunday, August 02, 2009

Reflexão

A vida é uma desilusão. Mesmo os optimistas que morrem felizes são tristes. Somos todos tristes. Imaginas que mudarás o mundo, que farás toda a diferença, que um doce beijo teu numa flor frágil a impedirá de morrer.
Mas o mundo à tua volta desfalece e perde cor. Como tu farás um dia. E não fizeste nada do que querias verdadeiramente. Inicialmente. Talvez tenhas feito as escolhas erradas ou talvez as correctas não fossem possíveis nesta realidade.
A vida é uma desilusão. Descobres prisões no conceito de liberdade, promessas vazias no acto de ajudar honestamente. Não é culpa do mundo, está na tua mente. É uma reflexão dura porque é tão certo e compreensível como a morte.
Foste melhor que qualquer outro teu semelhante porque sonhaste mais alto, amaste com mais intensidade. Viveste com menos lucidez, controlaste Deus e desceste até ao fundo do poço para poderes ser livre e bom. Nada foi em vão, aprendeste com todos os teus erros, meio caprichos meio dignos de artista de coração.
Mas és menos do que te projectaste. A vida não é uma desilusão. Tu é que és.