Tuesday, March 24, 2015

A miséria do mundo e a vida

É um dia triste e, no entanto, a Primavera chegou. Há dias em que acordamos e a tragédia passeou-se pela nossa janela. O horror da vida, da aleatoriedade da morte, do destino que existe ou que não existe, mas que se vai cumprindo, ou descumprindo. Que interessa? Há dias assim, em que o Sol brilha e até aquece, mas o vento é terrível, o resquício do Inverno rigoroso e austero.
E, então, distraidamente, porque estava Sol mas o dia era triste, recordei-te. Nessa altura, os dias eram todos primaveris porque a vida era triste, talvez seja sempre esse o problema. Tínhamos uma corda ao pescoço, amávamos a vida. Viver a vida no limite para poder ter alguns momentos de felicidade. Talvez a juventude viva mais intensamente porque teme o envelhecimento, mas como não vê, correctamente, a morte no horizonte, dispensa a esperança. Eramos felizes? Tínhamos a corda ao pescoço, é preciso disciplina para viver intensamente cortando a corda. E por isso hoje o dia é triste apesar de o dia ser soalheiro.
 Hoje é um dia triste, precisamente porque o Sol brilha intensamente. Se chovesse drasticamente, talvez o dia não fosse tão triste, porque até o mundo gastava as suas lágrimas. E punia-nos, a todos, com a sua dor e se calhar encontrávamos aí a libertação da culpa, ou de um sofrimento surdo e alheio. Mas não. O dia soalheiro hoje é uma mera ironia crua. Brilha o Sol, sarcasticamente.

Nessa outra altura, em que eramos tristes e tínhamos uma corda ao pescoço, quando o Sol brilhava era de um brilho intenso. E nós bebíamos à vida, porque não a tínhamos. Um dia triste de Primavera onde a Primavera se ausenta. Cortámos a corda que tínhamos ao pescoço e hoje o dia é triste – conseguimos esperar pelo amanhã, de forma activa e não subversiva? Talvez o Sol esteja triste, à sua própria maneira, e nos console, com o resto pelo qual vale a pena viver.