Tuesday, January 22, 2013

Grunge


Uma certa tranquilidade já se entranhou de tal modo na pele dele que ouve o silêncio profundo da noite em cada ruído clandestino.  Ligou o rádio como quem se prepara para abraçar uma qualquer estranheza da existência e a música invadiu-lhe o ouvido. Havias de gostar dessa música, ou secalhar gostavas , ele é que já não se lembra, perdeu-te no instante preciso em que seguiu um outro trilho. E nada ficou senão a memória de um quotidiano que perdeu até o sentido de não ter sentido.
Lembrou aquela noite como se guardasse uma antiga saudade de querer ser um outro eu, se foi ele que se sentou, contigo, naquelas escadas alheias, é irrelavante porque já o não é há demasiado tempo. Toda a juventude, toda a rebeldia, toda a ilusória liberdade gasta num esgar temporal ; todo o teu ser gasto naquela noite, o apogeu do amor coincidiu com o declínio. Ele sabe, pergunta-se se o sabes também, tentaram os dois viver só daquela noite, repeti-la, orientar a vida nessa frágil direcção. Tinham um atraso que não conseguiram diminuir e a referência, estava ela propria, consumida pela ansiedade de se sincronizar no tempo certo.
Havias de gostar desta música,  consegue ouvi-la com nítida clareza na memória que tem daquela noite; se houve alturas em que te amou com toda a força da existência, foi aí.  O mundo parecia poder tornar-se perfeito porque ele estava profundamente desfasado de tudo que te descontextualizasse.
Havias de gostar desta música, pertence a uma geração que se colapsou no mesmo ponto que surgiu. Ao expelir os demónios, perdeu-se com eles.E ele pertencia à geração seguinte. Deu ao silêncio uma cor musical mas gastou o amor naquela mesma noite e acordou na manhã seguinte do tempo por vir.