Thursday, November 26, 2009

Desilusão

Ele pede para compreenderes que o coração está noutro sítio; não o acompanha nos dias arrastados e melancólicos. Desde que te ausentaste naquele dia de Sol demasiado quente que ele o enterrou na praia. Compreende, por favor, ele implora-te que compreendas o crime que cometeu. A dor era tão ensurcedora e vibrantemente cruel que ele esfaqueou e enterrou o coração na praia onde foi feliz na infãncia.
Perdeu tudo quando enterrou o coraçao moribundo. Perdeu o amor, perdeu a compaixão. Restou-lhe a flexibilidade e uma disciplinada jovialidade sustentadas pela filosofia mental. Esfaqueou o coração vezes sem conta, estripou-se e afogou-se em sangue e desespero. A dor era um barulho demasiado violento e tu nao voltavas. Deixou de saber se alguma vez aqui estiveste verdadeiramente.
Porque o deixaste só? Deixaste-o só. Não viste quem era ele, nao compreendeste o que era ele e trespassaste o coração. Ele pede que compreendas que morreste com o seu adorado coração chacinado. Não interessa se voltaste ou se dizes que permaneceste sempre ao lado dele: foste-te embora quando ele se sentiu demasiado só, quando a dor começou a anulá-lo.
Ele gostava que compreendesses que não deseja causar-te nenhuma dor inútil. Não por amor a ti ( o nada define-te) mas por respeito ao coração moribundo que jaz abandonado na praia onde a infancia dele cresceu.
O coração dele. Esfaqueado pela desilusão de seres igual a toda a gente e ele amar-te mesmo assim.

Wednesday, November 11, 2009

Tributo

Não o faças, não desistas. Porque se conheceste o amor , o verdadeiro, então em algum ponto foste real e exististe numa qualquer realidade.
Perdeste muito. Perdeste tanto que ficaste com nada , quando te vês ao espelho quase não és tu. Violentaram-te , roubaram-te , foram sempre injustos. Nunca reconheceram o teu verdadeiro valor. E nada eles valem, são apenas mais. Sustentam a máxima de que a quantidade nunca supera a qualidade.
Não lhes dês ouvidos. Porque conheceste a doçura de teres um lar para onde voltar, um sítio que é teu. Até pode estar desfeito mas pertence-te.
Não o faças. Não desistas. É uma arte aprender a viver com a dor. E o mundo precisa de ti.
Eu preciso de ti.Porque melhoraste a minha minuscula e insignificante realidade com a tua existencia simples e íntegra. Bem sei que nunca te reconheram o merecido valor , que te roubaram e violentaram mas eu defendi-te e apoiei-te. Se desistires demonstras a minha inutilidade . E eu herdo o nada que te pertence, o valor nao reconhecido que tens.

Wednesday, November 04, 2009

Orfeu

Talvez exista uma remota hípotese de o Orfeu não morrer com a Eurídice. E conseguir salvá-la. Basta que ela , algures num passado conjunto, o magoe. O suficiente para que ele nao sofra o mesmo mas a ame da mesma maneira. Porque o amor é imune a esses caminhso cruzados de um destino que nasceu feliz.
E então Orfeu seria mais lúcido e conseguia salvá-la da segunda vez. Porque vê claramente que, racionalmente, nao pode hesitar, nao pode olhar para trás. Não pode duvidar da mão que segura dois fios de vida já quase cortados. E então Orfeu consegue não ser tão fragil e fraco, tão tipicamente humano.
Mas uma Eurídice nunca magoa um Orfeu. E um Orfeu nunca é lúcido.
É por isso que é triste o mito. A hípotese de salvação é ilusória. Nunca os vai conseguir salvar enquanto eles forem eles. Porque eles nunca erram verdadeiramente, são vítimas de uma fatalidade demasiado negra e demasiado cruel.
E é por isso que o mito é tão triste. Orfeu erra, sim, mas é tão compreensível, tão humano que deixa de ser um erro. Passa a ser uma consequencia. E ele é inocente. Culpá-lo de algo é um crime.
E é por isso que é demasiado triste o mito.