Sunday, March 17, 2013

Não temos tempo para ouvir música


Não temos tempo, não temos tempo para nos sentarmos, quietos e calmos, a ouvir tranquilamente a melodia dar luz às trevas. Não temos tempo de ouvir a violência de uma trompa que rompe e se sobrepõe a tudo o resto. Não temos tempo para ouvir e ouvimos durante todo o dia, conversas vazias, o ruídos urbano. Ouvimos, ouvimos sem ouvir e propagamos a ideia de que ouvimos como se bastasse apenas uma orelha programada com certas características biológicas para ouvir. Não ouvimos, não temos tempo.
Nem nunca vamos ter, a efemeridade da vida humana inicia-se na efemeridade com que o homem se trata a si mesmo. A hierarquização das prioridades baseia-se na efemeridade, quase numa superficialidade, por isso não ouvimos, mas gostamos de música e ela está em toda a parte. Não ouvimos mas não sabemos viver sem musica, que mundo trágico seria esse , um mudo surdo!
Há sempre tempo para ouvir se nossa alma for isso, uma animação de movimento de tempo, de contraste, de jogos temporais. Musica é tempo – e, subitamente, não temos tempo para ela em todo o tempo que lhe dedicamos.
Há sempre tempo para ouvir quando é uma questão de amor, ouvimos contra vontade, ouvimos em resistência de salvaguarda de um eu que deixa de importar. Ouvimos porque não conseguimos não ouvir. E, então, ficamos quietos e calmos, a ouvir tranquilamente a melodia criar um espaço-tempo so dela onde o impera o tempo musical, finito na infinitude.

Wednesday, March 13, 2013

Apelo à Arte



Isto é bastante simples e peca, talvez, pela sua simplicidade. De facto, algumas coisas devem ser encaradas com uma crescente complexidade, à medida que outras perguntas se instalam teimosamente como a chuva miúda num dia de Sol. Perdoar-me-às, espero, a linearidade da minha tentativa de construção de um raciocínio, elaboro-o apenas enquanto homem que vive neste mundo, que é orientado por este mundo. Nada mais. Preocupa-me o desfasamento do simples, honestamente, preocupa-me: se desconstróis e esventras e complexificas o simples, onde encontras a origem? Se não houver uma pequena célula que evolui, onde está o Homem? É verdade – dizes-me, oiço-te na razão que te reveste o argumento – é este o meu trabalho, formei-me em pensamento, o meu treino é a problematização do mundo e, assim, eu melhor do que ninguém deveria saber a necessidade de compreender toda a densa rede que sustem os homens na sua sociedade, em perceber que não há nada que seja simples. Não há – certamente – nada que o homem não consiga complicar, não é o mesmo que dizer que não existe o simples. É óbvio que, se existe o complicado e o complexo e o denso, existem em confronto com os seus opostos . O simples existe, nem que seja numa insistência humana de o sonhar. Há que ter em atenção porque o faz.
Não, não. Não desconstruas mais essa doce simplicidade. Não questiones demasiado a beleza, deixa-a existir. Precisamos dela, somos homens, somos ser sofridos com a garantia que o sofrimento dura tanto tempo quanto a nossa efémera e pequena vida, a morte é tão maior que nós. Deixa-nos a beleza, o rasgar da luz nas paredes e no coração, deixa-nos ter essa fracção de felicidade de existência. A vida é algo que merece ser vivida pela beleza, esforças-te pela beleza, para a continuares a contemplar, para sentires qualquer coisa de alguma forma. Mesmo o horror – esse começo duro da consciência de existência- e o choque e o horrível que causam essa desagradável sensação de te desfazerem as entranhas, que te angustiam numa mudez esquisita em que te é permitido falar, não tens é palavras adequadas à experiência  são necessários (é assim que reconheces a beleza quando te deparas com ela).
Por isso, perdoa-me a linearidade e a persistência nessa mesma linearidade. Não é enquanto homem treinado para te falar sobre os problemas da sociedade, os confrontos de classes, a luta do poder pelo poder e a luta da memória e dos esquecidos e todos esses elementos que me preocupam o espírito (mas parece-me ser relativamente fácil ganhar a vida com eles, hipócrita ironia que se tende, por vezes, a instalar. Parece-me, parece-me). É enquanto homem absolutamente comum que te falo : precisamos de harmonia, da crença numa possibilidade de um Estado perfeito , se não procurarmos uma força invisível que imponha a ordem melódica no mundo, que das profundezas negras da Terra, seja capaz de tornar soalheiro um dia cinzento, porque continuamos aqui? Se não for por um momento de beleza em que a tua existência é tão bela quanto essa sensação de preenchimento que sentes quando vês o teu quadro preferido ou ouves aquela música que a tua alma esfomeada por um cheiro qualquer exigiu, para que é que existes?
Preocupa-me que destruas isto tudo sem teres grandes reservas nas consequências. Porque – ouve-me- tudo envelhece. Até a arte, se não a renovares, no sublime e no horrivel, envelhece e gasta-se.
E sem Arte, o que é Homem?