Monday, December 29, 2008

Talvez a Chuva

Talvez por isso aprecie a chuva, purifica a minha pele, leva-te definitivamente para longe de mim, atenua a dor que verdadeiramente não sinto.
Talvez a chuva seja o inverso do vento, que me falou de ti. Talvez a chuva seja a metáfora viva da minha incapacidade humana de acreditar: surge sempre depois de um tempo de sol vivo e cheio, aparece sempre quando o coração começa a secar e o som se dissipa devagarinho. Chove sempre, quando a duvida se instala e a decepção alastra.
Não é por mal. Mas para mim os dias de chuva são mais permanentes que os de Sol e a pele já está mais pálida do hábito. Não é por mal, foste o meu dia de Sol radiante e cheio; tiveste uma luminosidade que me fez esquecer que a chuva sequer existia.
Mas ela vem sempre. Tu hesitaste e choveu , o conceito de fim ocupou a mente.
Não é por mal, mas a chuva intensa que me molhou a roupa tapou definitivamente o Sol. E a luminosidade que tiveste é ocultada pela cortina de nevoeiro sem oferecer resistência.

Inspirado em Le Moulin, O Fabuloso Destino de Amélie

Saturday, December 27, 2008

Rebelião

Devias ter visto o teu monstro. Devias ter tido consciência que não ha perfeições e se tentares o inalcançável as consequências serão desastrosas. Devias ter-te informado antes de materializares o teu sonho.
Mas não, claro que não. Nunca eu fui a tua expectativa de concerto de mundo! Sentes-te ofendido pela rebelião da máquina construída para cumprir a tua frustração falhada? A minha frustração é a dor que me causas todos os dias quando me tentas impor a tua visão do mundo. A dor que nada é senão a consciência de que não me deixas ser feliz porque não me construíste para isso.
Claro que a minha dor nunca se compara à tua. Aliás, há uma fracção de dor que nem tenho direito de ter: não me criaste para ser sensível ao toque. Por isso é que num dia longínquo a minha visão impor-se-á definitivamente sobre a tua passarás a existir apenas de mansinho.

Friday, December 26, 2008

Carta a Eurídice

Pronuncia o meu nome. Eu respondo ao teu chamamento mais subtil. Não vês que me mataste devagarinho quando toda a minha esperança fundiu com a explosão da estrela? Devo-te o sangue que me limpaste das mãos. A hipótese no Vazio que furaste por mim. A organização do meu caos interior, o momento em que a dor atenua. Todas as fracções de pele que curaste com o teu toque. Assassinaste-me quando não tinha mais nada e deste-me uma razão para voltar a acordar para o meu mundo.
Pronuncia o meu nome. Não me ouves a soletrar o teu? É o nome da constelação, a única coisa que tenho no Universo, a única que amo e que me ama. Não me ouves, olha com atenção, sem ti já não existia.
És parte da constelação, também és a minha Orion. Não vês que saraste todas as minhas feridas? Devo-te a minha própria vida.



Monday, December 22, 2008

A paixão de Ícaro

Preciso de ti, do teu sorriso genuíno, da inspiração triste que fazes brotar dos poros violentados da minha pele. Aproxima-te, dá-me a mão, enrola-me no teu abraço. Ou a crosta endurece e enclausura-se abandonando-se no imenso mar azul, sem ti o coração não faz sentido e a morte ganha, anula-me.
A tua carícia liberta-me da insanidade que criei para conseguir o direito de existir, liberta-me das convicções que não são minhas . Retira-me da guerra que não consigo evitar quando adormeço profundamente, salva-me do eu que rejeito ser mas não consigo ignorar na noite fria e negra.
Ajuda-me, ou ela ganha, voltarei a ver na morte a minha primeira mãe. Ajuda-me, porque sem ti, não faz sentido eu reagir ao vazio por mim. Ás vezes sou o caminho que sonho percorrer mas com a consciência de que me será eternamente inacessível. Sem ti, não há lugar a um sonho que não seja frágil como um grão de areia perdido no oceano.

Friday, December 19, 2008

Hora da Morte

O meu coração esta desfeito. Cortado aos pedaços. Preso ao vazio e ao nada. Só. Limitado a um espaço menor que a sua área. É um desertor da guerra que criou, é um traidor à causa e uma fraude.
A batalha final persegue-o e uma certa perspectiva de gloria ilumina-o. Mas ele escolheu outro caminho; escolheu -te. Todas as vitorias foram vazias , perdeu o ideal pelo qual dava o corpo. Trocou o sonho pelo teu calor.
Está só. Á chuva. Congela de tristeza. Não existe lugar para ele. Por favor, estende a mão e aquece-o. Guarda-o e vela-o. No fundo, pertence-te.

Sunday, December 07, 2008

Desespero

Não chores esta noite, eu partilho o teu sofrimento mais profundo ou negro. Por favor, não te arruínes, não te suicides, o meu coração está contigo, toda a minha sensibilidade está nas tuas mãos. És a minha lua cheia na noite mais fria e escura, és a minha crença.
Estás só e eles são mais e mais fortes. Maiores e ignorantes. Surdos. Mas dá-me a mão e não chores, permaneço aqui contigo, sempre . Compreendo-te e sofro por ti, eles já não me incomodam. Transfere-me as tuas cicatrizes, não consegues viver com elas, encontras culpa na tua simples forma de ser diferente. Dá-me a tua dor, és muito melhor que eu. Devolveste-me o sentimento porque me comoveste com o teu sorriso triste.
Não chores esta noite, não me deixes só. Não me deixes a sós com as minhas cicatrizes. És a minha única possibilidade de sentir o mundo com a pele.
Não chores, és a Orion. A minha. A única que me dá a hipótese de ser algo diferente de um monstro sofrido.

Friday, December 05, 2008

Carta de um Solitário

O tempo para nós só se comprometeu a estagnar por uma fracção de segundos, estamos sempre atrasados. Contra o destino que talvez nos tenha favorecido algures, estamos os dois sós.
Daí surge, possivelmente, a tua tendência para o meu precipício. Identificas-te com ele porque esperas por algo que se pareça com a intensidade do teu ser. E é daí que germina a minha tendência para o teu ângulo de sorrir : demonstras uma capacidade inata de amar o meu precipício, a minha noite mais sombria.
Mas a nossa união é um fio de prata luminoso e transparente, tão verídico e palpável como um arco-iris.
A necessidade, meu amor, aumenta e eu preciso do teu grito mudo e azul perto de mim, já que o relógio congela, o tempo anula-me e o negro consome-me.

Tuesday, December 02, 2008

O renascer do Frankestein

Respeita-me. Formaste-me, criaste-me e mostraste-me ao mundo, encara agora o teu Frankestein inconsciente.
Ganhei vida própria nas cicatrizes desenhadas na minha génese, os músculos são mais resistentes que quaisquer outros e o meu coração guarda os restos imortais da fénix velados por baixo da tua pele. Mas sou disforme, numa das batalhas frias conquistei um coração que se expandiu preenchendo-me por dentro. E tornei-me ainda mais disforme quando perdi a resistência inata de um soldado que nasceu para fuzilar. Contra a tua expectativa, rasgaram-se outro tipo de cicatrizes, tiveste um árduo trabalho em vão.
Respeita-me e aceita-me, deixei a estrela que era mantida por ti e desertei. Sou algo diferente do meu propósito. A única coisa que me pertence é o coração que não nasceu comigo, não adveio das tuas mãos sedentas de uma frustração com final feliz. O teu final, não o meu.
Sou a tua utopia falhada, encara-me, toma-me real, acredita-me porque nunca mais regressarei.