Wednesday, November 28, 2007

A Morte do Anjo

Há entre nós, um paradoxo temporal. Caíste no abismo quando eu nasci. É difícil conceber a morte de um anjo humano.
Porquê? Esta pergunta completamente inútil e ligeiramente romântica mantém-se iluminada no meu pensamento.
O teu jeito angelical e triste dava-te uma beleza mais extraordinária, mais bela ainda. Demasiado efémera.
Odiaste-te e por isso, anjo triste, caíste como tudo cai. Não sabias quem eras , não te reconhecias no espelho. A tua vida eram lagos de água suja que distorciam a tua imagem ; que te enganavam: diminuiam-te. Nenhum te disse que os teus olhos eram azuis profundos. Mentiram-te porque não gostavas de ti. É fácil mentir sobre a cor do céu a um cego.
E eras, a par disso, um solitário. Estavas só. Eras completamente corroído pela tristeza do vazio. Foste completamente aniquilado pela vida , pelos outros, pelo mundo... sobretudo, por ti. Arruinaste-te .
Ha! A tua fragilidade comove-me. Porquê? A pergunta volta a incomodar-me. Incomoda-me sempre. Queria, é verdade, ter-te dado a mão para tu agarrares a minha com força. Para eu não me perder no quarto dos espelhos mentirosos. Mas estavas tão longe, sempre... a tua mão caiu, morta, pálida e nunca chegou a conhecer a minha, ou outra qualquer que reflectisse bem a beleza da tua essência.
O anjo morreu.

Tuesday, November 27, 2007

Acordar

Todos os dias agora acordo com alegria e pena.
Antigamente acordava sem sensação nenhuma; acordava.
Tenho alegria e pena porque perco o que sonho
E posso estar na realidade onde está o que sonho.
Não sei o que hei de fazer das minhas sensações.
Não sei o que hei de ser comigo sozinho.
Quero que ela me diga qualquer cousa para eu acordar de novo


Alberto Caeiro

Saturday, November 17, 2007

A Moeda

A moeda foi atirada ao ar. Desta vez, a face que ficou voltada para cima foi a mais sombria, a mais temida. A que caminha sempre a nosso lado, erguendo , por vezes, os braços no gesto de nos amparar quando escorregamos
Um grande erro é acreditar-se que a moeda está estavelmente voltada para cima e que, no instante último e biológico, ela roda trezentos e sessenta graus. A qualquer altura pode mexer-se, é semi-autónoma.
E, desta vez, foi o que aconteceu: na moeda apareceu Hades, ou então, o mais temível, não apareceu nada. O lugar vazio para onde nem o nada se dirige. O desconhecido mais radical, mais solitário. Confuso. O golpe mais duro na existência humana, na conquista humana. Nunca se é nada durante a vida e nunca, se é alguma coisa de concreto, quando a Natureza termina o nosso trabalho no mundo.
Sim, desta vez a face era assustadora. Tão terrível na sua grandeza, no seu poder , tão redutora do Homem emocional que é através dela que surgem todos os nossos maiores medos. E é, no entanto, a única certeza absoluta neste Universo Colectivo que se divide em vários eus; das únicas verdades Universais comuns à vida, seja ela qual for.
O Homem , verdadeiramente, não gosta de verdades irrefutáveis. E moedas são sempre, só, moedas. Fora isso, o Grande Juiz - imaginário ou não- já foi enfrentado...

Friday, November 09, 2007

"Põe a tua mão
Sobre o meu cabelo...
Tudo é ilusão.
Sonhar é sabê-lo."

Fernando Pessoa

Sunday, November 04, 2007

Hoje não farei mais queixas

Hoje, não farei mais queixas
Nem condicionarei os meus eus à tristeza.
Não.

Regarei ,
Cuidadosamente,
O meu jardim de rosas azuis
Que de vez em quando,
Ignoro.
Sentar- me- ei na relva
E acariciarei o botão de rosa azul
Que estiver a nascer.
Abençoá-la-ei
Como se fosse a ultima rosa do jardim.

O resto , já não interessa.
Já não é decisivo.
Ainda tenho o meu jardim.
Isso é tudo. Isso sou eu.


WinGs