Thursday, December 17, 2009

Amanhecer

Amanhece demasiado cedo. A única vantagem é a consciencia bruta de que somos ainda muito novos. Para morrer. O dia amanheceu, nasceu agora, existe mais do que tempo para se existir tranquilamente; para reagir bem e de forma eficaz ao recente universo agreste.
Amanhece demasiado cedo. E é so nessa hesitação trémula linear, nesse instante tenso em que já é manhã mas o céu aínda é negro que sinto a tua falta. Talvez por termos existo nesse momento em que o tempo é indefinido. Ou talvez porque é uma fracção temporal sem destino, sem expectativas. É apenas transitório. No segundo a seguir é dia e no anterior foi noite profunda. O segundo intermedio que nunca existiu não possui qualquer ligaçao ao real.
Mas amanhece demasiado cedo. E apesar de sermos demasiado novos para morrer. Envelhecemos tanto que já não somos os mesmos.

Monday, December 07, 2009

Reflexão

Como é que falhámos tanto? Como é que nos tornámos nestes dois desconhecidos que se reconhecem em silêncios mudos , marcas de batalhas patéticas vencidas?
E como é que ainda não te apercebeste que sempre fui essa fraude? Sempre fiz a viagem ao sítio que não tinha qualquer interesse em conhecer, sempre tive um sucesso relativo naquilo que nutro um profundo e legítimo desprezo. Compreende, comigo tornas-te naquilo que gostavas de não ser: o eterno deslocado poético, duro estratego e afável.
Mas a minha componente de falha não é surpreendente, a falha sou eu. A minha existencia e a forma como vivo é um erro, a minha filosofia é um erro. Mas tu? Sempre foste a flor mais bela de um jardim pequeno que quando morre as pessoas só choram por uma fracção de segundos. A tua unicidade e especialidade sempre foram relativas.À primeira e superficial vista, todas as outras flores têm o teu perfume .
Como é que falhaste tanto? E propões-te a continuar a errar dessa forma poeticamente afável. Talvez até suavemente inócua.
Como é que falhámos tanto? O mundo. O eterno caos. E o nosso inocente pecado.

Thursday, November 26, 2009

Desilusão

Ele pede para compreenderes que o coração está noutro sítio; não o acompanha nos dias arrastados e melancólicos. Desde que te ausentaste naquele dia de Sol demasiado quente que ele o enterrou na praia. Compreende, por favor, ele implora-te que compreendas o crime que cometeu. A dor era tão ensurcedora e vibrantemente cruel que ele esfaqueou e enterrou o coração na praia onde foi feliz na infãncia.
Perdeu tudo quando enterrou o coraçao moribundo. Perdeu o amor, perdeu a compaixão. Restou-lhe a flexibilidade e uma disciplinada jovialidade sustentadas pela filosofia mental. Esfaqueou o coração vezes sem conta, estripou-se e afogou-se em sangue e desespero. A dor era um barulho demasiado violento e tu nao voltavas. Deixou de saber se alguma vez aqui estiveste verdadeiramente.
Porque o deixaste só? Deixaste-o só. Não viste quem era ele, nao compreendeste o que era ele e trespassaste o coração. Ele pede que compreendas que morreste com o seu adorado coração chacinado. Não interessa se voltaste ou se dizes que permaneceste sempre ao lado dele: foste-te embora quando ele se sentiu demasiado só, quando a dor começou a anulá-lo.
Ele gostava que compreendesses que não deseja causar-te nenhuma dor inútil. Não por amor a ti ( o nada define-te) mas por respeito ao coração moribundo que jaz abandonado na praia onde a infancia dele cresceu.
O coração dele. Esfaqueado pela desilusão de seres igual a toda a gente e ele amar-te mesmo assim.

Wednesday, November 11, 2009

Tributo

Não o faças, não desistas. Porque se conheceste o amor , o verdadeiro, então em algum ponto foste real e exististe numa qualquer realidade.
Perdeste muito. Perdeste tanto que ficaste com nada , quando te vês ao espelho quase não és tu. Violentaram-te , roubaram-te , foram sempre injustos. Nunca reconheceram o teu verdadeiro valor. E nada eles valem, são apenas mais. Sustentam a máxima de que a quantidade nunca supera a qualidade.
Não lhes dês ouvidos. Porque conheceste a doçura de teres um lar para onde voltar, um sítio que é teu. Até pode estar desfeito mas pertence-te.
Não o faças. Não desistas. É uma arte aprender a viver com a dor. E o mundo precisa de ti.
Eu preciso de ti.Porque melhoraste a minha minuscula e insignificante realidade com a tua existencia simples e íntegra. Bem sei que nunca te reconheram o merecido valor , que te roubaram e violentaram mas eu defendi-te e apoiei-te. Se desistires demonstras a minha inutilidade . E eu herdo o nada que te pertence, o valor nao reconhecido que tens.

Wednesday, November 04, 2009

Orfeu

Talvez exista uma remota hípotese de o Orfeu não morrer com a Eurídice. E conseguir salvá-la. Basta que ela , algures num passado conjunto, o magoe. O suficiente para que ele nao sofra o mesmo mas a ame da mesma maneira. Porque o amor é imune a esses caminhso cruzados de um destino que nasceu feliz.
E então Orfeu seria mais lúcido e conseguia salvá-la da segunda vez. Porque vê claramente que, racionalmente, nao pode hesitar, nao pode olhar para trás. Não pode duvidar da mão que segura dois fios de vida já quase cortados. E então Orfeu consegue não ser tão fragil e fraco, tão tipicamente humano.
Mas uma Eurídice nunca magoa um Orfeu. E um Orfeu nunca é lúcido.
É por isso que é triste o mito. A hípotese de salvação é ilusória. Nunca os vai conseguir salvar enquanto eles forem eles. Porque eles nunca erram verdadeiramente, são vítimas de uma fatalidade demasiado negra e demasiado cruel.
E é por isso que o mito é tão triste. Orfeu erra, sim, mas é tão compreensível, tão humano que deixa de ser um erro. Passa a ser uma consequencia. E ele é inocente. Culpá-lo de algo é um crime.
E é por isso que é demasiado triste o mito.

Wednesday, October 28, 2009

Suficiente

Porque esperaste desesperadamente que te afagassem a cabeça, que te limpassem o sangue das feridas cruas da alma.
E estás só. Porque amaste-a e ocasionalmente sentiste-te profundamente amado. Mas estás só, sentes a falta dela, sentes a tua falta. De quem eras quando a amavas, de quem ela era quando te amava. Irracionalmente. E ves ambos sentados, cumplices de um qualquer crime inocente . Juntos. E afinal tu estás só.
Porque descobriste que ela te amou e que nunca a amaste o suficiente. Se nao terias perdido a consciencia do sangue que escorre das feridas. Nao foi o suficiente para tornar o amor maior que o esquecimento, nao foi o suficiente para se tornar numa das tuas estrelas, que te iluminam e protegem carinhosamente.
Amaste-a.Mas nao o suficiente e recusas saber se ela te amou demasiado , se te tornaste nessa estrela que a pode aquecer e afagar em noites tristes e frias.Recusas. Porque a amas ainda o suficiente para saberes que a já não amas.

Saturday, October 24, 2009

Amor

Sim, claro, é amor porque sobrevive aos dias de sol e de chuva e os olhos têm a cor e a imensidão do mar. Retratam todos os dias de infancia passados na praia, o riso alto e o contentamento de quem não sabe que vai morrer. E que nada é.
Claro, é amor, se dançam alegremente no espirito a esperança , levemente filosofica, a exaltação da vida e o extase de existir. E os olhos têm a textura de amoras silvestres numa noite agradável de Verão; são o som da Orion e do vento fresco que fala de historias magnificas e desconhecidas.
É amor. Nem que seja um pouco se quando olhas nos olhos ves a alma e ela já viu e sentiu a desgraça, já conheceu a dor. É ríspida e dura apesar da leveza e da jovialidade. É amor se vês isso tudo e lamentas profundamente, se quase choras por solideraiedade aberta e franca.
Sim, claro, é amor. Nem que seja um pouco, nem que seja inconsciente. Se olhas e te identificas com a imensidao do ser que contemplas. Amor não deixa de ser isso, uma forma típica e emocionalmente forte de identificação.

Friday, October 23, 2009

Excepção

O barulho é de uma violencia estrondosa. Quebra-te a réstia de esperança que tens . Antigamente, depois da desgraça , adormecias tranquilo à espera de um melhor dia no duro conceito de amanha.
Agora procuras ansiosamente a excepção, a pecularidade que te fez permanecer aqui. Olhas em busca do cabelo desalinhado e escuro, o corpo esguio mas forte, todas as vincadas caracteristicas de uma excepção. Procuras em vão, sabes que a não vais encontrar porque está desincronizada de ti. Mas continuas a procurar e o barulho continua fundo e violento. Se existissem lágrimas talvez fossem desperdiçadas neste momento. Que ultrapassa o sufoco da claustrofobia do ruído ensurcedor.
Bebes o café, antes que fique demasiado frio. A excepção já não existe. Talvez te tenha abandonado. Bebes o café, o gesto mecânico que traduz o inevitável passar do tempo. Porque a excepção eras tu e tu já não acreditas.
Afundas-te no barulho , deixas que essa violação surda ocorra no teu ser. Porque a excepção eras tu e tu já não existes.

Friday, October 16, 2009

Conforto estéril

Tu não querias mudar o mundo. Não, nada disso. Querias ser correcto e querias viver segundo a tua ética filosofica definida e torna-lo num sitio levemente melhor porque serias tu. Um ser não cruel, que cura em vez de ferir. Não farias mudança nenhuma, a realidade seria igual a si propria depois da tua morte, depois da tua vida mas tu morrerias de maos limpas. E não sujarias nada, o mundo não pioraria com a tua existencia.
Agora já o não sabes. Porque te estriparam e te violentaram todos os dias por essa opçao tua e tiveste de te ter de volta. Tiveste de reaver o teu amor-proprio e o teu auto-conceito para seguires a tua filosofia. E tiveste de saber preencher o ego para conseguires o milagre de te enfrentares ao espelho. Mas perdeste-te algures.
Pioras ligeiramente o mundo quando te tornas ligeiramente vulgar. Viciaste-te no conforto da àgua gélida que suaviza a dor da cicatriz. Só que ela já não doi e tu insistes em algo que se tornou num puro luxo, num simples capricho.
E não haveria problema se não conseguisses ver o quanto custa, em sentimento e em suor, a quem procura a agua, a quem a passa pela tua pele, a quem te sustenta e a quem te mima. Tu ves quanto custa e continuas. Pioras o mundo inocentemente porque , algures, arruinaram-te. Não tens assim tanta culpa, a realidade é demasiado fria. Cruel.

Thursday, October 15, 2009

Metáfora

São tristes e patéticos porque tentam superar-te mas toda a tua superioridade é-te dada estritamente por eles. No teu espelho pessoal ves apenas um homem, igual a tantos outros, com pormenores carismáticos que fazem toda a diferença. Como seria de esperar.
O teu cabelo ruivo não é exotico, apenas. Pelo menos não se resume à invulgar tonalidade. Não. É porque o usas como definiçao de ti proprio, como aperto de mao,como forma de conheceres o mundo e de te dares a conhecer. Tem a cor da paixao e do sangue, do fogo e da morte.
São ignorantes e de fraco alcance, intelectual, psicologico, emocional e humano. Limitam-se a ter uma inveja desumana pela beleza exotica excentrica do teu cabelo ruivo e não te veem a ti. O teu rosto muito branco, triste, sofrido, marcado com a cicatriz, mais rugas de dor do que de riso. E os olhos escuros, liquidos e vivos, perspicazes e compreensivos, duros e estrategos.
São tristes, tentam aniquilar-te extinguindo o fogo que se ve metaforizado no cabelo a ondular ao sabor do vento. E tu nem sequer sabes quem eles são. Quando alcanças o final da linha a cor do sangue e do fogo impoem-se e pensas em silencia-los. São demasiado aborrecidos com as suas vozes estridentes.

Wednesday, October 14, 2009

Persistência da Memória

Ele vê o amor espalhado mas está longe de o ter consigo. Já o teve e recorda-se bem do sentimento de felicidade aberta e suave. Nunca foi tao feliz como naquela era de amor profundo e irracional.
Depois acabou. E ele aceitou a sua sentença, viveu todos os dias o sentimento de dor funda, deixou-se enterrar na melancolia da tristeza do fim. Entregou-se, posteriormente, a paixoes fugazes e curiosas, baseadas em pequenos carismas. Nada é superficial. Só que ele gosta, não ama. São apenas paixões quentes e honestamente sentidas.
E depois existes tu com os teus olhos azuis esverdeados que sobrevives a qualquer paixao, qualquer dia monotono, qualquer tempo demasiado chuvoso e triste. Os teus olhos lembram-lhe o antigo ser que era na altura em que amava.
Sim, talvez te ame, sim. Pelo menos um pouco, pelo menos inconscientemente. Mas lembra-se bem da dor patética de quando já não ha amor ou de quando não é suficiente. Continua por isso, em entregas psicologicamernte intelectuais e fugazes para poder resistir ao mar nos teus olhos.
Se o queres bem desculpa-o. Ele magou-se, magoou e deixou-se magoar, precisa de se entregar em pequenas luxurias e grandes paixoes. Porque tudo o que ofereces é um novo conceito de dor.
Se o queres bem, comprende. Ele volta sempre para se limpar no mar dos teus olhos.

Wednesday, October 07, 2009

Veracidade

Dá-me uma razao para me importar. Só uma, uma que seja valida, prometo que haverá justiça e imparcialidade na minha avaliação. Dava tudo para que essa razao existisse e eu entao importava-me.
Mas se há, desconheço-a , logo ela não existe. Não me importo, ninguem se importa comigo na realidade complementar. Tem todos uma certa expectativa , tem todos uma certa filosofia. E no momento, não correspondo a ambas. Se tenho alguma espécie de parte do mundo gravado no pulso ignoro porque a não quero e a minha filosofia é demasiado livre e controversa, em jeito de legado de mitologia grega. Quanto mais for feliz na minha filosofia menos descanso tenho em casa, se tiver descanso em casa é o silencio moribundo de um funeral porque morri durante o decorrer dos dias.
Ninguem quer saber. Ninguem se importa. Guardo as minhas tristezas. Pior. Guardo as alegrias e as vitorias. Porque ou são imperceptiveis ou estao desincronizadas ou são tomadas como decisoes e momentos alucinados e irresponsaveis.
Dá-me uma razao para me importar, uma que seja sólida e credível. Haverá justiçao e imparcialidade em mim.

Wednesday, September 30, 2009

Homicídio

É o teu estilo, solitário. Não deixa de ser encantador sobretudo pela raridade quase excentrica.
Não consigo evitar sentir uma leve pena deles. São tao fracos, tao debeis, tao toscos. Tao pequeninos e tao mesquinhos que nem sequer observam bem o teu perfil, silencioso e desagradado. Constantemente criticado, constantemente posto em batalhas ridiculas numa tentativa patética de te vencerem em algo. Já que nasceste melhor que eles em humildade e auto-conceito.
Não vêm o teu perfil. O de um verdadeiro assassino. O homicidio executado com lentidao e prazer, um pouco todos os dias. A tranquilidade alcançada depois de silenciada a ignorancia , a excentricidade ignorante e vazia, necessitada de atençao apenas. A paciencia de um duro estratego que sabe como agradar.
Não deixo de ter uma certa pena deles.

Tuesday, September 29, 2009

Crime

O mundo está tao errado. E tu ajudas nesses crimes horrendos invisiveis e avarentos. És passivamente cruel ( friamente cruel) .
Porque é a pessoa simples que guarda a flor e a protege da chuva clandestina. Poderá dar erros linguisticos, filsooficos ou cientificos mas não terá falhas humanas. Manterá o coraçao até ao fim. É genuinamente boa, vive a vida no limite porque não há restrição para quem nada tem para oferecer ao mundo fútil. Descobre a verdadeira felicidade de simplesmente existir. Sem limitaçoes, sem ideias preexistentes vazias e tabuladas.
É essa pessoa que deverias honrar. Aquela por quem passas na rua e nunca olhas duas vezes, não perguntas se tem um nome porque o seu trabalho é muito miserável perante a grandiosidade do teu ser. É essa pessoa que que muda o mundo, que é honesta, que sente a realidade com o cérebro sem lhe retirar originalidade. É ela que sabe porque vale a pena viver intensamente, pelo que vale a pena persistir.
E tu ajudas nesses crimes horrendos de pura discriminaçao.
Não ter sido a tua mao fria a retirar-lhe o sopro da vida não te torna inocente. Essa pessoa que sustentava todas as qualidades da evoluçao da humanidade está morta e as tuas maos cheias de sangue deveriam pesar na tua consciencia e no teu coraçao o suficiente para nunca mais teres uma noite tranquila de sono.


Saturday, September 26, 2009

Funeral

O rapaz sentou-se no canto da praia . Amava a arte, de uma forma solitária, só se entregava profundamente ás vezes.
E estava lá sentado, sozinho. Triste. Ignorava se estava acompanhado ou não, era a definição em pessoa do conceito de solidão.
Não que não fosse belo. Exótico. O cabelo vermelho-vivo deixava-se agitar violentamente pelo vento como uma mancha de sangue. Os olhos escuros fitavam o mar fixamente sem lhe prestar atençao, sem o ver. Ele próprio era a metáfora da praia no Inverno, a areia imaculada branca e o mar azul violento e duro. Estava em perfeita sintonia com a natureza envolvente. E era assustador, o seu conceito de belo, de arte em comparaçao com o tamanho da sua tristeza.
O rapaz sentou-se na praia. Só. E o cabelo ruivo agitava violentamente com o vento. Era sangue derramado, uma razao honesta para o cumprir de um luto interior e para o desabrochar de lágrimas cavadas e inexistentes.
Era o funeral dele.

Wednesday, September 23, 2009

"Poema para o meu amor doente"

Pela primeira vez, existiu sem hesitação ou duvida. Talvez signifique uma cedência interior, o encontrar de um outro tipo de mestre. O problema passou a residir no quanto não hesita, no quanto quer. E numa réstia triste e velha de uma antiga noção de dignidade.
Não te pode dar o mundo. E o coração é já demasiado triste. Gostava de te dar a rosa mais bonita de todo o mundo, mostrar-te o que é o amor.
Mas tem apenas nada. E o coração é já demasiado triste. É um pouco teu, és um outro tipo de mestre, um estranho. Mas não pode dar-te a rosa que guarda o segredo melodioso, a rosa que representa todas as rosas. Tem apenas o seu amor profundo e sincero, triste e gasto.


“Hoje roubei todas as rosas dos jardins
e cheguei ao pe de ti de mãos vazias”

Eugénio de Andrade, Poema para o meu amor doente.

Thursday, September 17, 2009

Azul

Trazes algo de único na forma como existes. Os teus olhos são de um azul diferente, são de uma dimensão diferente.
Como evitar o fascínio, o encanto? O doce descontrolo da mente? A tua beleza é muito maior que qualquer homem, qualquer deus. Porque reside toda na cor suave dos teus olhos, no mistério carinhoso que transparece deles.
És algo diferente. De um outro mundo. Não és pragmático, não és puramente exacto. Mas tens uma certa dor, uma certa tristeza. Que tem a tonalidade dos teus olhos. Azul turquesa, suave e melancólico. E a tua voz quase agressiva, a tua doçura é a tua tristeza.
Talvez seja isso. A tua especialidade, a tua beleza. Sabes ser triste, azul triste.

Sunday, September 13, 2009

Marcha Funebre

É uma marcha funebre. O som envolvente é demasiado negro, triste e bruto. Uma verdadeira lamentação. A tristeza verdadeiramente sentida. Porque qualquer um chora de dor ao ouvi-lo, a marcha fúnebre que ele criou, que nasceu nele.
Pensou que nunca mais te veria, que seria engolido pela escuridão, pela ambição desmedida em demonstrar um ponto de vista pouco usual e artístico. Chorou de dor quando não se conseguiu libertar a si próprio do pesadelo. Onde ele viveu passivamente , onde ele chegou a dizer-se feliz. Chorou de dor porque és uma espécie de salvação no caos em que ele se meteu. Precisa que existas para ver e interiorizar que existe uma outra opção.
É uma marcha fúnebre. A tristeza do som embala-o. Talvez adormeça. Talvez descanse. Tem o coração afogado em pequenas tristezas, em claustrofobicas tristezas.

Wednesday, September 09, 2009

Amor

Não sei bem o que quero. Honestamente. Julgo que sinto que não desejo nada. Nem sequer ficar assim, aqui. Não anseio pelo melhor dos futuros e esqueço-me do passado .Só existe o momento em que oiço a Orion. O mundo perde significado.
Porque foi sempre ilusório. Nunca pertenci aqui, era garantido como a morte para qualquer pessoa que me apertou a mão e sentiu que o toque da minha pele era de um sitio diferente. A questão não é física apesar da exactidão e do pragmatismo do meu próprio coração. A Orion também existe aqui, talvez seja cruel, suja. Talvez seja o meu fim, talvez esgote o sangue. Ou errada para mim. Ate me pode desprezar. Simplesmente, acredito que isso é impossível.
E se acontecer, se ela for tão detestável e banal como tudo o resto que existe? Não era Orion. A minha.

Monday, September 07, 2009

Privilégio

Não sabe se é o melhor ritmo, a mais bonita melodia. Já perdeu a noção, já perdeu a sanidade. E não consegue merecer um pouco de discernimento para compreender se é melhor ou pior, se conquistou uma nova liberdade ou se se tornou escravo de algo que lhe agrade. E alcançou a liberdade, de um ponto irónico, apenas.
Tem-te no topo de todas e quaisquer prioridades. Como nunca teve quem era prioridade para ele. Lá no fundo, sim, sabe. Talvez não mereças tanto, sobretudo, talvez não queiras tanto. Em momento algum és um monstro e ele sabe. Isto tudo. Só que não consegue discernir e não é capaz de se parar. De não querer dar. E tem razão, ele, o importante acima de tudo é conseguir dar.
Saber amar é um privilégio. As pessoas que vivem pateticamente e tristemente numa alegria ridícula sabem apenas esperar pela ilusão de serem amadas de uma forma. Algo domestica
.

Tuesday, September 01, 2009

Irregularidade

O seu encanto é a liberdade. Não é ninguém, nunca será ninguém. Talvez seja o resquício de um brilhante músico falhado, um jogador iluminado sem lugar na sociedade elitista? Ninguém se importa. Com ele. Sem estatuto, sem uma subida responsável e recompensada na carreira, a hipótese de ter os ténis rasgados e o cabelo desalinhado, ninguém se importa com ele, não é atracção para ninguém.
A inveja diminui-me. Porque não é a tradicional, é mais tristeza . De uma prisão que ninguém vê, porque estamos cá todos. Eu apenas não estou feliz com ela. Vêem em mim alguém que não sou. Pior. Nunca serei. Porque sou como ele, livre , ninguem, sem estatuto, um musico que ainda não teve sequer hipótese de falhar.
O seu encanto é a liberdade. Talvez seja triste porque é demasiado livre. Talvez seja triste porque jogou mal, não deveria ter apostado ternamente num sonho demasiado ilusório. Mas é triste, esse é um outro seu encanto.

Sunday, August 30, 2009

Mundos Paralelos

O mundo novo não te guarda um lugar como me guarda a mim. Não te poderia transportar para la, não estiveste la comigo.Tens um espaço aqui, és feliz aqui, melhor, consegues ser inteiramente tu, aqui.
Mas não deixei de ter saudades tuas.Talvez por saber que voltava e o lugar mais confortável é o teu espaço. O único sitio que poderia ser um pouco meu. Neste lugar agreste, ao qual sou intuitiva e inconscientemente indiferente. Porque não me deixam ser eu, vês, a culpa não é minha. E não te estou a pedir para esperares por mim, para te prenderes. A opção mais errada, a ilusão mais cruel. Jamais ficaria por causa de ti.
Mas também es um novo mundo. Tão importante e valioso como o outro. O meu estado é que é irremediável, o coração esta demasiado disponível e demasiado violentado. Preciso que me salvem, que me restaurem a tristeza das lutas ridículas. Não tenho culpa de ter nascido aqui, no sitio errado. Não te posso pedir isso. Mas fizeste-o, enquanto pudeste. Dai as minhas saudades tuas. És a brilhante rosa azul num jardim cheio de flores banais, fracas, cruéis e feias. Se estivesse menos débil. Talvez o teu azul inconfundível pudesse curar-me. Mas é já demasiado tarde.

Wednesday, August 26, 2009

Simplicidade

Pediste-lhe sobriamente desculpa e ele atrapalhou-se. Desculpa é a palavra diplomática e irónica que o mantem vivo, que ele sabe quando e onde soletrar. Sobretudo, como. E o mundo inteiro render-se-ia às formas como pede desculpa, terno e duro, suave e insensível. Mas desculpa é uma palavra que ele diz, nunca ouve. Para ele se desculpar a si próprio, mais ninguém o desculpa, mais ninguém o acredita. Quando vive confortavelmente consigo, vive em guerra com os outros. E é assim que deve ser o mundo.
Mas tu pediste-lhe desculpa , tristemente, honestamente, do fundo do teu enorme e pisado coração. E ele atrapalhou-se, perdeu-se. Porque gosta de ti, do fundo do seu pequeno e flexível coração. Sentiu muita a tua falta, ele.
Por isso não te desculpa. Nunca.
Ele compreende-te. Inteiramente. Desculpar é uma questão hierárquica, ligeiramente arrogante. Ele compreende-te, sem quaisquer sentimentos gélidos. Aceita-te com os teus defeitos e com os dele. Por isso é que se atrapalhou com o teu simples pedido de desculpa.

Saturday, August 22, 2009

Encanto

O rancor tem origem na tua tristeza . Que evitas a todo custo assumir que sentes, porque ser triste é ser pobre, é ser insatisfeito, é ser cinzento, é não saber sorrir. E acabas por te deixar corroer em invejas. Pelo solitário. Porque ele é triste mas tem a felicidade de ser ele próprio, tem o mundo que é só dele, mesmo que esse mundo seja apenas uma flor. Tu nem a ti te tens. Possuis apenas o vazio profundo do teu ser, o rancor que sentes e a tristeza que estrangulas no teu coração. E a inveja pelo solitário, que sabe rir e ser mestre nos sorrisos .
Afogas-te em superficialidades pequenas para seguires Epicuro, rejeitas todos os caminhos que não te pareçam áureos. Para depois assassinares a filosofia epicurista, tentares humilhar o solitário e o seu eterno encanto , elevares-te ao nível de deus, do divino por despeito.
E morres, de desilusão, de vergonha, de rancor. Seria melhor que morresses de tristeza, como todos nos morremos, às vezes. Invejas o encanto do solitário, da forma como ele admite a sua fragilidade humana e se eleva, de uma forma inteiramente ingénua e inocente, ao nível da suprema felicidade, epicurista e existencialista. Podias ter tudo isto, se não fosses vazio, de coração e de mente, se apenas gostasses de ti como és e te aceitasses como és.
O solitário aceita e gosta . É essa a grande razão ela qual é solitário. Não precisa de nada mais. E é esse o seu misterioso encanto.

Fatalismo

Não existe o lugar, o canto que me pertence. Por isso é que o coração está disponível, não há o conforto da pátria. Isto tem a minha marca, a minha assinatura antiga, a minha vivência. Mas não projecta o meu futuro porque não me guarda um espaço. Só meu. E devia, porque é a minha casa, a herança do meu sangue.
É fácil ser livre, assim. É fácil ser livre assim, mas uma liberdade crua e fria. Porque é o direito da procura do sitio onde me esconderam o coração. Depois de rompida a rotina de um dia-a-dia que acaba por nos definir nos pormenores em que abandonamos a nossa personalidade, depois da violação da privacidade porque não existe o lugar da cidade no qual se chora - o lugar onde as estrelas são apenas constelações desenhadas pelos gregos - não existe mais nada. A não ser a intensa disponibilidade de um coração que nasceu no sitio errado.

Friday, August 07, 2009

Ausência

Deixei-te naquela praia. Desculpa-me se te deixei só, nunca foi desejo meu. Mas era a minha praia, marcada com o meu sangue fresco. Por vezes é difícil consciencializarmo-nos do coração.
Deixei-te naquela praia. A única que era minha, a única cujo mapa era a palma da minha mão. Para poder procurar o raciocínio claro, a verdadeira essência da mente. Parti para procurar a filosofia que existe na Orion.
Mas não te abandonei. Nunca. Deixei-te lá para melhorar. O mundo em si. Eu e Tu. Mas por pouco tempo, voltava depressa, tencionava ser breve.
Demorei tempo. Demasiado. Perdi-me na exuberância do amor à arte, na profundidade do acaso inexistente em qualquer parte do Universo. E quando voltei, já não estavas, sentado calmamente onde te deixei. Talvez te tenhas sentido abandonado e descartado.
Hoje reconheço que tinhas uma suave razão. Ou ter-te-ia levado comigo. Ou voltado mais depressa porque eras importante, mais importante. Mas por isso é que te deixei naquela praia. A única que era minha.

Thursday, August 06, 2009

Culpa

És o escolhido porque o meu erro foi duro e cru. Perdi-me ao som do vento da liberdade implícita no acto violento da rebeldia. Por isso podes esfolar-me, rasgar o osso e estalar o musculo, é o castigo inconsciente que me proponho instintivamente a ter.
Podias desculpar-me, ver que sem me arrepender, não repito a exuberância de uma futilidade profunda consentida. Porque se me arrependesse acabaria por repeti-lo e sem ti, não valeria a pena fugir à solidão negra que rasgou o coração.
Por isso, se não consegues verdadeiramente compreender-me para encontrares em mim uma pessoa sem uma fracção de passado ( “o passado é inútil como um trapo”) castiga-me. Abandona-me. Elucida-me de quão grande foi o meu desprezo, a minha mente ausente. O coração inacessível ou inexistente. Diz-me exactamente qual foi o numero pelo qual me vendi, e a verdadeira razão humana, cheia e sentimental pela qual me vendi.
E depois morres. Porque o meu erro cobre o teu. Apenas. Não existem dividas.

Tuesday, August 04, 2009

Lamentação

Existes para isso. Demonstrar o vazio de tudo. A tristeza de tudo. O fim de tudo.
Trouxeste contigo o vento da mudança que nasceu encoberta. Que todos viam e todos temiam. Tem-na contigo, ainda?
É triste. Existes para demonstrares a morte. Para te ver morrer, de mansinho. E lamentar mas não sucumbir inteiramente à tristeza. Como morria antigamente, como morri tantas vezes.
Existes para isso. Endurecer os ossos, triturá-los sem os esmagar, garantir que continuam a existir.
Foste o responsável pela manutenção da vida. E agora serás entregue ao Inferno que alcança todos os homens. Lamento, claro. Gostava tanto que fosse diferente. Mas também foste responsável , não existe a perfeita escolha contínua.
Existes para isso. Provares que é tudo inútil que tudo é igual. Não há esperança a não ser que a invente.
Não sou um crente, lamento.

Sunday, August 02, 2009

Reflexão

A vida é uma desilusão. Mesmo os optimistas que morrem felizes são tristes. Somos todos tristes. Imaginas que mudarás o mundo, que farás toda a diferença, que um doce beijo teu numa flor frágil a impedirá de morrer.
Mas o mundo à tua volta desfalece e perde cor. Como tu farás um dia. E não fizeste nada do que querias verdadeiramente. Inicialmente. Talvez tenhas feito as escolhas erradas ou talvez as correctas não fossem possíveis nesta realidade.
A vida é uma desilusão. Descobres prisões no conceito de liberdade, promessas vazias no acto de ajudar honestamente. Não é culpa do mundo, está na tua mente. É uma reflexão dura porque é tão certo e compreensível como a morte.
Foste melhor que qualquer outro teu semelhante porque sonhaste mais alto, amaste com mais intensidade. Viveste com menos lucidez, controlaste Deus e desceste até ao fundo do poço para poderes ser livre e bom. Nada foi em vão, aprendeste com todos os teus erros, meio caprichos meio dignos de artista de coração.
Mas és menos do que te projectaste. A vida não é uma desilusão. Tu é que és.


Friday, July 31, 2009

"Posso escrever os versos mais tristes esta noite"

Está sentado. Só. Ela foi demasiado importante, demasiado tudo. Ele está sentado, mas já não a espera, já não existe o ela. Que era o tudo para ele. Para quê esperar? Mas continua sentado, talvez lhe doa o corpo, talvez lhe doa a alma. Pela vergonha ou pela decepção. Talvez pela perda, porque ela permaneceu lá, sentada ao lado dele, e já não está. Está só. Tristemente, sempre esteve, ela nunca lhe fez companhia.
Por isso é que não vale a pena esperar, ela não volta. E, no entanto, continua sentada, ao pé dele. No lugar solitário do canto da praia onde o mar é demasiado negro e fundo. Onde o mar é o espelho obscuro e sincero do coração dele. Porque sempre esteve só, ela aumentou a dolorosa sensação do quanto estava ele só.
Está sentado. O silencio das ondas, o silencio do canto da praia deserta que é só dele. Ele não a
espera. Mas é difícil largar a recordação que só é metade verídica.
“Tão curto o amor tão longo o esquecimento”.


Inspirado em "Posso escrever os versos mais tristes esta noite" de Pablo Neruda.

Desencontrar

O dia chuvoso reflecte a tua ausência. Até o Sol te chora.
Porque chegaste tarde e ele não te pode culpar e existe legitimidade na cegueira com origem na dor. Tu eras a cura, a que foi criada para ele, mas a dor era muito forte e ele não via o mundo lucidamente. Gostava de se culpar mas não consegue.
E isso só agrava. Nasceu nele uma culpa inocente, afogou-se na lama que deixou germinar dentro do coração.
Só depois te viu. Libertou-se da sujidade envolvente e tomou um banho espiritual durante vários dias sombrios para te poder receber de braços abertos.
Mas demorou demasiado tempo, o cumprir do luto é um tempo extenso. Foste-te embora no segundo anterior à cura dele. Nunca o viste, exactamente como é.
E ele reconquistou a sanidade, a lucidez, parte do coração. Mas sem ti, prefere a dor antiga , do luto, a cegueira romântica, a lama oriunda do desespero de um destino vazio.Porque a tua ausência não tem nada de romântico ou poético. É matemática, é aguda

Thursday, July 30, 2009

Demasiado Tarde

É injusto. Talvez merecesses tu esse pedaço de musculo frágil enrolado num pano gasto de veludo. A que chamam coração. Mas ele está meio morto, mataram-no de decepção, deixou-se arrastar num romantismo de rituais sangrentos, num romantismo com génese na realidade crua e fria em que o obrigam a viver. Sim, é inteiramente culpa dele. E, no entanto, não é tão fácil perdoa-lo? É uma vitima do mundo, do caos real vazio e frívolo.
É certo que é injusto. És melhor, mesmo que erres duramente, és melhor. Vê se pela forma como encaras o mundo, a simplicidade com que te vês. É notório, a morte e a miséria são tuas companheiras obscuras e longínquas. Se não te engoliram deve-se à tua perspicaz visão humilde.
Não é fácil perdoa-lo? Ele é vitima dele próprio, de se ter enrijecido para não morrer heroicamente, inocuamente. Perdoa-o, ele dar-te-ia o por do sol .
Mas já morreu.

Friday, July 17, 2009

Despedida

Está tudo errado, meu amigo. O mundo está dolorosamente invertido. E a tua morte provou que existe a face cruel na moeda que se retira sucessivamente, uma cada dia.
Não, meu amigo, não eras tu, pobre mendigo espiritual, que conspurcavas e sujavas este mundo. Sem ti, aliás, ele entregou-se à corrupção.
Está tudo errado , meu amigo, e eu não posso consertar nada. Não podendo injectar sangue novo nas tuas veias cansadas , tristes e gastas nada mais posso eu fazer.
Porque eras tu o Messias, o homem com sangue limpo e coração bom e fresco, o homem que preferiu morrer a sucumbir-lhes, são eles o lixo do mundo. E tu eras a salvação, a brisa fresca de uma madrugada inovadora e fresca.
Está tudo errado, meu amigo. Tu morreste e eu não posso inverter o mundo. Eras tu o Messias. É o teu sangue sagrado que faz as flores florescem mais depressa. Era o teu rosto belo e triste que rasgava o negro do mundo.
Morreste. Acabou-se. O mundo já não tem solução. Meu único amigo. Porque a fuga branca e cheia só podias ser tu. E agora, descansas , desejo fortemente que, finalmente, estejas em paz.
Meu amigo. Meu único amigo neste mundo demasiado errado para nós dois. Tu foste mais forte, morreste porque não sucumbiste. Eu continuo o teu legado, mas deverias ser o Mestre. Eu já estou esgotado pela morte que cobre o teu rosto, eternamente triste e belo.

Sunday, July 12, 2009

Opiniao

Um dia talvez compreenderás o poder sincero que possuem aqueles que amam. A arte. Porque amar o físico vazio da existência sem o toque quente e doce de uma qualquer filosofia não é amor, paixão aberta por conveniência, talvez.
Nunca terás acesso à descodificação do sentimento, é demasiado potente e está misteriosamente enjaulado no teu cérebro. Mas podes prestar homenagem sendo humilde. Por não o fazeres é que sei o quanto não amas.
Nada do que é garantido , nada do que é estritamente real, nada do que é cómodo e seguro está ligado ao amor.
E podes morrer, velho e cheio, rodeado dos bens que conquistaste com a força do teu braço. Porem não viveste inteiramente. Porque não amaste a arte.
Quem a ama a arte não morre velho. E quando fores, velho cheio , alegre e farto verei as inúmeras rugas de tristeza marcadas no teu rosto, porque não amaste. E será demasiado tarde.

Friday, July 10, 2009

Carta de Desabafo

Compreendo, claro, Mestre. Todos os erros que cometeste , todos os fracassos, todas as falhas. Claro que compreendo. Concretamente, fui te similar e não me magoei mais profundamente apenas porque tu existes, Mestre.
Porém eles vão morrer todos, um dia. Não lhes desejo nem essa morte dura , crua e longínqua nem a outra suave, arrastada e cruel um pouco cada dia. Mas não consigo lamentar. Perdoas-me, Mestre, este descontrolo momentâneo da raiva, o sentir de novo a faca a furar a pele intensamente, ah! Mestre, existes, não estou só e os teus ensinamentos apagaziguam o espírito. Mas quando a chacina me procura é difícil não a aproveitar, não a viver não a sentir. Desfrutar do prazer de magoar só por magoar porque o ódio é muito forte.
Compreendo todos os teus erros, esforço-me por aprender com eles. Sou te muito similar neles. E esforço-me por sobreviver, como tu. Mas eles derramaram o próprio sangue, é uma tentação demasiado forte não os afogar na mediocridade que são.
É porque existes que o não faço, Mestre. Porque a eles não devo nada e não havia compaixão no meu coração sem ti.

Sunday, July 05, 2009

Mestre

Mestre, salvaste-me porque és um eu que sobreviveu e se curou da própria sobrevivência. A realidade é demasiado fina e aguda, há que ser duro e implacável ou ela desfazer-nos-á em pó. É a eterna escolha, ter um pouco de coração frio e racional ou perdê-lo, quente e meigo, algures no mundo porque deixamos de existir, perdidos no rancor de ter escolhido não viver. O dever é uma palavra feia e estritamente subjectiva.
Mestre, salvaste-me porque és o único consolo e referencial que posso eu ter. O único que rasgou no céu nocturno a mesma escolha que eu. Sem ti, não haveria já coração, apenas a hesitação do momento em que atirei a vida no poço sombrio e macilento.
Mestre, salvaste-me. Mas é dolorosa esta sobrevivência, esta relutância em morrer. Temos uma morte difícil e dura. Porque não nos dão eles outra hipótese a não ser este amor à vida violento e sangrento.

Saturday, July 04, 2009

Hoje

Foi hoje a minha derradeira morte. Está um dia agradável de Verão, quente e florido. Natureza rejubila vida.
A minha existência contrariava esta alegria. Porque não existe paz no inferno. E o que era não podia continuar a sê-lo. Porque o inferno tenho-o eu, enjaulado no meu pensamento.
Por isso é que morri. E ele morreu comigo. Agora sou livre.
E está um dia lindo e florido de verão. Terei um funeral quente. Tão quente como nunca tive durante o tempo em que fingi que vivi.

Wednesday, July 01, 2009

Eco de Darwin

Terás de te libertar dessa responsabilidade e deixares o corpo cair ao som da constelação. Estás vivo, és quase um milagre. Tens-te a ti, porque eras uma pessoa comum a sonhar ser alguém melhor. E tens agora o dom de resolver as equações da realidade que não existe.
Isso não faz de ti pior pessoa, não te torna numa pedra. Demonstraste que existe a hipótese de singrar depois de morrer, de assassinar os fantasmas sem arruinar o seu mito. Tudo o que tens pertence-te, dobraste o aço em nome da dignidade de seres tu, mereces alguma paz.
Tens de te libertar dessa responsabilidade, que hoje não tomes conta do mundo. Mas nasceste para isso. Para provar que é possível libertar da tortura da ditadura e ser eterna e indefinidamente livre.Verdadeiramente e inteiramente livre. Livre.
Apenas porque sonhaste um dia ser melhor pessoa, tendo-te como prioridade desprezando o método de Narciso. Acreditaste em ti. E agora, não és uma pedra. És o eco de Darwin.

Tuesday, June 30, 2009

Espelho

És o meu espelho cruel, benevolente e carinhoso, mas cruel. Porque evidencias todos os fracassos que fui cometendo. Até mesmo os crimes. Vejo tudo isso quando te olho.
Mas é tudo o que quero no final do dia. Anseio ver o teu olhar diferente, ouvir o calor da tua voz. O teu toque suave. Não és tudo o que tenho porque não te tenho. É por isso que encantas. És o meu espelho, até quando reflectes o buraco sofrido que existe inevitavelmente em mim.
A par de tudo és uma das minhas melhores salvações. Porque és um caminho diferente, não fazes parte desta guerra ridícula. Mas também nada tens que ver com o seu começo. E a tua voz vem de um sitio diferente, longiquo. Talvez por isso é que és o meu espelho. Relembras-me tudo o que posso ter , tudo o que me pode fazer sorrir. Tudo o que eles querem que não veja.
Ajudas-me, tu? Ou foste sempre cruel, ate na forma como acarinhaste? Não posso dizer que não sou crente em ti. Afinal, és tudo o que quero no final do dia.

Monday, June 29, 2009

Direito de Existir

Talvez exista um deus que saiba da minha inocência. Um que me dê a oportunidade de viver. Vê, não quero eu ser como eles. Quero existir. Sentir a doçura da pétala da flor na pele e sorrir sem medo. Porque me prendes, porque me dizes que nada existe. É tudo ilusão.
Não o é. Melhor, não importa se é ou não. Eu sinto a pétala, a suavidade embala os dedos. E a sensação existe não importa se é real. E eu existo com ela. Chega de mentiras.
Sim, sei que me mentiste. É verdade, a mentira é tudo o que tens, demorou uma vida a ser construída. Eu lamento mas não posso ficar com ela, muito menos me permito continua-la.
Não. Eu quero existir, pode ser que algum deus me perdoe. Que me perdoe esta vontade pagã de sentir no rosto o vento e seguir no caminho errado e nómada. Que é o meu
.

Sunday, June 21, 2009

Nada

Sou nada, à parte das hipóteses que faço nascer das cicatrizes sou nada.
Com excepção da musica sou nada, do amor que lhe dedico. Maior que qualquer Deus.
Tenho de morrer um destes dias, um dia em que ainda faça Sol. Quero um funeral quente.
Sou nada e só quero descansar. Esta angústia sustentada pela culpa inocente que sinto mas não tenho mata-me.
Sou nada. Hei de morrer um destes dias. Num dia quente e florido de Verão.

WinGs

Wednesday, June 17, 2009

Antigamente

Antigamente podia dizer que odiava, antigamente era jovem e o mundo era um lugar novo.
Envelheci. O mundo tornou-se num lugar ameno onde estou sempre ausente.
Esforço-me por não catalogá-lo como cruel. Mas não existe espaço para mim. Em parte, culpa minha. Quando fui mais jovem fui radical e escolhi não ter pertença, não ter lugar neste mundo; escolhi varias vezes ser diferente, superior ao que me rodeia.
E continuo. Diferente. Mas já não sei o que me rodeia. Tenho guardadas na gaveta as cicatrizes de inúmeras batalhas em prol da guerra que está perdida. Porque antes ganhar algumas batalhas do que morrer silenciado pela realidade aguda. E porque tenho o Mito.
Antigamente era jovem, envelheci. Mas jamais serei uma pessoa grande e o mundo não me desculpa isso, impõe-se como cruel.
Na verdade, não escolhi nada. A não ser não morrer, não sucumbir á doença da ignorância.

Tuesday, June 16, 2009

Fantasmas

O mundo. O eterno caos. E a cadeira vazia que deixaste. A tua ausência sustenta a revolta . O limite da indignação e da decisão firme. Salvaste-me.
Porque morreste.
De resto, fantasmas não existem, é melhor deixá-los em paz.
Morreste.
E já não sinto a tua falta.
Porque os fantasmas nem nunca existiram.

Saturday, June 13, 2009

Pouco

Sempre soube que este momento chegaria, esta paz interior nascida da guerra fulminante porque a liberdade existe em mim e jamais deixarei que me a roubes. Esta fracção de segundos em que não ser como tu é já ter valido a pena nascer. És tão pouco, queres tão pouco, sofres por tão pouco. Morrerás pouco. E devagar, pouco de cada vez.
Não é que goste desta maneira de encarar o mundo, quanto a mim nem sequer faz sentido. A nossa existência não é simultânea, o tempo é o mesmo mas ocupamos espaços diferentes, vivo na minha mente tu vives na prisão que inventaste .
Sempre que me tocas, sempre que me falas é encharcar os meus sentidos de um tipo de lama suja pavorosa que afecta dramaticamente o meu olfacto, o meu tacto, o meu ouvido frágil.
Porque te vendes . Um pouco todos os dias. E quiseste que me vendesse mas eu simplesmente não preciso, já me tenho, já me encontrei.
És pouco. E só não és nada porque acredito na filosofia.

Friday, June 12, 2009

Guitarra

Ele sabe que nunca vão perceber porque ninguém é divino o suficiente para descrever o amor. Há os que amam e os que conseguem fingir que amam. Mas ninguém o traduz na metáfora de uma equação plana e limitada. Simplesmente não é possível.
Está dentro dele, dorme e sonha com uma melodia que ainda não existe.Dorme tranquilo quando pensa na sequencia de notas perfeitamente organizadas , na junção da matemática com a física e depois o sentimento puro de amor profundo. E quando acorda o mundo não importa, é um palco secundário onde o obrigam a ter um papel ridículo e desequilibrado.
Ele sabe que nunca vão amar como ele ama, sabe que o consideram louco.
Porem ,no final do dia, ele acaricia a madeira, puxa uma das cordas suavemente. Aquilo vale qualquer sofrimento, qualquer opressão.
Ele sabe que eles não amam logo não têm nada. Mas ele vive intensamente por algo.

Thursday, June 11, 2009

Agradável Dívida

A tua presença relembra o mítico jardim suspenso. Mas só deixas saudades porque as rosas são azuis límpidas, tudo em ti é diferente de um tom azulado tão característico que é suficiente para me envergonhar. E ter, consequentemente, uma imensa saudade do som do teu riso que eleva a minha mente a esse ponto em que existe um jardim suspenso cheio de rosas azuis únicas e frágeis.
Trazes na ponto dos dedos a essência de Peter Pan, a capacidade de sonhar sem limites porque limite é apenas uma palavra utilizada por aqueles que têm para encantar os seus dias a pobre e cinzenta realidade. Não têm mais nada não podem conceber que mais alguém tenha. É-lhes demasiado doloroso, demasiado humilhante ,tenho-lhes uma verdadeira compaixão , são já tão pouco...
Consegues brilhar tanto como o Sol, arrastas a novidade, a imaginação e a liberdade contigo para todo o lado. És um Sol que nem sabe o quanto ilumina. O quanto aquece.
É impossível não dar conta que agora não estás aqui. Os ossos só não congelam tristemente de frio porque conseguem sentir o calor deixado por ti quando fecho os olhos e oiço a tua voz.

Tuesday, June 09, 2009

Amor de Margarida

A minha alma está a salvo de qualquer tentação que o diabo possa descobrir nos confins da alma ainda por civilizar.
Houve um dia em que quis desfazer-me dela, da alma. Perdeu a utilidade no mundo que é vazio, que é despido de toda e qualquer sensibilidade. Era um fardo demasiado intenso, um crime inocente mantê-la comigo.
Mas ela nunca me abandonou. Arranquei-a mas ela regressava. Regressava sempre que ouvia a musica. Voltava porque nunca acreditei que fosse inútil, que fosse desnecessária - inútil e inócuo é o mundo. Mas um pequeno barco é (quase sempre) virado ao contrário pela tempestade marítima .
Houve um dia em que ela regressou verdadeiramente para dentro de mim. O dia em que o diabo me a devolveu inteiramente. Porque era amor e não existe nenhuma tentação animalesca ou friamente social que compita com o amor.
E está a salvo de todos os segundos que já passaram, de todos os segundos que passarão. No fundo, foi vendida para a ter com uma certeza merecida.
Para ser verdadeiramente minha. Para servir aquilo que supera o próprio Deus.

Monday, June 08, 2009

Liberdade Bélica

Talvez para ti seja uma questão bélica porque houve uma certa derrota que te embalou. Mas para mim resume-se tudo ao ciclo normal da existência que dobra os homens. Para mim é tudo tão garantido como a morte. A minha mente já é disciplinada logo o teu autoritarismo jamais romperia o céu aberto com gritos agudos de vitória.
Embora saiba eu o que é a guerra. A verdadeira, a original, a que marca o corpo e queima a alma. A que tentas criar é apenas uma ocasião que te diminui porque és mesquinho. E queres mover-me e alterar-me porque criei eu essa ocasião, nasceu da minha liberdade. Nasceu da liberdade de pensar, de sentir, de decidir. Nasceu da minha consciência responsável pela pegada efémera no mundo.
É isso que não suportas, estares feliz enjaulado nas grades que tomaste como ouro maciço. Enquanto eu, sem limitações espaciais ou psicológicas, sinto o cheiro da lama nos dedos enquanto a Orion ilumina o trilho de caminho que ainda não foi escolhido.

Saturday, June 06, 2009

Desculpa-o

Desculpa-o. Por favor, desculpa-o, ele não o faz intencionalmente. Mas já tem tantas cicatrizes espalhadas pela memória sensível que não consegue evitar recear que sejas mais um a violentá-lo. Ou pior, que o saibas ferir fundamente na cicatriz matriz, aquela que nasceu com ele e ainda ninguém viu.
Desculpa-o, porque ele quer dizer-te onda guarda a rosa, quer deixá-la contigo. Confia que sabes amar e acariciar as frágeis pétalas azuis sem as desfazer na violência do toque bruto ignorante.
Desculpa-o, ele sente a tua falta mas é um monstro. Vê-se orgulhosamente como um monstro – não é como eles, está desfasado. Está nervosamente à espera que sejas banal e sujo para poder existir só, triste mas seguro (apesar de sonhar que lhe poderás fazer companhia na solidão).
Desculpa-o, a tua falta é como a ausência do Sol amigável e quente no dia mais frio e áspero do Inverno profundo. Não torna o dia insuportável. Mas torna-o mais longo , escuro e dorido.

Friday, June 05, 2009

Desigualdade

Sentes-te frustrado, injectaste-o com a doença mas ele está vivo ainda. A tua dor é legítima, infectaste-o com um vírus e ele criou-te imunidade .
Não vais desistir tão depressa , tens consciência absoluta que vós não podeis coexistir. E tem um peso acrescido no teu coração, negro e profundamente frustrado, a vitória cheia dele: diminui-te na forma como existe estável na filosofia de vida carismática.
Mas ele também não vai quebrar, a sua resistência conhece abstracta e detalhadamente a tua fragilidade, o ponto em que o osso se desfaz e tu sofres agudamente de dor. Esta a tornar-se mestre na forma como evoca Júlio César: está a começar a dominar absolutamente a arte da guerra dissimulada e irónica.
Sentes-te frustrado mas a culpa é tua, não o deixaste em paz. Porque não o deixas em paz? Não vales nada para ele, nem como inimigo. Como o tentas torturar, reduzir-te-á a cinzas com mais prazer do que devia.
Pena ser tão fácil...

Wednesday, June 03, 2009

Elucidação

Renego tudo o que existe em mim em sintonia contigo. Não é que te odeie ou que te despreze. Não. Renego porque não existe nada em mim que viva em harmonia contigo, foi tudo uma ilusão que se ajeitou, carinhosamente, na forma como controlo a influencia do real no coração.
Por isso não forces a nossa coexistência, não será pacifica. A guerra permanece viva no meu inconsciente e nunca ganharás a batalha: se venceres – se queimares o sonho - eu morro. Antes a morte crua a ser como tu.
Não é que te despreze ou te odeie.
Nem sequer existes.

Saturday, May 30, 2009

Enterro

Nada existe. Deixa-o só, está a começar a assassinar-te.
Primeiro, enterrou o coração. A dor primitiva e aguda encheu-lhe os dias de uma monotonia que o não deixou morrer. Mas sem coração, sentia nada, foi tudo indiferente, até a vida ( por isso é que ainda está aqui). Passou pelos dias, não os viveu.
Depois, enterrou a intensidade fresca, bonita e apaixonante da tua memória. Ficou vazio , sem as memórias para lhe relembrarem quão azul é o mar ele é nada. E sem coração existe triste e só.
Sem coração viu como o mundo é feio quando não é sentido; viu como é inócuo tendo apenas percepções indiferentes.
Deixa-o só. Já te assassinou, já deixou a pegada no teu cemitério. Se vires bem, traíste-o , não foste leal. Mas ele amava-te e ofereceu-te um funeral digno.
Deixa-o só . Escusas de chorar, de evidenciar exponencialmente o quanto lamentas. Até podes ter sinceridade no reconhecer do teu erro superficial.
Ele é que já não tem coração.

Friday, May 29, 2009

O Gato

Houve um tempo em que a viagem era novidade e qualquer coisa fazia a pele tornar-se mais suave. Houve um tempo em que a caixa estava fechada e havia a hipótese de o gato não morrer.

(
Mas tu abriste a caixa, à força. O gato estava vivo, não se entregou ao veneno. Não sabes o que fizeste nem como fizeste, consequentemente, abandonaste o gato. Talvez tivesses cuidado dele se soubesses que o tinhas salvo. Mas a verdade é que o largaste. Mais valia tê-lo deixado na caixa, dar-lhe tempo para engolir o veneno.)

Agora a viagem é sempre a mesma, sai na paragem correcta intuitivamente. Já não há expectativa, já não existe nenhum tipo de esperança,.Vive cada dia sabiamente, à maneira de Epicuro. Mas não te desculpa, violaste a caixa e abandonaste o gato. Criaste um mundo paralelo para ele e deixaste-o lá, só e duro.
E não te pode culpar porque nem sequer viste o que fizeste. Se soubesses, talvez tivesses acarinhado e aquecido o gato. Porque era o gato dele. E isso só o faz desculpar-te ainda menos.

Thursday, May 28, 2009

Falsa Eurídice

O coração de Orfeu nasceu fraco, nasceu com saudades tuas. Procurou-te até onde sabia que não te encontraria. Procurou todos os lugares que esgotavas neste mundo de deuses cruéis, só para sentir-te, suavemente, o mais perto possível. Para ter alguma ilusão para poder imaginar o teu perfume. Algo concreto, como um mundo paralelo onde tu deixas a tua marca fresca e apaixonante.
Como não tinha escolha, como estava preso ao mar azul dos teus olhos deu-te tudo o que podia : ofereceu-te a imaginação dele. Todo o processo de sonhar ficou a depender do ângulo do teu sorriso.
Mas o teu coração foi duro. Exigiu o que é impossível de se dar, os deuses são cruéis. Existe a certeza fria de nada, apenas. O teu coração foi insensível e não reparou que magoava por um capricho respeitável, a estabilidade. Quando tiveste o que tanto querias podias mostrar quão transparente era o mar nos teus olhos e terminar a tortura.
Mostraste o quão vazio era. Os teus olhos nunca foram o mar, foram nada. E Orfeu não compreende porque exigiste o seu coração, não vale nada no teu mundo vazio.
Guarda o sentimento de culpa que te faz perder noites de sono .
Ele já morreu.

Monday, May 25, 2009

Pensamentos

O amor nao tem de ser estonteante e esgotante, fugaz e calorosamente intenso. Às vezes , resume-se a um segundo que garantiu a estabilidade de um mundo que ainda está a ser sonhado. É um sentimento simples envolvido pela beleza clássica que sobrevive, ainda, aos dias de hoje. Um sentimento pacífico que transmite o relaxar soberano das ondas do mar, estendidas sobre o areal, no final da tarde. É uma obesessão lúcida, uma obsessão por ser incondicional. E azul, incondicional e indefinidamente azul limpo e aberto.
É assim que o resto do mundo finge que ama, definindo-o mal. Depois de o limitarem, banalizam-no; depois de o enjaularem, humilham-no. E, depois, destroiem-se a si mesmos, rompem-se a si mesmos. E desculpam-se no outro, que nao amou como eles amaram.
Mentira. Nunca existiu. Nunca foi amor. O verdadeiro.
E eu sei.
Porque tenho a música.

Sunday, May 24, 2009

Legado

Agora compreendo-te melhor.
Lamento compreender-te, lamento caminhar para ti. Lamento que a minha mão aqueça a tua e fique sucessivamente fria. Todos nós somos ignorantes até certo reflexo solar mas eu ofereci a minha feliz ignorância em troca de uma crença maior, de algo melhor. Em troca da tua crença em mim. Sacrifiquei a minha visão do mundo para te não julgar ,para garantir que estaria aqui, por ti. Procurei que a minha existência quase inútil servisse para suportar a tua e não deixar que te entregues à morte. De novo.
Mas agora, estou contigo, a um passo dessa morte pacifica. É verdade que continuo a dar-te a mão mas, como já morreste, o calor é infértil. Contínuo o teu legado, com o amor incondicional a algo muito maior que qualquer Deus.E ofereço a minha própria vida no limite de todos os limites, porque já não sei ser de outra maneira.
E agradeço-te. Deste-me um lugar triste no mundo. Mas sem a tua guitarra , sem o arrastar triste da tua voz, eu não sabia que existo por algo. Que tenho um lugar algures, apesar de frio e rasgado, eu tenho uma casa. E agradeço-te, porque foi pela tua mão fria que a descobri.
Triste , simples e ignorante homenagem a Kurt Cobain
WinGs

Saturday, May 23, 2009

Casulo

Será que a tua existência patética tem consciência do que lhe pede? Será que não vês que o magoas?
Porque o erro foi dele. Sonhou demasiado intensamente, acreditou que poderia conviver contigo e com todos os eus inócuos que te rodeiam. Não vês? Tu eras a maior preciosidade que ele tinha, o cantinho da praia repleto de conchas magicas que a violência natural do mar nunca destruiu; o pedaço do mundo puro, frágil e belo que ele assumiu imune à corrupção.
Será que não vês que o magoas quando te vendes por tão pouco? Quando és igual aos outros ele morre mais um pouco. Qualquer dia acabarás por matá-lo.
Ele tem vergonha dele próprio quando o olhas e vês o que ele era dantes, quando te guardava. Quer esquecer que o pressionas para te transformares na borboleta, por o veres transformar-se na borboleta magnificente que adivinhas que será.

Ele será sempre a lagarta, orgulhosamente, porque é o que ele é.

Friday, May 22, 2009

Vírus

Acorda a meio da noite fria com medo, medo que o tenham infectado com o vírus que ele repugna e detesta. É mais do que legítimo , o medo. Durante luas negras quis ficar doente, quis que o veneno corresse nas suas veias azuis para que o sangue ficasse banalmente vermelho, tornando-o numa pessoa comum e vazia.Desejou que lhe arrancassem tudo o que nele era diferente, tudo o que era puro. Tudo o que o afastava dos outros. E agora teme, febrilmente, ter parte da sua alma suja. Lá no fundo, conhece o quanto foi humano e vulnerável.Mas não há desculpa, o tempo não é absoluto.
Sabe , dolorosamente, que se fosse infectado, corrompido era estúpido mas era menos triste, porque a tristeza é uma evolução do Homem. Se ele fosse inócuo estaria, talvez, a sorrir ignorantemente.
O sorriso seria vazio, sujo, falso, estridente. Ele não quer, já não quer. Prefere sorrir pouco mas verdadeiramente. Mas tem medo que já o tenham infectado suavemente.
Tem medo que seja muito tarde para alguém completamente imune ao vírus acreditar na alma torturada dele.

Wednesday, May 20, 2009

Distância

É assim que existes , sorrindo afavelmente aos outros mantendo uma distancia constante de afastamento. No fundo, não queres saber, é-te inteiramente indiferente os movimentos alheios.
Quando uma das sombras negras e ignorantes considera errada a tua existência impondo-se como deus humano e absurdo tu afastas-te ainda mais. Resistes violentamente e eficazmente à tentativa violenta e tacanha de roubarem o que tens por legitimidade.
Porém quando ouves um sorriso sincero e natural , quebras. Quando te prendem desta maneira perspicazmente inocente tu deixas-te confortar e sorris, deixando que a nota musical se espalhe no espaço.
Porque a distancia que manténs é a projecção do que és. E tu és esse mundo paralelo simples e azul no qual vives.

Tuesday, May 19, 2009

Incoerência

Olhar-te é ver o que escolhi não ser, continuamente. Por isso é que o sorriso é dividido, guardas um pouco do mundo paralelo que foi erguido por mim.
Olhar-te e ver o teu sorriso dorido, a palavra correctamente escolhida, a postura atenta e meiga é o analisar do passado, é saber qual a intensidade . Só agora existe clarividência, só agora posso ver de que cor foi. Não foi azul, nunca te tornaste azul e por isso é que morremos. Foste sempre branco, a nossa coexistência no presente é incolor.
Olhar-te é ver o quanto sou triste. És o chamamento de uma infelicidade que poder-me-ia anular se a Orion não me iluminasse. Porque quando tu olhas para mim esperas , aflitivamente, que eu seja quem escolhi não ser.

Monday, May 18, 2009

Verdadeiramente

Apesar de ser pouco mais que senso comum é uma das únicas frases vazias e tristes que podes tomar como certa: enquanto és feliz não o percepcionas verdadeiramente. E por isso mais tarde sentir-te-ás profundamente infeliz, para simplesmente, ficares a saber o quanto foste feliz. A dor é lucidez porque, concretamente, o que te dói é a consciência crua daquilo que existia mas já não existe, que acontecia mas já não acontece. Dor é a tua incompreensão e indignação arrastada e melancólica. É quase um capricho , na ausência de um pestanejar levemente filosófico é quase uma superficialidade.
Aparentemente. Porque a dor mantém-te aqui, verdadeiramente. Relembra-te, todos os dias, que algures foste feliz e que a casualidade existe no Universo. Poder ser feliz outra vez.
Se não sofreres não sentes com exactidão o quanto já não és feliz E ,se não tiveres essa consciência não existes, arrastas-te pelo mundo, limitando-te a respirar biologicamente. Viver verdadeiramente é ser feliz porque se conquistou uma infelicidade tão dura no coração que a morte foi a hipótese mais fácil , impondo-se a vida verdadeiramente sentida como solução. E tu sobrevives. E voltas a ser feliz.
ps: um obrigado à Alice que pensou na ideia principal que sustenta o texto.

Sunday, May 17, 2009

A Frase

Talvez eles não saibam a frase que te trouxe até aqui.
Sim, é verdade que continuas aqui pela mão de Sartre , é uma fragilidade existencial .Responsabilizas-te inteiramente por todo o teu ridículo fracasso e continuas aqui, como castigo. Como redenção. Como hipótese de começar de novo sabendo assassinar concisamente o que está mal sem compaixão ou hesitação.
Eles não sabem nada sobre Epicuro porque a vida deles é a negação absurda, ignorante e estridentemente irritante da teoria do prazer moderado. A vida vivida levemente, sossegadamente, saber que um dia pode não ter vinte e quatro horas mas tem um tempo finito limitado. Nada sobre isto sabem. E tudo desprezam.
Mas não foi essa a frase pela qual vieste, não trás nas suas asas transparentes a razão.
Estás aqui para provar a oportunidade bem aproveitada , defender e gritar a diferença entre existências. Queres garantir que tu és diferente e que a rosa secreta do mundo está a salvo contigo. Queres ser Messias de ti próprio sem teres o Mito. Estás aqui para existires à tua maneira , resistente como um castelo de ferro , enferrujado, mas firme .

“Quando um carvão é deitado para a fogueira, pode não arder”
David Hume

Saturday, May 16, 2009

Lamento

Sabes que lamento mas nasci assim, com a bênção da maldição . E respeito-a, acabou por definir quem eu nunca serei, o lugar que nunca vou gastar. E se desconheces as palavras que afugentam os meus demónios é porque estás mais próximo de te tornares num deles.
Eu poderia dizer que tenho saudades tuas, seria uma meia verdade que inocentemente nos arrastaria para o vazio romântico da hipótese que não existe. A pessoa que fui sentiu tão profundamente a tua falta que deixou-se adormecer no som encantador da morte. Hoje , tenho apenas a leve e agradável memória tua que me permite reconhecer-te, roboticamente.
Sabes que lamento ver a dor do fim, duramente imposto por mim, nos teus olhos . Mas eu já morri.

O Fim da Eurídice

Esgotaste-o. Talvez o tenhas amado a mais, intensa e desesperadamente em tão poucas fracções de segundo. E ele amou-te também, à sua estranha e solitária maneira. Foste a sua Eurídice.
E ele não falhou como Orfeu. Na verdade, ele deixou que te libertasses dele , fechou os olhos e não reportou a tua traição . Não te condenou e não deixou que te magoassem. Trocou de lugar contigo e deixou que o ferisses duramente. Sim, ele amou-te o suficiente para ser o Orfeu que salva a Eurídice porque a rejeita enquanto pode.
E por isso é que o esgotaste. Deu-te tudo o que podia, retribuiu-te o amor inteiramente. À sua estranha e solitária maneira.

Wednesday, May 13, 2009

Diferença

A única verdade que efectivamente te pode reger é que te defines pelas escolhas; as acidentais explicitam o teu mais profundo coração e as intencionais reflectem o teu conceito de eu enquanto existência abrupta.
E é essa a tua diferença, pelo menos é a que te deixou mais cicatrizes , consequencia das lágrimas (demasiado) duras que escorreram pelo teu rosto. O que tu escolhes é continuamente não suposto e inesperado. Estás constantemente a reescrever a realidade, demonstrando com simplicidade e modéstia, que ela não existe. Constróis o teu próprio conceito de probabilidade e de trilho, és livre, inteiramente livre, na tua mente. Demasiado livre, talvez...
Não tens outra hipótese, nasceste para quebrar as correntes que tão amorosamente te chantageiam: se resignares, elas deixam de esticar o musculo, comprimir o tendão; se te deixares moldar por elas , termina a corrosão dos ossos, o esvaziamento das veias.
Mas tu não cedes , não te contentas com tão pouco. Porque as correntes , verdadeiramente, não existem. Como tu, simplesmente, existes noutro Mundo Paralelo , és-lhes quase imune.

Tuesday, May 12, 2009

wonderwall

Poder-me-ás dar a mão, terminar com o orgulho que me não deixa ceder ou chorar, o orgulho que me prende aqui, firme e intencional.
Distingues-me dos outros, vês qual a cor que guardo no coração? Virá dos teus dedos suaves a recompensa do esforço por estar aqui, só para mostrar que aqui é suficientemente errado para mim? Já me roubaram todas as lágrimas, provas-me que tenho outro sonho, mais bonito que todos os outros? Eu sei, minuciosamente, que é mais idealista, cheio, frágil e inseguro que todos os outros...
Talvez hoje esteja apenas só, feliz na minha infelicidade; feliz na infelicidade da unicidade. Talvez hoje esteja apenas só, feliz com o teu ideal preso a cada gesto, a cada pedaço infinito de raciocínio. Talvez sejas tu a salvar-me, a afastar-me deste mundo que tenta, heróica e moralmente, sufocar-me.

And all the roads we have to walk are winding
And all the lights that lead us there are blinding
wonderwall, oasis

Saturday, May 09, 2009

Monstros

Como uma figura suavemente iluminada entre as sombras que a consideram demasiado feia e repugnante para a destruírem, salvaste-lhe o dia. Não fizeste sentido, inverteste o mundo e ele deixou de correr para estar parado, ou virar a esquerda para ir pela direita. E revelou-se a si próprio, mostrou-se, deixou que visses o monstro que existe nele. Mais, disse-te onde guarda a rosa.
Nunca mais foi o mesmo, porque o monstro que é cuida da rosa enquanto os outros são monstros por comodidade e amor ao derrame de sangue em nome de vinganças baratas. Tu mostraste-lhe, apenas, que ele é monstro porque não teve outra escolha, como tu. Tem em comum a fé da libertação (que há de estar para breve), o fim do castigo, porque ambos aprenderam com o erro.
Quando ele olhou para ti viu que os teus olhos eram os únicos iguais aos dele, não havia mais saída. Ele era aquilo, um monstro que guarda a rosa carinhosamente e espera a libertação da tortura. Porque os teus olhos deixaram na sala o eco das palavras que ele pensa inconscientemente enquanto tenta entregar-se a um sono vazio.

Wednesday, May 06, 2009

Tarde de Verão

O calor demasiado envolvente relembra-lhe tudo o que não tem. Alcançou uma certa estabilidade filosófica interna por isso senta-se, calmamente, na esplanada e espera.
A brisa fresca e maritima susurra-lhe a boa memória ao ouvido e ele sorri sem mexer um músculo. A vida é isto, os olhos fechados perscutando o futuro sem o tentar adivinhar.
Em breve o calor sufocá-lo-à . E toda a calma tranquilizante arderá num tormento de um presente que quase não é justo. Porque o mundo é um lugar que está continuamente a modificar-se, mas no sentido contrário ao dele.
Ele é um discreto caos que se organiza conforme a brisa do vento de verão ou a oscilação da onda do mar.E está hoje, tranquilo, a beber café sentado na esplanda. Hoje, o angulo negro de rotação do mundo nao importa. Ele impoem-se sobre qualquer força.

Monday, May 04, 2009

Realidade Paralela

O teu vulto sombrio cerca-me num pensamento furtivo da realidade paralela. Que já não existe para mim.
Vejo as marcas inexistentes dos teus dedos nas paredes que ouviram a nossa voz, a sala mal iluminada que aprisiona a verdade que nunca te deixei saber. E quis eu, dizer-ta, tantas vezes. Mas o grito foi sempre mudo.
O teu rosto, sereno e marcado, mantém o espírito preso a uma realidade paralela que nunca existiu para mim. Que eu rejeito todos os dias para manter vivos o ideal e o raciocínio, para manter activa a lucidez.
Mas quando os teus olhos profundos e expectantes são visíveis na luz a realidade paralela que eu quase repugno vale a minha própria vida. Como se esperasses que te salvasse dessa vida sem tormentos e pesadelos, artificial, supérflua e sintética.

Saturday, May 02, 2009

Mito

A felicidade desde a tua morte dura e quente resume-se a umas breves horas .O sorriso foi cicatrizado, o seu ângulo está mutilado . Nunca mais será cheio e natural. O Messias ainda é esperado, existe um lugar no coração fixo que a resignação não apodreceu. Algures nesta existência vive a crença no mito e no herói.
Mas, desde que morreste e deste que a tua morte foi a salvação de um ideal, de um motivo de existência melancólico e triste, os olhos transparecem a cor da decepção quando vistos na reflexão das trevas.
Não por não teres sido o herói mítico - nunca foi esperado tal coisa de ti... Eras um mito diferente, com uma história diferente, um amor diferente. Com um fim sujo , patético e decepcionante.
Demasiado igual.

Thursday, April 30, 2009

Tristeza

A minha tristeza é existencial.
Sempre percepcionei o teu erro mas guardo ainda sonhos diurnos e clarividentes. Tu poderias ter sido um, teria sido tão fácil.
E foi tão difícil. Não existiu decepção, como uma ferida profunda que não dói ao cortar violentamente. A dor incolor é ainda mais triste. Eleva-se no silencio com o som da sentença, o timbre da consequência do dom negro e vazio.
A minha tristeza é indefinidamente triste. Porque tu foste a hipótese patética de fugir à minha maldição.E apenas a revelaste mais nitidamente chacinando todas as pequenas esperanças que eu criava cuidadosa e carinhosamente.
A minha tristeza é dura e pesada. Um dia serás odiado e rejeitado. Porque a minha tristeza é a saudade que me deixaste de mim.

Wednesday, April 29, 2009

Claustrofobia

O mundo sufoca-te. Este mundo, que nada diz sobre ti, que encobre e esconde esse amor oculto.
E por isso é que te dói ainda mais, a claustrofobia exalta a sua componente sentimental. Maltrataram-te, deixaste que te maltratassem e nem sequer existe amor cheio profundo. Só não é completamente inútil porque a sociedade vazia assim o impõe e compras um pouco de paz vendendo um pouco do teu coração.
Sufocam-te, prendem-te, apertam todos os músculos, o teu próprio coração explode num truque de ilusão refinado.
Abres os olhos. A realidade inócua continua a envolver-te . E não sabes ate quando esse amor oculto proibido aguenta a tua existência. O teu sacrifício para que te não arrastem numa morte lenta e gradual.

Sunday, April 26, 2009

Filosofia

Ele ama, de uma maneira diferente da tua, mas não lhe duvides o coração .É o melhor que tem, a cor azul em todo o seu universo caótico escuro.
Tu fizeste-o ver um mundo diferente, sem filosofia, sem ideal, sem crítica e sem passado – que às vezes é mais inútil que um trapo. Não havia uma tentação mais subtil e cheia, tão correcta, lógica e legitima. Mas, sem filosofia, ele não sabe existir, apesar da filosofia falar da caótica e problemática existência humana. Apesar da filosofia o arrastar para um poço em que ele cai indefinidamente.
Ele amou, mas não foi esse o destino escolhido para ele. Talvez tenha sido ele próprio a delinear esse triste trilho ( ele recusa descobrir). Ele não foi talhado para um vida estável, tem um trabalho no mundo e tu não estas incluído.
Desculpa-o, ele preferiu-te enquanto pode.
E a decisão errada foi tua.
Não dele.

Saturday, April 25, 2009

Paralelismos

O mundo repete-se, apenas tu te ausentas com o teu caminho branco. Sinto a tua falta, como se tivesses existido há demasiado tempo, como se tivéssemos morrido e renascido em realidades separadas. Sinto a tua falta, os olhos fecham porque sentem o peso da tua ausência, mas desconheço-te. Não fazes sentido. Marcas-te com um ângulo diferente de lágrimas vazias ( e eu já nem essas tenho).
O mundo repete-se, os dias sobrepõem-se em pausas contínuas de uma dor grave e baixa. E alguém ocupa o teu lugar. Eu já não te reconheço, já não és inteiramente tu na tua grandiosidade humilde.
O mundo até se pode copiar, podem todos os segundos ser uma repetição anterior de um segundo primitivo. Mas eu escolhi uma realidade paralela , onde tu foste brutalmente assassinado.

Friday, April 24, 2009

Prenúncio

É um prenúncio de morte. A tua presença modifica-o e ele não sabe como. Sente-se confortável em qualquer sitio porque ele é senhor de si mesmo, vive como quer, por conta própria, resolvendo as equações com preguiça e perspicácia.
Menos contigo, contigo, ele não consegue encontrar a solução. Apenas a sente, sobre a pele como uma pétala suave que lhe activa o tacto. Sente-se diferente contigo, assume que tens um acesso parcial a sua mente que ele não te deu e fica demasiado confortável . Já não há nada a esconder, ele é apenas ele. E é isso que queres, que ele seja ele, para tu poderes ser tu. É essa a solução. E ele sabe, tem medo dela, uma vez que a aceite, o resto do mundo perde qualquer interesse.Porque, contigo, ele é simplesmente ele, não altera o ângulo real conforme lhe é mais conveniente.
Se lhe confirmares a solução da equação, ele vai entender que tem legitimidade em ver o mundo azul porque tu também vês.E vai ver que tu queres o seu apoio, que queres dar o teu apoio. E nunca mais vai ser o mesmo. A Lua cheia está esplendorosamente bela, é um prenuncio de morte.

Tuesday, April 21, 2009

Triste

A vida é isto, um número mísero de tristes expectativas que acabam por morrer porque a realidade é feia e inócua. A arte é sempre assassinada , a estética profunda e inteligível queimada. E ficam a sonolência e a igualdade dos dias.
E por isso é que ele sobreviveu e não sucumbiu à tentação de morrer, de ter os sentidos ,tão já feridos, fechados eternamente para o mundo. Ontem e Amanha foram a mesma coisa, não se apercebeu do passar da noite. Na madrugada ainda estava vivo e a ferida jorrou sangue vermelho-vivo.
A vida é um mísero conjunto de repetições exteriores e decepções interiores. Nem sempre é uma aprendizagem, um fortalecimento; é simplesmente uma perda da capacidade de amar e de acreditar. E hábito. À dor e ao inevitável.

Saturday, April 18, 2009

Lembrança

A consciencia da noite rompe o silencio frio e negro: não está esgotado, há ainda um sorriso que escapa pelos poros da pele quando a tua memória é activada. E só morre quando tu, definitivamente, fizeres valer a tua verdadeira escolha consciente, o trilho que tomarás ,discretamente ,como teu.
Existe, possivelmente, um pedaço de coração guardado para ti, que te pertence. Para sempre. Até ao fim. Se nunca te for entregue, desfazer-se-á em pó, solitário e duro, quando os incontáveis dias atingirem o seu próprio limite. Um pedaço de musculo cheio de sentimentos que só existem para ti. Um bocado de responsabilidade que te não quero dar. O meu trilho é negro e sombrio, luzes são proibidas. Não anseio arrastar-te comigo para a escuridão .
Ainda existes dentro da memória, e no frio alto da noite, a intensidade é libertada. A dor é pequena, a saudade rasga a pele em longos cortes. Mas sobretudo, o sorriso rasgado afoga a angústia no poço do pedaço de coração. Porque ainda existes, num mundo paralelo em que a tua mão quente aquece a minha, indefinidamente fria.

Thursday, April 16, 2009

Desumano

É porque ansiei esquecer, por breves dias sombrios e clarividentes, a paixão que existe em todo o mísero pedaço de pele, em cada músculo rasgado ou distendido, em cada nível da alma ou do espírito. Mas, de cada vez , que a música se eleva no ar e o coração se impõe como portal entre o mundo exterior e a minha mente, é como um transe que invade o sangue e oferece uma sensação única. De loucura profunda. E de lucidez honesta. E amor, sobretudo, amor. A melodia embala como se não fosse deste mundo, desta triste e medíocre realidade.
E, durante aquele breve período de tempo, a musica era a tua voz. O teu timbre encantava os músculos que descontraíam negligentemente. Mas era desprovida de melodia, a tua voz , não tinha profundidade. E a música voltou a elevar-se no ar e o coração tornou o espaço exterior na minha mente, condecorando a audição o sentido rei, empurrando, com desprezo, a visão para o melancólico segundo lugar.
É porque já não sou a mesma pessoa. Oiço o mundo, não o vejo. A realidade não tem importância. Não é audível!

Saturday, April 11, 2009

Indescutibilidades

É indiscutível a tua utilidade: foste completamente inútil; mais, foste a intensa luz que quebrou o sagrado e seguro caminho escuro. Calaste a revolução, entregaste nas mãos frias e pálidas o poder da compaixão e da atenuação da raiva. Fizeste de um duro soldado de guerra desertor um ser humano condescendente e amável.
O teu perfume, exagerado e extremamente aromático abriu , num jeito simples, as portas para um mundo diferente. Não há batalhas sangrentas, ou invejas desmedidas e belicamente humanas, certo rancor ao passado ou, mesmo, indiferença à vida. O teu mundo não é perfeito, mas guarda num pano de veludo branco e macio, as cores que exaltam uma existência. A minha existência.
Ofereceste o teu acolhimento, o teu abraço e até mesmo o toque da tua pele. Indiscutivelmente, atenuaste a raiva e deixaste bem ciente que o mundo não é, obrigatoriamente negro. Em nada foste inútil. .Sem ti, o mundo seria , talvez, um lugar extremamente belo e sedutor onde não existe a mínima esperança de se ser melhor, de se ser azul.

(Mas eu prefiro que o mundo seja negro como a noite.)

Friday, April 03, 2009

Discreto Pedido de Desculpa

Eu sei que, provavelmente, não sabes. Mas sofro por ti mais do que sofro por outra qualquer razão. E não sei porquê. Reconheço, simplesmente, em momentos de silencio barulhento e ensurdecedor que me és importante assim, sem paixão calorosa ou , sem mesmo, a sensibilidade humana cravada em cada pedaço de pele. Apenas.
E não sei porque é que magoa, porque é que chamo para mim a responsabilidade de não deixar que te aleijem, se a pele é tua e não minha, em momento algum é algo controlável.
Gostava de perceber porque é que encantas toda a minha compreensão e compaixão, há já muito desaparecidas. Gostava de te dar a verdade que queres descobrir furtivamente sei que a tenho, algures, comigo. E gostava que soubesses que nunca te mentiria.
Sei que, provavelmente, desconheces o quão me és importante e o quanto te queria proteger. E sei, igualmente, que não consigo fazer mais do que isto, e isto é praticamente nada, invisível.
Talvez por isso sofra mais por ti do que por qualquer outra pessoa, até mais do que sofro por mim ( tu e eu, somos uma mesma coisa.)

Thursday, April 02, 2009

Escuridão

Porque não me assassinas? Salvar-te-ia desse tormento, dessa leve ansiedade brilhante que dança nos teus olhos, brinca na tua pele. Larga-me , foge de mim. Esquece-me e apaga-me, por favor, abandona-me e abandona todo o meu aroma estranho e suavemente selvagem.
Não vês? Quero salvar-te, de mim, proteger-te. Por isso deixa-te afastar de mansinho, entrega-te a esse murmúrio frágil que te diz para me deixares partir. Por favor, eu nunca te magoaria intencionalmente.
Não te confies, assim, a mim. Não ponhas o teu coração de veludo branco nas minhas mãos. Elas protegê-lo-ão cuidadosa e carinhosamente até o vires buscar. Não faças isso, serás a prioridade.
Por favor. Assassina-me. Sou um caminho errado, tu és a opção errada. Mas sobretudo, eu sou um soldado desertor de uma guerra vazia, por favor, deixa-me estar só e sê feliz. Sem mim.

Wednesday, April 01, 2009

Oposições

Reconheço-o agora, foi um erro inteiro meu. Inteiro, cheio e quente. Mas desculpa-me, não foi consciente, foi verdadeiro todo o esforço, todos os segundos que dedicava á tua maravilhosa e discreta magnificência. Simplesmente, anulou-se o feitiço que me deitaste quando te afastaste. E reconheço agora, queria tanto ter-te por perto, desesperadamente, tanto medo em perder-te , que deixei que a magia atingisse o seu extremo e quebrasse. Agora não sobra nada.
Sempre tive, possivelmente, esta leve consciência de que era um sentimento puro e bonito, de que era uma magia estranha e azul a dominar-me. E sempre soube que terminaria. E que tu morrerias assim. Sendo o teu rosto perfeito apenas mais um.
Reconheço-o, agora, apenas, agora, que nunca te deveria ter dado tanto, foi tudo de coração e intencional. Simplesmente, não existe em mim.
Conviveste e dedicaste o teu precioso e frágil tempo a alguém, que no teu mundo exuberante e cristalino, não existe.

Tuesday, March 31, 2009

Quebra

Foi o primeiro momento em que foste indiferente, em que a tua ausência não provocou o ardor doloroso de uma memória doce assassinada.
És uma escultura bela, branca, cheia de pequenos nadas. Nadas para mim, todo o teu ideal é intrinsecamente estranho ao meu, estivemos sempre condenados. Mas foi, de certa, forma, amor; e foi verdadeiro, ou não teria havido sacríficios negros. Todo o branco inspirador , toda a transparencia cristalina que me deixaste reflectir-se-à eternamente na minha vida. Contínua e Indefinidamente.
Lamento, lamento até hoje, que te tenhas tornado só isso - restos do resto da memória. Não mostraste o movimento ondular que me permitiria ver-te como uma escultura cheia de outros nadas ( nadas meus...).
De certa forma, desculpa-me esta exigencia sofrida .

Saturday, March 28, 2009

Mas

É o mesmo sítio e as paredes guardam os nossos segredos, todos os gestos inférteis durante tanto tempo. Sim, quase tornaste tudo inútil pela tua fraqueza. Ou pela tua luxúria, também, que importa? Não te distinguiste da multidão o suficiente e não te basta a minha fé de que és um outro tipo de barco sem rumo. Lamento.
É o mesmo chão, tantas vezes pisado; oiço-te e oiço-me, oiço o que nunca dissemos; oiço o tempo que já não temos. Ecos de uma fé romântica, mas a janela tem aprisionada a minha saudade e agora está trancada. É o mesmo sítio , até os mesmos pregos e os mesmos buracos. Mas nos já não somos os mesmos, o som mais alto é o lugar vazio deixado por ti.
E tudo o resto e silencio duro e profundo. Porque é o mesmo sítio mas os teus olhos são só os teus olhos , apesar de toda a minha saudade , aparentemente banhada por uma indiferença dourada.


Friday, March 27, 2009

Clarificar

Não é que te queira magoar. E não é que seja crueldade da minha parte. Simplesmente, já não és importante e não existe tempo para esta hesitação ridícula. Tens o lugar vazio que deixaste , que te pertence, que nasceu para ser teu. E tens a chave do quarto negro cuidadosamente trancado. Só morres porque queres. Pelo menos , durante estes dias de Primavera inspiradora.
Já não te consigo proteger, nem de mim. E não é que tenha o coração duro como a pedra. Mas não me podes pedir para ignorar o que os olhos viram, oque os sentidos percepcionaram. O teu falhanço. Comigo, contigo, E a minha suave decepção. Porque foste apenas mais um na forma e no acto de errar.
E isso afastou-me de ti. Existe no teu ser todo um fracassar típico do ideal que despreza o azul da minha filosofia.

Thursday, March 26, 2009

Recusa

No fundo, é porque não tens romantismo, não és idealista,dominas talvez a arte da ilusão mas não a de encantar. Sim, no fundo, é por isso que confiei em ti, sabia que me não deixarias arrastar numa tristeza melancólica, alimentada meigamente pela tua memória.
O meu romantismo ingénuo teve-te como um deus mortal e humano porque não te via diferente, mas via-te especial e foi por isso que foi a ti que confiei a minha ultima lágrima – e a mais nenhum outro. És realista, logo tens facilidade no assassínio da dor.
Fomos cúmplices nas diferenças. Foste tudo o que precisei. Mas nunca disseste quem vias quando me olhavas e agora que partiste já não existe razão para me lembrar de ti.
No fundo, é porque nunca foste romântico e eu confiei-te o assassínio da minha expectativa benevolente, de uma ligeira ingenuidade. Devo-te, apenas, o adeus que recusas ouvir.

Wednesday, March 25, 2009

Moonlight

Ainda te devo algo. Nos teus erros humanos, por caprichos magnânimos e vazios ou tristes e angustiados, fizeste-me recordar Beethoven, obrigaste-me a pisar , débil e ridiculamente os seus passos, parte do seu sentimento, ou mesmo a sua dor.
Porque também eu te dei a música. Também tu a ignoraste, como ela, a mulher surda que trocou o som do piano por outro qualquer conforto. A pergunta é: soubeste, alguma vez, que a música era tua, para ti ? Sentiste a minha dádiva mais profunda? Ou foste surdo, caprichoso, barato e comum, como a mulher?
É uma pequena curiosidade, uma duvida que sempre me acompanhou .Mas que fazer, a música nasceu de mim para ti, mesmo que a não mereças, ela continua a ser tua.
E isso é que é verdadeiramente triste. Mas, aproxima –me de Beethoven. Ao menos, ao revelares-te sujo , barato e banal, aproximas-me de um génio.

Mas é uma alegria sofrida , o resto de uma felicidade que ruiu. O único consolo de um vitorioso que conquistou uma derrota . Porque a música pertence-te.

Tuesday, March 24, 2009

Diferenças

Talvez nem nunca tenhas sido frágil. Mas eu vi a tua quebra interior, não me posso deixar corromper pela raiva surda e angustiada. O objectivo é a harmonia interior, estar em paz com a perseguição da sombra, não te posso odiar. Talvez não sejas suficientemente valioso para um ódio ou talvez seja uma questão de amor.
A diferença é nenhuma. Porque eu fui frágil .E quebrei. A raiva desmedida simplesmente não faz sentido, quero compreender-te, quero limpar o meu espírito; quer tenha sangue ou não, precisa de ser restaurado. Porque o objectivo é a existência simples e alegremente triste (não tristemente alegre).
Talvez esta seja realmente a ultima despedida, o momento em que sei se quebraste ou não, a fracção de segundo que me diz se afundaste a minha crença em ti com desprezo ou se não sabes que a tenho. Mas depois disto, a tua memória é apenas mais uma e tu sabe-lo. Estás por tua conta.
Eu já me libertei de toda e qualquer culpa que, gentilmente, possa ter.

Saturday, March 21, 2009

Lutas

As estrelas no dia em
Que morreres
Fundem. E choram
De mansinho.

Dependem de ti, esforça-te
O vento é manobrável.

Olha o céu. As estrelas
Não estão la.
Acorda.
E reage. Não
Morras assim.
Não renegues
O coração.

Range os dentes e luta
Pelo teu direito de seres triste
E seres as estrelas
Do céu nocturno
Ou elas morrem.
Fá-lo agora ou será tarde de mais

Morrerás de dentro
Para o céu.

Friday, March 20, 2009

Alívio Triste

Finalmente acabou. Prolonga uma dúvida que retire o sono de noite na linha que separa o coração do cérebro e vais ver que o fim, mesmo o fim duro e cruel, é um alivio. Um alivio triste, porque acabou. Mas a linha alcançou o fim e explodiu, a inércia foi quebrada. Bom ou mau, o caminho foi-te dado.
A razão, a génese é importante claro. Está em causa a honra de uma existência, uma certa veracidade da memoria. Não levarás esse julgamento de animo leve, porque gostavas e apesar de tudo, quando se gosta é-se honesto e imparcial em certos momentos. É por isso que ainda tens uma oportunidade de singrares entre o sangue sacrificado e a lua negra, porque te esforças por compreender. O teu eu e o outro.
Finalmente acabou e sabes que perdeste quase um dia da tua vida, e perderás mais no cumprir do luto. Mas não importa se o luto que cumpres pela dor que sofres é merecido: tu tem-na, ela sim, existe. A crise já chegou, mas enquanto viveres terás a hipótese de te restabeleceres. Por ti.

Thursday, March 19, 2009

A Confissão

Sempre esteve cá, esta tristeza, aquecida e aconchegada. Desculpa, os meus demónios são os amigos mais íntimos de uma existência nómada e errada. Sedentarizar é perde-los e perde-los é a consciência de que o amor que tenho a esta liberdade melancólica e negra já não é suficiente. É admitir que existe algo mais amado que a própria liberdade.
Sempre fui incapaz, sempre me senti incapaz. Mas tu eras um jardim verde cheio de rosas azuis, rosas da eternidade e do pacifismo interior. Não havia nada tão azul, tão puro, tão profundamente ligado a um amor fundo como o jardim de rosas azuis. E agora foi tudo queimado.
Pedoa estas tristezas, estas palavras duras , estes gestos quase indiferentes a uma vida reluzente. São todo o coração que tenho , tudo o que sobrou depois da tua partida.

Monday, March 16, 2009

Vazio

Tudo será esquecido. Com velocidades e proporções diferentes, más memórias perdem a sua intensidade angustiante e as boas lembranças são gaivotas marítimas balançando numa onda de mar ao pôr-do-sol. Não deixa de fazer pensar, a facilidade com que a gravação sensitiva desaparece da nossa pele quando deixa de haver continuidade no tempo. Todas as guerras, todas as pazes conquistadas servem para isto: para conseguires esquecer e ultrapassar, continuar a tua existência apesar do resto, apesar de do tudo e apesar do nada.
É esta a conquista verdadeiramente vazia, a que nasce por uma razão legítima e boa mas que conduz ao caos, à desordem, à conquista sangrenta, à sobrevivência e à glória de uma existência. É uma filha ilegítima, abandonada e rejeitada, desprezada. A sua presença no calcário que escorre da vida simboliza todas as feridas inúteis.
Mas tudo será esquecido. Até te esquecerás de te lembrares do que sentes falta. É tudo em vão. Todo o sofrimento.

Friday, March 06, 2009

Sonho

É como se não pertencesses a este mundo, como se fosses um sonho bonito e azul tido durante varias noites quentes e adocicadas. E é como se me tivessem acordado de mansinho, um bocadinho cada dia; como se ainda me estivessem a acordar agora. E o sonho vai-se dispersando no calcar duro de cada dia, nos problemas que constituem a realidade. Porque realidade é isso, consciência absoluta de um problema e imaginação para o resolver.
A tua memória é tudo o que tenho guardado de bom, é o melhor que sou. Começa a desaparecer, como um sonho é esquecido durante as horas de clarividência diurnas. Acrescenta um certo tipo de desespero humano à dor da tua ausência profunda. Porque um dia, simplesmente, não farás mais falta.
Em certos reflexos, a morte é quase uma bênção.

Wednesday, February 25, 2009

Carta do Solitário

O mundo tem culpa, aliás é ele o verdadeiro responsável. Não que importe, acabou, que mais posso eu fazer? Nem tu podes alterar coisa alguma.
Um dia voltarei a ver o teu sorriso , aberto e simples. Não será perto de mim para o sentir como dantes. Estará lá apenas a minha sombra para contemplar a tua grandeza modesta, para garantir que o amor terminou. E um dia talvez até te esqueças de mim, como o vento que nunca se acomoda num lugar especifico, tudo o que te quero é felicidade. Como o coração é o de Orfeu, desdenhei a Eurídice para a não ver morrer.
Mas nunca eu me vou esquecer de ti, do teu perfume, do teu passo leve. Permaneces aqui comigo, sempre. A tua memória tão suave e fresca magoa-me porque a perdi.
Perdi. E não ha nada a fazer. Nada tenho a perder, tudo o que me importava partiu com o vento. Acabou e esgotei a minha última lágrima inutilmente porque não ta dei.

Monday, February 23, 2009

O Erro

Antigamente, a consciência de errar era dura, saber que se falhou algures. O desejo concentrava-se todo na fuga ao erro.
Mas agora não. O erro é o teu maior sonho, trocarias tudo por esse erro teu, tão pouco tu, tão pouco Ricardo Reis ou mesmo Alberto Caeiro. Falharias, fracassarias, entregarias tudo, todos os pedaços de pele a esse desejo; procurarias o suicídio, exporias as cicatrizes feias, entregar-te-ias à miséria e às lágrimas cavadas só para poderes concretizá-lo indefinidamente. Não é possível, a segurança provoca-te o sorrir mas é vazio. É tudo vazio. Estás vazio.
Sonhas à noite, o pesadelo surge quando não falhas. Queres errar, queres estar perto de novo, fazer a loucura que põe em causa toda a tua existência. Mas até esse sofrimento te proíbem.