Fiz aquele caminho, um que já tantas vezes fiz. Mas não com
aquele propósito, dantes procurava uma qualquer novidade crua , uma qualquer
encruzilhada que levaria a uma descoberta e, agora, procurava meramente uma
livraria. De tantas vezes que fiz aquele caminho, fi-lo sem o fazer, uma
mudança de perspectiva é, em certa medida, uma mudança de olhos (mas não da sua
cor).
Mas por ser aquele mesmo caminho, ou por estar a ouvir
aquela música, ou pelo céu deixar antever o Sol de Primavera que há de, enfim, chegar, dei por mim a
recordar-te. Sou homem feito, meu amor,
não vivo tranquilamente com coincidências, o caos é a desordem e eu atribuo ( e atribuo-me) sentido a cada
ínfimo instante; pensar em ti, fora do meu propósito, há de ter um.
E, talvez por isso, passei a sentir não esta Primavera que
está por vir mas essa que já passou e, a música, esta música, tornou-se em
aquela tua música, mesmo que nunca a tenhas ouvido. Abriu-se , com o Sol de
agora vindo de uma Primavera passada esse (aquele) único lugar em que te amo e
onde ouvimos esta música (mesmo que nunca a tenhamos conhecido antes). Abriu-se, no presente, uma fenda onde vi
distintamente o passado, esse único lugar onde te posso amar ,de onde esse amor
brota de meu peito. Abriu-se neste mesmo
espaço um outro e eu nem senti um mínimo vento de saudade tua , a Primavera
ainda está por chegar vinda de um passado que mal recordo.
Mas qual é o sentido de um amor onde o Amor já se ausenta há
tanto tempo? O tu a que me refiro é, em certa medida, abstracto. Nem é o teu tu
do meu passado nem o do presente , que aqui não estás. Aliás este (aquele)
caminho é só mais uma rua que escolho entre tantas e, por mais que opte por
esta rua, não mais te vi. Não está já na esfera do meu sistema de desejo ou de
satisfação, o Sol que quer vencer o escuro do céu, já não te ilumina, já não é
o teu tempo.
É o tempo da música desta que eu ouço e que tu nunca
ouviste. É o tempo desta música , tem o teu nome à força de me recordar todas
as Primaveras. Apesar de não ser este o teu nome e as nossas Primaveras terem
sido – vejo agora – incompletas. Mas é o
tempo desta música que tem em si todos os nomes porque fala de todas as
Primaveras.
David Brubeckt Quartet, Maria, Versão Instrumental de Maria da Banda Sonora de West Side Story.