Thursday, July 26, 2012

"Adeus"


A arte sempre foi dele, esvazia o conteúdo das palavras na sua escrita persuasiva, oferece ao piano a melodia ternurenta de um pequeno conto inspirador, de uma pequena história para crianças que só faz sentido se os adultos a compreenderem. A arte sempre foi dele, toda aquela doce loucura que ampara e protege, dá abrigo na sua credibilidade.
Mas ele perguntava-te, perguntava-te, entre o alcool e o cigarro, depois disto tudo, o que é vem? Seguravas-lhe a mao, depois vinha o amor. Mas esgotaste esse gesto à força de não compreenderes a pergunta existencialista dele.  Esperou sempre por ti, mesmo sabendo que nasceste atrasada, esperou por ti sempre, firmemente, sem um traço de hesitação na postura, sem um esgar de irascibilidade como se conseguisse o feito de te amar pelos teus defeitos sem, verdadeiramente, os ver. Mas depois perguntava-te, perguntava-te, depois disto o que é vem? E tu respondias que vinha o amor e apontavas para o relógio , dizias-lhe que o tempo ainda é jovem, os minutos seriam segundos até ao fim. Mas esgostaste todas as ruas nesse afecto à força de queres não compreender o que ele te estava a perguntar, algures, tornaste tudo inutil, até o tempo era oblíquo no horizonte.
A arte sempre foi dele, amava-lo pela sublime forma como toda a essência, todo o amor, todo o sentimento lhe douravam na pele que ele transpunha obedientemente para uma folha de papel ou para as teclas do piano. E sentavas-te a ler ou a ouvir e amava-lo por veres nas suas obras toda a beleza dele. Mas ele perguntava-te, perguntava-te, depois disto o que é que vem? Um dia, esta pergunta cortou-te o coração, invalidou-o, já la estava o teu amor, sentiste o frio  a congelar-te o corpo : onde estava o dele? Mas ele perguntou-te novamente, depois disto o que é que vem? Vem a eternidade, a eternidade até a morte, a tentativa de felicidade todos os dias. Mas ele perguntou-te de novo, não entendeste a pergunta, zangaste-te. Ele não percebia a resposta.
E, depois, um dia ele comprou um bilhete, um pequeno papel que lhe dava a ida sem regresso algum. Pensou em ti, pensou como esgotaste a tua mao a força de a apertares contra a dele,  esgotaste as ruas numa espera que perdeu significado, gastaste o proprio tempo. Gastaste o amor dele. Olhou para o bilhete, sorriu e pensou : e depois disto, o que é vem? E despediu-se de ti, o amor é inutil no passado, a sensação é válida enquanto dourar na pele. Guardou o bilhete no bolso e disse-te adeus.



Inspirado em Adeus, de Eugénio de Andrade

1 comment:

Alice in Wonderland said...

"os minutos seriam segundos até ao fim."

<3