A arte sempre foi dele, esvazia o conteúdo das palavras na
sua escrita persuasiva, oferece ao piano a melodia ternurenta de um pequeno
conto inspirador, de uma pequena história para crianças que só faz sentido se
os adultos a compreenderem. A arte sempre foi dele, toda aquela doce loucura
que ampara e protege, dá abrigo na sua credibilidade.
Mas ele perguntava-te, perguntava-te, entre o alcool e o
cigarro, depois disto tudo, o que é vem? Seguravas-lhe a mao, depois vinha o
amor. Mas esgotaste esse gesto à força de não compreenderes a pergunta
existencialista dele. Esperou sempre por
ti, mesmo sabendo que nasceste atrasada, esperou por ti sempre, firmemente, sem
um traço de hesitação na postura, sem um esgar de irascibilidade como se
conseguisse o feito de te amar pelos teus defeitos sem, verdadeiramente, os
ver. Mas depois perguntava-te, perguntava-te, depois disto o que é vem? E tu
respondias que vinha o amor e apontavas para o relógio , dizias-lhe que o tempo
ainda é jovem, os minutos seriam segundos até ao fim. Mas esgostaste todas as
ruas nesse afecto à força de queres não compreender o que ele te estava a
perguntar, algures, tornaste tudo inutil, até o tempo era oblíquo no horizonte.
A arte sempre foi dele, amava-lo pela sublime forma como
toda a essência, todo o amor, todo o sentimento lhe douravam na pele que ele
transpunha obedientemente para uma folha de papel ou para as teclas do piano. E
sentavas-te a ler ou a ouvir e amava-lo por veres nas suas obras toda a beleza
dele. Mas ele perguntava-te, perguntava-te, depois disto o que é que vem? Um
dia, esta pergunta cortou-te o coração, invalidou-o, já la estava o teu amor,
sentiste o frio a congelar-te o corpo :
onde estava o dele? Mas ele perguntou-te novamente, depois disto o que é que
vem? Vem a eternidade, a eternidade até a morte, a tentativa de felicidade
todos os dias. Mas ele perguntou-te de novo, não entendeste a pergunta,
zangaste-te. Ele não percebia a resposta.
E, depois, um dia ele comprou um bilhete, um pequeno papel
que lhe dava a ida sem regresso algum. Pensou em ti, pensou como esgotaste a
tua mao a força de a apertares contra a dele,
esgotaste as ruas numa espera que perdeu significado, gastaste o proprio
tempo. Gastaste o amor dele. Olhou para o bilhete, sorriu e pensou : e depois
disto, o que é vem? E despediu-se de ti, o amor é inutil no passado, a sensação
é válida enquanto dourar na pele. Guardou o bilhete no bolso e disse-te adeus.
Inspirado em Adeus, de Eugénio de Andrade
1 comment:
"os minutos seriam segundos até ao fim."
<3
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