Procuraste-o incasavelmente e um dia encontraste-o. Ah, a
beleza dele era algo de extraordinario, a mistura homegenea entre o ser e o
saber ser, o controlo e a genuinidade, a perspicácia entrelaçada com uma fé
inabalavel. Ele era extraordinariamente belo na forma como o rosto era o
reflexo do mundo, dele proprio, do passado que existiu e aquele que devia ter
existido mas que foi cortado pelo futuro que ele insistia em ser. Ah
procuraste-o e um dia encontraste-o, sentaste-te com ele, compreendeste Neruda
e procuraste mais poemas e ele olhava-te e sorria-te na cumplicidade. Ele, um deus
discreto humano, exótico e mordaz, ambivalente em todas as esquinas de todas as
decisões. Tornava a vida real porque era livre, livre até da probabilidade, do
que era esperado.
Nas tuas mãos repousa o livro de Neruda, lês o poema mas não
o compreendes ou compreende-lo demasiado bem, é quase o mesmo. Lês sem ler
porque não te ajuda, não te ajuda a conseguires existir mais pacificamente. E,
bem no fundo, não lhe dedicas ódio nenhum, apenas querias que ele ficasse. Mas
ele era imprevisivel, uma potência de vida calma sempre em movimento contínuo
que, quando se aborrecia, esvaziava os afectos dos bolsos e, simplesmente,
ia-se embora. Como se não importasse porque, bem no fundo, nunca lhe importou.
Procuraste-o incasavelmente e quando o encontraste e ele
deixou que o amor se instalasse, tu foste esse ser. Livre, extraordinariamente atraente
na forma como existias e sabias existir, o amor é o mais alto narcisismo. Não é
que o odeies, simplesmente, ele roubou-te esse reflexo que tinhas no espelho. Podes
escrever os versos mais tristes mas não consegues, não queres, esta não é a
ultima dor que te causa, roubou-te a tua propria beleza quando se foi embora. E
seguras o livro de Neruda e, subitamente, apercebes-te que o amas , que o amarás
sempre, ele era um quente deus humano. Vai-te sempre causar essa dor, o reflexo
dos olhos dele que nunca mais vais te, a visão da mais alta potência de vida.
Simplesmente, amaste-o.
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