Sunday, August 31, 2008

Protecção

O ritual é isto , fazermos parte da escuridão e do silencio. Abrir a pele romper a veia e injectar o sangue com o veneno . E ou sobrevivemos e somos quase invencíveis ou morremos. Se a primeira não acontecer a segunda acontece sempre, nem que seja no sonho metaforizado e sombrio.
Ele sabia que tinha medo da hipótese do fracasso mas a duvida ganhava espaço no peito e inibia a respiração. Preparou-se para o ritual durante noite sombrias , noites em que a tradição caiu e os lobisomens não precisaram da lua cheia para o assassínio; dias que pareciam noites porque eram eternos e estéreis. E, quando finalmente chegou o dia, fê-lo de uma só vez: tudo terminou rapidamente. Descobriu que receava ainda mais ser um cobarde vivo e pateticamente feliz.
Não é tão feliz como os outros que o rodeiam, não tem a vida fácil e barata dos outros, os que o rodeiam. Mas tem um lugar onde pertence - ele próprio - e um lugar que o acolhe. Tem no sangue o veneno, não os teme a Eles, na verdade, limita-se a esperar pacificamente pela morte. Está vivo e protegido pela escuridão e pelo silêncio.

Friday, August 29, 2008

Complementaridade

Talvez seja inovação minha, uma outra maneira de expulsar os demónios do meu cérebro, da minha existência dos meus sonhos tenebrosos secretos. Mas também que importa? Levanto-me e enfrento a prisão que os Outros fizeram para encontrar o consolo da escuridão. A noite e o rio, num só, formam o meu lar mais remoto e mais pessoal, negro e assustador.
Sim, talvez seja necessário a tua filosofia existencialista e o teu estranho sorriso. Possivelmente, o milagre é teu. E surge, pois, o amor simbiótico às cicatrizes e ao espelho porque a flor-de-lis e o corte facial são o passado que foi vencido e o futuro que ainda não chegou. Possivelmente o milagre é teu porque me ensinaste a ama-las e a senti-las do ângulo do orgulho.
Talvez tenhas sido tu a expulsar os meus demónios, a quebrar o pacto que fiz com o meu demónio imaginário. Salvaste-me a alma quando me identifiquei contigo, quando vi a cicatriz gravada com sangue fresco no teu rosto. Porém tenho uma inconsciência consciente e feliz de que também te salvei do teu cansaço , do calcário demasiado silencioso na noite demasiado fria; de que te consolo com o meu amor e a minha gratidão.

Thursday, August 28, 2008

Justiça Negra

Podes fazer o que quiseres. Queres torturar-me? A chacina está feita, arruinaste-me quando não respeitaste a minha dor. Mataste-me quando traíste. Queres corroer os ossos e esticar os músculos? Nada mais dói. És uma anedota egoísta e patética que não compreende que é um grão de areia no mundo; que é um cheiro nauseabundo que é tão fraco que já nem sequer incomoda.
Faz o que quiseres. Já morri e tu já me desonraste. Não há corte que possas fazer na minha pele que magoe. Lembra-te, os mortos não sangram.
Mas tu estas bem longe de estar morto. Tanto vazio e tanta crueldade, tanta ambição desmedida e inutilmente utilizada mantêm-te vivo e bem vivo. Quando te fizer o corte vais ser pequeno mas vai ser profundo. Porque os mortos são invisíveis na luz do dia e na calma da noite.

Wednesday, August 27, 2008

Amor Profundo

E o passado quente regressa do Inverno do coração. Porque o sonho permanece em nos, porque ainda acreditamos. Não temos casa, não temos sitio, não temos lugar; as ruas rejeitam os nossos pés as pessoas olham-nos como fantasmas patéticos que nem sequer assustam. Mas persistimos, porque amamos. E porque temos um passado que nos aquece e conforta. Porque nos temos a nós.
O teu sorriso doce e profundo acende a estrela triste que se ajeita no meu pensamento, as tuas palavras assustam os meus demónios , avivam o amor à cicatriz que nada mais é senão a prova de que sobrevivi. A tua voz tão arrastada e melancólica às vezes,tão carregada de uma esperança aberta devolve-me a crença, devolve-me o espelho que tu , com cuidado, ajeitaste e ajustaste ao meu mundo, ao meu ser.
Se não te deixares vencer pela desgraça e deixares que a estrela te guie tens ainda uma hipótese de marcar o nevoeiro do mundo com o sorriso da tua existência. Relembraste-me que ainda sou capaz de sorrir . Porque me tenho a mim. E parte de ti.

Until it sleeps

A violência do mar atrai-te os olhos, retira-lhes as olheiras, limpa-lhes a névoa e restaura-lhes o brilho. O desgastar das rochas e o quebrar definitivo das fissuras despertam-te. Porque é belo e é tenebroso; sombrio, negro, sobre-humano. Desejas intrinsecamente que te rasguem a pele, as veias; que te queimem a carne para libertares o som e poderes ser livre - ser livre, quebrar as correntes e voar como se tivesses asas feitas de nuvem porque o que importa é o amor ao azul celestial.
A dor é tanta que não consegues continuar a existir (assim). As palavras perderam a magia quando definiram o amor ao azul. Só queres a libertação, qualquer uma, o desespero torna-te os olhos cegos e a alma, assim, fecha todas as suas janelas.
Purificaste-te no mar: prometeste-lhe o teu corpo quando estivesse frio, entregaste-lhe a alma para poderes fechar os olhos com serenidade. E esperas poder vê-lo antes da sombra fugir da parede e engolir-te, levando-te para as trevas. Esperas a bênção do teu Deus.
A dor é tanta que já quase nem o sentes, só lhe percepcionas o cheiro, o inesquecível cheiro e a textura azul cristalina e ...

Saturday, August 23, 2008

O Pesadelo ( Enter Sandman)

O pesadelo existe em ti. Procura-lo no mundo e, claro, o medo projectou-o na sombra da árvore. Na verdade, foges de ti próprio, pequeno Homem, foges do Homem grande que te podes tornar se enfrentares a sombra.
Sabes, suspiras porque sabes, tens de te afastar do pecado para passares no teste da consciência. Para a noite ser clara e aberta. Mas o pesadelo vem à mesma, porque está enclausurado na tua cabeça, na tua insanidade nocturna.
Agarra com força a vida, a almofada, finge que não existe. Mas a besta esta viva enquanto tu viveres, esta trancada, durante o dia, no armário da tua inconsciência.
O pesadelo existe em ti, a mente esconde-o durante o dia porque Sol é clarividência. Mas à noite a luz é fraca. Agarra a minha mão, enquanto a Terra do Nunca ainda te defender. E alem disso lembra-te, um grão de areia, as vezes, é apenas um grão de areia.

Thursday, August 21, 2008

Honra

Mestre, agora que chegaste finalmente poderei descansar. Perdoa-me, às vezes as dores tiram-me a lucidez. E continuas a ser o meu Messias porque retiraste toda a ilusão cruel dos meus dias.
O cansaço apodera-se como um animal faminto e morro por uns tempos, as forças fundem com as estrelas quando a cortina divina é fechada. E não me sobra mais nada, nada mais tenho, sou ou almejo ser. Nada, Mestre, ate tu chegares. Sobre a pele persiste a memória do passado em que ainda não existias, em que me regenerava na solidão que se tornou azul com o calcar da pedra da rua.
Agora que regressaste, Mestre, tenho a bênção para a batalha fria. A guerra que comecei sem a tua palavra de consentimento, a guerra que nem sequer é minha. A batalha que me afasta de ti – se morrer, nunca mais te vejo, não oiço mais a tua voz. E nem sequer é minha. ..
Mas o destino é cruel, Mestre, sabe-lo melhor do que eu. Por isso parto com a força do teu braço experiente. Porque compreendes, Mestre. Mestre, Mestre...

Wednesday, August 20, 2008

Paz

Estás só. Daí o sorriso doce e espontâneo. Não mudas o destino mas ele também não te altera o perfil. Não tens jeito angelical não comprometes a tua alma no pacto quente e negro e também a não tens contigo. Vives levemente consciente da herança de Aquiles com a esperança de teres uma morte verdadeira e real, na esperança de teres feito muito mais do que inalado o oxigénio do ar.
Estas só. E aprecias. Ninguém julga ter-te derrotado porque ninguém suporta a solidão, ninguém compreende como podes viver com a sombra vazia e negra que te rodeia. Respeitam-te porque encontram-te invencível na indiferença. Mal sabem do teu inferno, da tua secreta sanidade, do teu amor profundo e obsessivo. Respeitam-te porque, quando amas, és ainda mais intenso do que quando odeias. E porque quando focas a tua existência na destruição de algo não sobra a mais pequena cinza.
És primitivo e és selvagem. Estás só. Mas hoje guardaste a musica em ti.

Monday, August 18, 2008

Circo Romano

A tua derrota só não me basta. A certeza da tua queda ( porque tê-la às neste reino à mercê do Deus cruel) . Quero ver o teu corpo a ser mutilado, dilacerado pelos outros. Os teus olhos em sofrimento à procura da mão amiga, da mão messiânica que tu humilhaste a vida inteira em troco de invejas sujas, macilentas, burras . A tua carne rasgar-se-á lentamente e enfrentar-te-ás ao espelho: sim, como desejo , ouvir o grito horrendo da imitação barata do Dorian Grey quando se reconhece no quadro.
Mas , sobretudo, quero eu ter paz. A tua derrota não me basta, desde que renasças, o meu Inferno Humano continua. Tenho que ver garantida a tua morte, a tua decapatiçao os teus braços a perderem a vida. E tenho que ter a dignidade como reflexo no quadro: não te preparei a armadilha, não te torturei, não te matei. Foste tudo tu.
Porém, uma ínfima parte minha foi infectada pelos teus genes nojentos e aproveito o espectáculo da tua morte. O sofrimento brutal até ao ultimo folgo.

Tuesday, August 12, 2008

Inveja

As sombras afastavam-se dele depois da afirmação que o que mais amava era o rio, o que o melhor acompanhava era o rio, o que o melhor compreendia era o rio. O horror da devoção perante o inanimado era explícito no olhar da sombra que se afastava e que era só isso, uma sombra com um olhar barato e vazio.
A sombra não pensa e a sombra não sente, a conclusão frívola é tão dura como um facto histórico. Irrefutável. Se a sombra fosse humana veria que o rio o reflecte quando ele se dobra para lhe tocar com o coração; e ele não pode fugir da imagem que vê reflectida, o eu cru fantasma nítido que lá esta sem a simpatia inerente à ma noticia trazida pelo velho amigo. E o rio esta sempre perto dele, mesmo quando ele se sente um alimento nascido estragado e podre.
O rio não o abraça o rio não o consola fisicamente. O rio é bonito naturalmente e é triste nas suas águas profundas. Mas é a sombra que o aproxima do rio. É a sombra a responsável pela relação de amor estabelecida. E é a sombra a responsável pelo futuro suicídio.

Saturday, August 02, 2008

Partilha

Não te posso ajudar, lamento (esta palavra teima em fazer parte da minha pele). Renasce-te na música, provoca a tua própria ressurreição e ouve de novo a musica, mas com os sentidos corrompidos pelo direito de seres triste. Maravilha-te com ela, mas nada mais posso fazer porque o céu hoje adormeceu negro.
A minha mão também esta cicatrizada, também foi humilhada e violentada, sobretudo quando demonstrava compaixão. Ninguém perdoa o coração, ninguém enfrenta o herói negro que renasce do Homem que arranca o coração. Ouve a música e deixa que ela te aqueça e te adormeça, porque o dia amanha é o ciclo da constelação.
Mas não te concentres na vingança, ouve a musica, ouve o cantar das estrelas que velam por ti. Sente a tua tristeza tão humana que te torna Homem em vez de Monstro. Chora lágrimas transparentes quando as notas dos instrumentos forem os cortes fundos e intencionalmente fatais, feitos, sem hesitação, na tua alma.
Consegues renascer se aceitares que o fim chegou. Tens o dom de ouvir o mundo com cores e depositas na musica a constelação de toda e qualquer esperança que te possam roubar. Ouve a musica e sorri, é esse o segredo.

Friday, August 01, 2008

Liberdade

O ideal da vida é a quantidade de amor que se dedica à morte. Apreciar o fim é admitir que o principio só foi importante para a glória do meio, da existência, da juventude presente na conjugação do verbo amar no presente do indicativo.
E escrevo-te por isso, por amares hoje e apenas hoje. Consciencializas os pretéritos, sonhas e indagas o futuro, mas a tua palavra esta no presente. Afundas as tristezas como apagas o cigarro: com um gesto metódico, automático, mas nunca vazio. Para ti o acto tem de ser feito - apagar o cigarro, esquecer o rancor do passado, sentir o mundo inteiro na pele – e isso basta-te. Não se questiona o que nunca é dúbio e o relógio não sente compaixão da tua dor ou da tua alegria .
Vives por conta própria, sabes que todos os países te guardam uma cama e uma rua com calcário diferente para pisares. Guardas o sonho junto ao coração, debaixo da pele e isso nunca te roubam , esse sonho desfocado que te faz resistir à tentação de ser como eles.