Thursday, July 31, 2008

A Crença

Agora que a chacina terminou talvez descanse nos teus braços melancólicos e marítimos. Talvez lhes sinta o sal e a tristeza da lágrima crucificada. Talvez te mostre a vida que ainda há nos meus - sangue jovem, carne fresca, pele rasgada – e te relembre como o céu é a continuação infinita do reflexo do oceano.
O cansaço apodera-se do universo, o céu torna-se roxo em vez de ser decorado com pontos brilhantes dourados e estamos sós, partilhamos a solidão apenas, a existência abrupta, errada e nómada. Não somos mais do que nómadas que, de vez quando, procuram tornar a caverna fria e primitiva numa casa. É daí que vem a chacina, é daí que germina a nossa tortura, do ridículo que somos quando nos tentamos civilizar, sedentarizar. O mundo, verdadeiramente, não tem lugar para nos.
Porém, há alturas em que o filósofo ressoa no teu ser e uma esperança sombria nasce do teu sorriso aberto e raro e convence-me que somos uma parte ínfima das peças mais importantes do jogo de xadrez.

Tuesday, July 29, 2008

Ride the Lightning

As fotografias estão gastas, sujas, são parte do pó geológico. Que lhes aconteceu? Que te aconteceu? Envelheceste, de repente, aceitaste a morte, fechaste os olhos, e sentiste na pele a textura azul e espumosa do mar. Resume-se tudo ao modo como encaraste a tua morte, que está sempre para breve. Temes apenas o fim, o ultimo fim que é principio do vazio e do nada quando a Cruz é um pedaço de madeira manchado de sangue humano inocente, apenas.
Admites o inegável – não queres morrer, agora. – mas receias ainda mais o começo. O Inferno assusta-te menos que o Paraíso porque tens-lhe hábito. E a perfeição banca e angelical incomoda-te porque és resultado do fogo sanguinário e da noite negra, negra sem estrelas. Fechas os olhos de novo, vives para admirar a constelação e sabes que a amas mais que qualquer outro Ser; e compreendes que nunca a poderás ter porque Deus assim o ditou. Nao O odeias mas reconheces-lhe na face divina a metade sombria infernal.
Está tudo gasto. O que não esta hoje, estará amanha. E um dia, os olhos fecharão para relaxarem o corpo do cansaço de uma vida inteira .Não será a morte momentânea que estas habituado. Não será uma disputa com o Deus que não tens. Será o tempo da Morte, que durante todos estes anos, nunca te abandonou , foi-te sempre leal. E por isso os olhos encerrar-se-ão com serenidade e um sorriso cansaço.

Wednesday, July 16, 2008

Dream is my Reality

É absurdo, é grotesco e é lacrimoso mas as estrelas hoje iluminam-me, iluminam-te e iluminam-nos aos dois, juntos. A luz não é tão forte e tão aberta como a dos candeeiros urbanos mas não é violenta e não é artificial e , por hoje , talvez apenas esta noite, elas guardam-nos cuidadosamente, velando por nos em conjunto, unindo-nos e unindo-se a nos.
O resto do mundo é guardado pelos candeeiros citadinos. E o trabalho é mais eficiente – o sonho nunca os abandona porque o não têm, a luz é forte – e a morte só sai do seu lugar de sombra quando a idade quebra e mói os ossos. Nós somos primitivos e suicidas, recusámos os candeeiros e permanecemos leais ás estrelas e elas permaneceram fieis à sua constituição: não são humanas, nunca foram e nunca serão e nenhum Homem as possui ou modela. Temos noites vazias e noites geladas sem orientação, bem o sei.
Mas não lembres isso, transfere-me o teu sofrimento e o teu grito de rancor que as minhas indignações já foram afogadas e descansa o teu rosto nas minhas mãos. Esta noite as estrelas guardam-nos e eu velo por ti se tiveres pesadelos com noites contínuas e doentias sem Constelações.

Tuesday, July 15, 2008

Condenação e Salvação

Perdem todos tempo com amores inúteis e vagos. Baratos e curtos. Prometem o momento e cobram o infinito quando o segundo dura menos tempo do que o que a arvore-materna decidiu. Gastam-se em promessas vazias que são levadas pelo tempo. Durante toda a existência da humanidade as palavras foram dúbias e incompreendidas na sua totalidade.
Aborrece-me esta venda pouco rentável do sentimento e da integridade, aborrece-me o vazio e aborrece-me a ligação entre o amor e o rentável. Costumava incomodar-me a acusação de não ser como eles e de ser capaz de me ultrapassar, desdobrar a dignidade e quebrar a honra mas jamais vender o meu sentimento. Apontavam-me a honestidade intrínseca, o calor verdadeiro e humano, o derreter do gelo de dentro do coração projectado, posteriormente, no mundo. Julgavam-me porque não tinham habilidade e potencialidade para me condenarem . Auto desertei – me e pela primeira vez, eu e eles concordamos na palavra e ela teve um único sentido, com dois sustentos diferentes.
Tenho, nos momentos em que a Lua é estrangulada e não brilha na noite claustrofóbica, o alento de não ser como eles. E o dia seguinte, ou o que sucede ao seguinte, é sempre de céu azul aberto com tons levemente escuros e brilhantes.

Monday, July 14, 2008

Entra em Coma

Entra em coma, fecha os olhos e encosta os ombros aos espinhos - quanto mais depressa te habituares, mais depressa aprendes a sobreviver. Aprende a bloquear a dor e a ouvir apenas a música, controla a tua influência no mundo.
Deseja uma morte momentânea, que dure apenas um momento; o cérebro não pensa e o coração bate apenas fisiologicamente. Só és louco, insano, quando lhes deres ouvidos – os que organizam o inorganizavél e julgam modelar o Tornado. Por isso, descansa agora, irmão, enquanto ainda te tens a ti - sabes que essa relação poderá não durar ate ao fim se realmente enlouqueceres. Guarda o teu medo, enfrenta as agulhas e as facas agudas e concentra-te na música que musicaliza parte do teu código genético. Não os oiças, concentra-te na música que codifica e sintetiza toda a tua essência, todas as tuas noites frescas em que vês as constelações, a constelação, a que é tua e não os oiças, não és doido, não és louco. Nenhum deles sabe, nem nenhum deles alguma vez compreenderá o inferno na tua cabeça, a condenação espírita, o rasgar lento da carne. Fecha os olhos, relaxa os músculos – estás morto, de qualquer maneira; talvez, para eles, nem nunca tenhas nascido – e ouve a musica. Entrega-lhe a tua alma e inverte o Diabo do pacto: confia a tua essência á Música, tem origem divina.

Friday, July 11, 2008

Morte Distensiva

Devias ter acreditado mais. Devias ter insistido em levantar-te da cadeira de baloiço e enfrentado o mundo, devias ter abandonado essa posa tua suicida e característica de Pieirrot de eternização da lágrima cavada. Devias, devias, devias, devias...
Pergunto-te: porque me escolheste para assistir ao teu suicídio lento e geológico, porquê? Eu que tenho consciência da minha impotência mas ainda tenho sonho no sangue. A tua ultima gargalhada, audível e triste, expelida da tua boca como um alimento estragado e lixiviado, abandonada como um velho amigo traidor; largaste-a e, depois, encostaste-te á cadeira de baloiço e automaticamente ela balançou. Aboliste o teu lado humano, iniciaste o princípio do fim quando fechaste com cimento e tijolo as janelas do vazio da tua alma. Pergunto-te: porque é que não te levantas da cadeira e vês, de novo, que o sol ainda nasce todos os dias e não sais de casa e lavas o rosto e o espírito no raio de sol?
Baloiças a cadeira continuamente, depois da libertação da gargalhada viva que fazia do espírito morto moribundo, balanças a cadeira e os olhos já não são escuros, são vazios. Porque me fazes assistir ao teu suicídio triste e gasto, lento e gradual, consciente e claustrofobico? Sabes que é doloroso olhar-me ao espelho e ver metade de mim tornar-se difusa e progressivamente morta...

Thursday, July 10, 2008

The Unforgiven

Curar é um acto raro. E não é sinónimo de ultrapassar. Ele ultrapassou a crise existencialista – habituou-se á ideia de que nada é, nada será e nada foi. Apenas é, agora, neste segundo lunar. A mente disciplinou-se perante o novo ambiente lagunar e negro mas a alma ficou fragmentada, e limitou-se a sistematizar-se tristemente com a morte dos sonhos excêntricos que movem a vida.
Perdeu o brilho perdeu-se a si próprio. Ultrapassou e encontrou uma metade perdida e responsável. Só se tem a si próprio, é um Narciso ainda mais triste porque o lago é a sua única casa. É um Narciso que só se tem a si para admirar. É um Narciso que deseja, inconscientemente e em noites gélidas, cair ao lago para não enfrentar a beleza do nascer vazio do dia.
Tinha ambições de heróis de banda desenhada e tinha o coração do mundo. Tinha, já não tem e perdeu tudo de forma abrupta. Os olhos eram grande e salgados, secaram, hoje, os rebentos da esperança. Tinha a expectativa de uma vida pela frente que já não lhe pertence porque lhe falta a outra metade – a metade nómada.
Ele fez algo raro: ultrapassou o enfrentar do espelho e gosta de si como se gosta de um velho amigo. Mas não se curou e a alma enruga-se nas margens do tempo com o passar das horas.

Monday, July 07, 2008

Orion

A noite clara e fresca devolve o quarto crescente lunar ao seu leito. E é fresca e límpida a noite, tão calma e serena como a cidade que ainda é criança e que se deita cedo. E tão bonita é a tua melodia, a tua voz , o teu ângulo de existência. Tão imperfeito e harmonioso , tão humano e tão divino – tão melodioso é o teu gesto.
A estrela ilumina-te, dá-te uma protecção dourada e faz de ti um deus protegido pelo ouro azul de tons graves. E, hoje, a tua estrela brilha mais, mais fortemente e és ainda mais belo na tua aparente simplicidade. A tua voz é mais grave, o teu gesto de tons mais graves.
A noite esvazia sentimentos inúteis. Retira os pensamentos excessivos. A sua permeabilidade conserva, apenas, a percepção necessária á identidade. E é fresca e clara porque é fria sem arrefecer o corpo. E tu és a noite quando abres a janela e respiras o ar fresco e negro. Partilhas-te pelo mundo porque amas a noite e a constelação olha para e por ti .
A tua tristeza é sustentada pela lágrima dourada.

Sunday, July 06, 2008

Solidão

O caminho que conduz o aprendiz ao rio é oposto ao que o guia ate à guitarra. Na verdade, o rio azul e a guitarra magnética nada têm em comum, não coexistem, obrigatoriamente. Apenas na mente do aprendiz eles são uma mesma coisa; são pernas, braços, pedaços perfeitos da unidade imperfeita e perdida.
Porém, o amor limita os olhos e , ás vezes, os olhos envelhecem-se de mais. O rio e a música tem muito em comum: são cíclicos, são belos, são eternos e são elitistas.
Mas não, claro que não... Não é isto que... não são estas palavras vazias que unem o azul ao som: é o sentimento. Tanto o rio como a guitarra, tanto o azul como a música, descrevem a sua vida - mais ainda a sua morte. Ambos o caracterizam sem o definirem. Ambos ele os ama. Ambos imitam a sua tristeza cheia e quente. A sua melancolia estranha de quem vive quando os outros morrem e perde as força quando os outros se rejuvenescem.
O rio e a música são as suas lágrimas. Um, é a lágrima física e o outro a raiz da lágrima. O azul e a música são a sua anatomia e ele não encontra nenhuma palavra para os descrever ou descrever a sensação porque as palavras, ás vezes, são só uma convenção superficial humana. Só entre os homens, é necessário comunicação. Entre o aprendiz, a musica e o rio a ligação é emocional - é interior.

Friday, July 04, 2008

Mestre

Sim, é verdade, estou a tentar mudar o sentido do Universo. E, sim, não tenho a tua arte, Mestre, não tenho a tua força. Desafiar a força à qual o Mestre se resignou é suicídio, mas eu sou a única hipótese dela. E tenho a vantagem de ter o Mestre que faz o mundo girar de acordo com a alma, distraidamente e sem ser propositado.
O meu sangue é novo e é resistente. O tendão é duro. Dobra com facilidade o ângulo certo. Em obediência, é tão grosso como o Osso. Por isso, Mestre, ela precisa de mim, para aprender; para ver, apenas que há pessoas que não são moldáveis ao destino, que modelam, antes, o futuro que não lhes pertence. Precisa de mim, porque o amor, quando é sincero, move estrelas porque as comove – Alias, tudo o que vem da alma, de dentro, das estranhas, comove.
E, eu, preciso de ti, Mestre. Porque preciso da Estrela que não indica apenas o Norte, preciso do Deus que morre e que por isso é Imortal. Preciso de alguém como eu mas melhorado. Preciso da tua compreensão e do teu conselho.
Sim, é verdade, sei que vou falhar. A guerra está perdida e eu perco tempo com batalhas igualmente inúteis. Mas a esperança – a maldição dos Homens– prende-me a ela. E a responsabilidade de ter consciência. E o amor. E sei que ela precisa de mim, do meu sangue, da minha carne, do meu sacrifício.
Mestre. Mestre, quero mudar o sentido de rotação do Homem, estou a desejar o impensável. Dá-me a luz azul do discípulo desertor pela boa causa. E mantém-te comigo , só parte de mim te desobedece e só desobedece a parte das tuas ordens.

Wednesday, July 02, 2008

Orfeu Moderno

Tinha sempre saudades do mar e do rio. Era a qualidade do amor que nasce nas estrelas mas nunca morre com elas: é imutável. E, quando via o mar ou o rio, havia uma sensação de felicidade simplista que lhe aquecia o corpo , a pele e os pedaços de espírito porque abandonava o pensamento e remetia-se, apenas, á emoção e ao sentimento.
O mar é irmão da música. Ambos são mais do que divinos, mais do que Deus. Emitem sensações, procuram a percepção da simplicidade existencialista. E o rio, bem, o rio era dele. Porque apesar de ser grande e famoso, reflectia o Sol quando se punha de um ângulo que fazia com que o vento fosse projectado do coração para o mundo ; porque, apesar de ser parte da História e te ter fantasmas que navegam sobre as suas aguas, o presente também existe e é eternamente azul . Gostava do rio e o rio deixava de ser o grande rio, o grande azul que parece quase o mar para ser só o seu rio. Não era o rio que engoliu parte de uma cidade, era o rio que era tão azul como o céu.
Por isso é que lhe lembrava a música. A melodia, a entrega humana, a sensibilidade e o amor primitivo. Era igual, as sensações, o tipo de sentimento. O momento de alegria infantil em que o tempo estagnava e o espaço não importava. O mometo em que ele era ele, sem espelhos para se reflectir. O momento em que estava protegido pelo divino.