Saturday, April 04, 2015

Porque o vento é só o vento


A noite é tão silenciosa e por alguma razão, aleatoriamente, escolhi esta música. Sinto-te tanto a falta, ou talvez seja só o álcool. Preenchi-me de álcool para me preencher com qualquer coisa. Sinto-me sozinho e sinto-me bem, mas a noite é tão silenciosa e daqui a pouco é madrugada. Senti-me bem a noite inteira estando perfeitamente sozinho.
E depois não consegui evitar recordar todos aqueles dias em que estiveste aqui. A minha cabeça roda um pouco, tanto que gostaria de dizer, é da vodka. Tanto que gostaria que fosse absolutamente verdade. Mas tenho dúvidas e é tudo o que é necessário para que uma nova oportunidade surja. E esse é o problema das dúvidas, não é quebrarem, definitivamente, o dogma, é que garantem que tem de deixar de ser uma verdade inquestionável para poder manter-se uma verdade inquestionável. Fazem novas hipóteses surgir e então estamos desgraçados. Talvez te sinta mesmo a falta e cometa este pecado, de pelo menos agora, viver no passado porque lhe sinto a falta. E o talvez é a dúvida que é também o pecado capital. Mas já que bebi para sentir qualquer coisa e para a minha vida não ser só isto, aquilo que tanto quero, há uma hipótese de te sentir a falta e estar a cometer o pecado último: ter saudades do passado, inconsciente e irracionalmente. Mas que outra forma poderia ser? Provavelmente, a racionalidade do dia-a-dia é a salvaguarda que nos resta, a lógica verdadeira do sentir humano não nos interessa, se calhar é demasiado verdadeira e não estamos interessados em tamanha honestidade.
A noite é tão silenciosa… e quando estávamos, juntos, sentia o vento fresco e todo o universo doirar-me-ia na pele. Não me lembro de pensar em nada mais enquanto sentia isso. Daí a vodka, talvez, agora o vento seja só o vento, e isso é tudo o que quero. Porque é tudo o que existe. Mas, em noites silenciosas como esta, é tão pouco. E, porque bebi demasiado álcool, espero eu, tenho saudades desse tempo, em que o vento era também ele uma possibilidade. Uma que experimentei e que vivi, que me fez feliz e que depois me aborreceu. Conduziu-me até esta felicidade, calma e tranquila, mediada e humilde. Mas quis exceder-me porque não me excedia e, então, o álcool preencheu-me, nada mais havia para além do silêncio e, então, tive saudades desse tempo em que o vento falava de outras coisas, ilusórias e traiçoeiras, aborrecidas até, mas falava. Agora, o vento é só o vento, e eu sou feliz, mas não consigo não ter saudades.
Tuas? Pelo menos agora, tenho-as. Porque quando aqui estavas, o vento tinha, precisamente, a tua voz. Agora o vento é só o vento; alcancei aquilo que tanto queria, sinto-me perfeitamente bem, apenas porque aprendi, arduamente, o dom de aceitar que não há perfeição. E tenho saudades tuas, porque esta é a música que me lembra de ti. É tudo o que não fiz e tudo o que, possivelmente, devia ter-me inspirado e não inspirou, desconhecia-a completamente.

A noite é silenciosa e o tempo está dessincronizado de si próprio. Talvez por isso precisemos de contos com finais felizes. 

1 comment:

Anonymous said...

o que é mais belo na tua escrita é a tua crueza sendo que as palavras são surpreendidas por uma crueza tão dura mas por este motivo tão bela.

teu amigo Fernando