É um dia triste e, no entanto, a Primavera chegou. Há dias
em que acordamos e a tragédia passeou-se pela nossa janela. O horror da vida,
da aleatoriedade da morte, do destino que existe ou que não existe, mas que se
vai cumprindo, ou descumprindo. Que interessa? Há dias assim, em que o Sol
brilha e até aquece, mas o vento é terrível, o resquício do Inverno rigoroso e
austero.
E, então, distraidamente, porque estava Sol mas o dia era
triste, recordei-te. Nessa altura, os dias eram todos primaveris porque a vida
era triste, talvez seja sempre esse o problema. Tínhamos uma corda ao pescoço, amávamos
a vida. Viver a vida no limite para poder ter alguns momentos de felicidade.
Talvez a juventude viva mais intensamente porque teme o envelhecimento, mas
como não vê, correctamente, a morte no horizonte, dispensa a esperança. Eramos
felizes? Tínhamos a corda ao pescoço, é preciso disciplina para viver
intensamente cortando a corda. E por isso hoje o dia é triste apesar de o dia
ser soalheiro.
Hoje é um dia triste,
precisamente porque o Sol brilha intensamente. Se chovesse drasticamente, talvez
o dia não fosse tão triste, porque até o mundo gastava as suas lágrimas. E
punia-nos, a todos, com a sua dor e se calhar encontrávamos aí a libertação da
culpa, ou de um sofrimento surdo e alheio. Mas não. O dia soalheiro hoje é uma
mera ironia crua. Brilha o Sol, sarcasticamente.
Nessa outra altura, em que eramos tristes e tínhamos uma
corda ao pescoço, quando o Sol brilhava era de um brilho intenso. E nós
bebíamos à vida, porque não a tínhamos. Um dia triste de Primavera onde a
Primavera se ausenta. Cortámos a corda que tínhamos ao pescoço e hoje o dia é
triste – conseguimos esperar pelo amanhã, de forma activa e não subversiva?
Talvez o Sol esteja triste, à sua própria maneira, e nos console, com o resto
pelo qual vale a pena viver.
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