Wednesday, June 19, 2013

Porque

É uma leve injustiça cujo trago já conheces há tanto tempo que te não rouba qualquer bem-estar. Há uma vaidade existencial equilibrada que te vai orientando, nunca teus olhos procuram o que se esconde debaixo da terra, sabes bem que teu coração pertence ao mar. É uma leve injustiça, sorris, já há habito – e já foi pior. Uma pequena represália do tempo que é teu contemporâneo, é uma pequena injustiça, à qual sobrevives, que outra hipótese tens? Teus ouvidos seguem docemente o azul, esperas o juízo final, tens contas nenhumas a ajustar, foste homem enquanto o soubeste ser, a forma como aceitas o castigo consiste na não-punição.

E que importa o mundo e as suas mesquinhices e os seus assuntos aborrecidos? Teu coração pertence ao mar, teus ouvidos seguem o azul, teu pensamento procura a disciplina para que teu ser possa gozar com fartura não ser mais corpo opaco ao sabor de uma corrente qualquer.  Fechas os olhos e vês melhor, apagas a luz para que a verdadeira luz irrompa do vazio, sentes-te no mundo , garantes um lugar à força de existires tranquilamente contigo. Até sabes porque é complicada a tua razão para com o mundo, até sabes quais são as queixas, mas que importa? Sorris e reafirmas –  és feliz enquanto o mar te guardar o coração com ternura, enquanto o azul te iluminar o caminho. Tudo resto é irrelevante – é uma grande justiça que trazes contigo, quando manténs uma honesta espinha que jamais se dobra. Não está à venda o ser que é teu – e isso é justiça.

“Porque tu vais de mãos dadas com os perigos, e eles vão à sombra dos abirgos, Porque eles calculam mas tu não.”

Inspirado em Porque de Sophia de Mello Breyner.

2 comments:

Alice in Wonderland said...

"Tudo resto é irrelevante – é uma grande justiça que trazes contigo, quando manténs uma honesta espinha que jamais se dobra."

Uma frase que resume bem o teor da frase de Sophia. Gosto de acreditar que ela se referia a toda essa gente que se vende por qualquer coisa - um emprego mais estável, a boa cara do chefe,a certeza deum lugar de estacionamento. Porque vendo bem as coisas, quase toda esta gente apaga "quem" é. E com isso apagam tudo.

pantalaimon said...

Porque os outros são tumulos caiados, onde germina calada a podridão (...) mas tu não.

Gosto muito deste poema. Julgo que dá um lugar no mundo aos desfasados. A alguns desfasados. Até porque julgo que ela foi um deles.
Resistir é uma arte.
Obrigado!