Há uma vida que se gastou entre as oblíquas melodias do
tempo, ouço-a na voz do vento da noite e revejo-me na vida que já não é minha e
tenho esta leveza de espírito de quem relembra sem sentir o peso da saudade. Mesmo
que a tivesse, seria inutil.
E tenho o lugar e as memórias e as esquinas daquela vida
guardados na génese deste ego que me pertence agora, vejo-me sem me ver, um
rosto sem rosto, um rosto futurista, o presente já foi um futuro incerto e
intermitente e o passado é apenas o que restou dessa sensação e o que dela
surgiu – o esquivo futuro que é o meu presente.
Porque há algo de amorfo e hermético na persistência da
melodia do passado, há algo que tem a cor de um sotão velho e abandonado, de um
caminho solitário e banal já há tanto tempo que vive no esquecimento de quem o caminha
todos os dias. Porque há sempre algo de desconfortavel na vida que foi minha e
que já não é, foi minha a decisao, deixei no lugar que nunca mais vi o meu ser
a viver essa vida paralela.
Mas o meu futuro sempre foi incerto e a sua instabilidade sempre
foi a fonte de toda a vida que movia os músculos. Relembro-a, relembro-a, ah!
suaves dias eternizados na sua efemeridade. Recordo-a,ter saudade, seria
simplesmente. Hipócrita.