Saturday, January 01, 2011

Fénix

Um dia calmo, igual a tantos outros. São todos semelhantes, os dias, a diferença és tu que a fazes e, às vezes, a vida é demasiado simples para não seres atingido com essa complexidade existencialista que distorce o raio de luz.
No meio da rua, no meio de uma multidao sem rosto. Anónima. Como são todas as multidões. Respiras fundo e tapas o teu rosto singular com o capuz do casaco, queres ser reconhecido pelo não-reconhecimento. É uma metáfora desfocada e cheia de nevoeiro. Todos estão expostos e são todos demasiado pouco para mostrarem qualquer tipo de espirito.
Respiras fundo. Paras no meio do passeio. É uma loja de brinquedos, é uma loja de crianças. Ah, foi o inicio do teu pesadelo, foi o teu momento de maior felicidade. Foi o inicio dessa tua tortura arranhada e arrastada, procura anular-te melodicamente em vez de te assassinar. Foste uma criança brilhante, brilhante à tua maneira. Foste tu e todos desenharam traços da tua personalidade, da tua vida e tornaste-te grande. Tornaste-te o melhor de todos. Tornaste-te no rosto que se reconhece no meio da multidao vazia porque é impossivel verem quem és. So se ve o que és e isso eles não vem. Foste uma criança feliz, foste uma tarde de Verão com o som da Orion e aroma de amoras e tornaste-te numa fénix. Mas não há fenix nesta realidade e tu és so um homem melancolico que parou para observar uma loja de brinquedos. Porque foste uma infancia feliz e agora estao todos mortos, todos com excepçao de ti porque te tornaram numa fénix. Quase invencivel, quase imortal. Mas te não roubaram a sensibilidade, a humaninade. Te não tiraram o que te fazia ser brilhante: a forma perspicaz e estratega como compreendes humildemente a essencia humana. És uma fenix mas não deixas de ser uma fenix solitária.
Um dia monotono. Não te traz nada de novo porque a ausencia de novidade tambem é uma forma de inovação. E tu dominas tudo isso, tu sempre tiveste esse ego dualista que te mantem vivo sem te manter insensivel. Mas eles morreram todos, a tua infancia foi queimada. E tu estás em frente a uma loja de brinquedos a lembrar-te de uma criança que em tempos foste tu. És um sobrevivente. A tua forma de seres genial é sobreviveres humildemente, demonstrando inteligencia sem demonstrares supremacia. A tua genialidade está na forma como os teus semelhantes te penalizam por seres sempre melhor que eles. Sempre algo diferente.
Tiras o capuz da cabeça. Já o não necessitas. Às vezes torna-se exaustivo penalizarem-te por algo que não tens culpa. És um sobrevivente, um estratego inato. És uma fenix. Mas tantas vezes que preferias ter morrido. Com eles, com todos eles. Com a tua infancia. Misturas-te com a multidao , é indiferente. Estás indefinidamente descontextualizado.

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