Friday, October 06, 2006

A Metáfora

Entrou na sala. Puxou a cadeira e sentou-se. Serenamente, abriu o velho caderno e puxou o cabelo loiro comprido para trás.
O professor falou de lógica e de raciocínio. Ele bocejou. Aquilo era muito interessante, sim, mas se se beber café. O homem falava de mais. Pior, falava para si próprio, não para os alunos.
Depois, o homem usou um acetato. Não sabia trabalhar com o retoprojector e a imagem ia ficando cada vez mais desfocada. E, então ele, o loiro de olhos azuis sonolentos acordou. De repente, despertou para a realidade através da metáfora: quanto mais perto se puser o retroprojector da imagem reflectida, mais desfocada esta fica. Para se ver com nitidez é necessário o afastamento .
Como a vida, quando a vemos muito de perto, quando é monótona fica desfocada, desinteressante. É necessário , por vezes, afastarmo-nos para repararmos nas pequenas coisas – as tais que nos fazem felizes- para lhes darmos a devida importância. Para as focarmos .Para elas nos focarem a nós.
O rapaz loiro escreveu o texto, distraído, sobre a pequena felicidade , sobre o prazer de simplesmente viver. De simplesmente fazer um pensamento com lógica.De sentir o vento a bater na cara avivando boas recordações. Ou de simplesmente bocejar quando se tem sono. Pequenos prazeres, como dizia o filósofo grego Epicuro.
E o homem, o tal que dizia coisas importantes de forma desfocada, continuou a falar, enquanto alguém, sentado no fim da sala a escrevinhar num caderno velho distraidamente, sorria. Tinha encontrado a solução para a equação que tanto procurara.
A Filosofia era, de facto , muito interessante. Até para um matemático como ele o era, o loiro de olhos azuis profundos e inteligentes.

4 comments:

Alice in Wonderland said...

Para compreendermos a vida devemos afastar-nos dela. Mas para a vivermos temos por vezes de perder essa visão, estar constantemente desfocados. Tal como na fisica de Heisenberg, é impossivel saber em simultaneo a posiçao e velocidade dum electrão.
Não queiras para já saber os estás... aproveita a velocidade que levas. De vez em quando podes sempre perder-te um pouco e localizar-te!

beijos Pan :)

pantalaimon said...

'Se nunca te perdeste, como sabes que te encontraste?'
Sim é verdade e faz todo o sentido, é impossivel saber em simultaneo a posiçao e a velocidade de um electrao. E é igualemnte verídico que é bom perdemo-nos, para depois termos o prazer de nos locarlizar-mos.Pequenos prazeres.

bjs Kirjava :)

Lua said...

Muitas vezes só nos apercebemos da realidade quando nos afastamos dela. É nesses momentos que nos apercebemos como algo ou alguém é tão importante para nós. "Viver na realidade" tem assim o seu preço. Mas viver à margem dessa realidade, na tal imagem desfocada, também tem o seu preço... Tem o preço de não se viver intensamente cada momento,viver como se tudo fosse apenas um filme...

Adorei!
Beijinhos

pantalaimon said...

Concordo inteiramente contigo Lua!É preferível pagar o preço de se viver (realmente!) a pagar-se o preço de ser-mos espectadores da nossa própria vida. É das coisas mais tristes a fazer-se.

Obrigada pelo comment, gstei muito :D