Friday, June 22, 2018

Nada anseio e nada desejo



Nada anseio e nada desejo,
Sou uno com este mundo.
Sou livre e sei-o.

Não sou o profeta do Messias por vir,
Nem um soldado da pequena revolta do amanhã;
Não sou o último filho pródigo
Que sustém a felicidade da vida
Que rasgas inocentemente na ignorância
Autoritária de quem defende
Uma premissa máxima vazia:
Hoje sou apenas eu,
Aqui sentado no meio de uma cidade
Que me é estrangeira,
Que é distante e que é disforme,
Mas que me abriga.

Nada anseio e nada desejo.
Se lutas,
É porque uma ideia se perpetua no teu espírito,
Cícilica e mutável como as estações do ano,
Coincidente com a epiderme do teu ser.
Se sou profeta do Messias por vir,
É porque sempre soube ser feliz
Num dia de Sol aberto:
Tem de haver um dia de futuro.

Saturday, February 10, 2018

Cântico do fim


Não te odeio, não tenho em mim força
Para conseguir odiar-me tão profundamente.
Mas há uma tristeza latente e férrea vinda
Dessa desilusão profunda
Que é olhar-te e ver um rosto sem futuro,
Um caminho que leva a lugar nenhum,
A mais eloquente moderna cidade
Abandonada sem estar terminada.

Não te odeio, talvez te lamente
Como se lamenta um morto
Que ainda está vivo,
A cada segundo cessa essa persistente
E ténue esperança
De que regresses à vida e abraces o que é teu,
(Um futuro real para se vestir)

A cada segundo cumpro o teu velório,
Matando-me e rejuvenescendo,
Num rosto com futuro incerto
E triste.
A cada momento deixo-te a minha ausência
Para te fazer companhia,
Porque é teu desejo aqueceres-te de gelo frívolo
E eu deixei de encontrar em mim
Esse mundo fantástico e impossível
Que te queira dar.


Friday, January 19, 2018

Carta ao Mestre

O sonho é ser simples,
Tão simples como uma flor é efémera,
Tão oblíquo como o Sol,
O sonho há de ser simples porque não se teme
O fim, o sofrimento, a morte
Isso não é controlável e é inquebrável
E tudo o mais são pequenas ilusões
Que te dão uma noite de sono falsamente tranquila
É o diabo quem vigia a tua alma.
(E que pobre diabo é esse que se contenta com uma existência condenada
Quebrada, assim, na auto-violentação
De uma consciência cheia de triste e passiva resignação,
Que pobre diabo não há de ser esse…)

É verdade que por vezes penso e penso,
Naquilo que sei que não devo:
Nascem em meu peito sofrimentos atrozes,
Memórias exóticas e aromáticas, longíquas cheias de mentiras,
Lugares que nunca visitei, alegrias extenuantes,
Paixões suaves, felicidades alheias
(todo um real desejar ser)

Mas, depois, recordo o meu Mestre
E paro para ver como o céu é azul
E o mar é tão infinito e eterno
E que tudo é apenas o que é
E que tudo permanecerá depois da minha morte:
Não sou eterno, mas sou eu,
Sento-me e sou feliz na respiração
De quem se basta
E fica entregue à imensa alegria amena do possível
(O meu ser pleno e feliz, calmo como a mudança das estações,

Como o Mestre disse).

Monday, January 01, 2018

Carta do Solitário

O mundo tem culpa, aliás é ele o verdadeiro responsável. Não que importe, acabou, que mais posso eu fazer? Nem tu podes alterar coisa alguma.
Um dia voltarei a ver o teu sorriso, aberto e simples. Não será perto de mim para o sentir como dantes. Estará lá apenas a minha sombra para contemplar a tua grandeza modesta, para garantir que o amor terminou.  E um dia talvez até te esqueças de mim, como o vento que nunca se acomoda num lugar especifico. Como o coração é o de Orfeu, desdenhei a Eurídice para a não ver morrer.

E nada mais há a fazer. Nada tenho a perder, tudo o que me importava partiu com o vento. Acabou e esgotei a minha última lágrima inutilmente porque não ta dei.