Sei bem que não
entendes e muito menos aceitas, mas como já te disse tantas vezes, até Deus eu
dispensei para que a minha vida fosse de minha responsabilidade. Quero
incorporar a dor e todas as suas variantes bem fundo na pele e, então, verás
que o meu riso é o som do milagre da vida quando o mundo surgiu, ouvirás o
desejo profundo de viver ou a paixão mais honesta. E tanto me faz, como te
disse inúmeras vezes, o que quer que penses acerca desta vida que me mantém
vivo e que tanto te envergonha, uma suave blasfémia no teu ateísmo consentido
por todas as piores razões. Tu, como crente fanático, não consegues aceitar
algo que fuja ao modelo de vida que te garante a sustentabilidade.
Eu bem sei
que desconheces todas as vezes que te enganei para poder, em paz, viver desta
forma. Mas não te iludas que não foi por medo, apenas não me queria aborrecer.
É como discursar eloquentemente para um surdo à espera de o comover e
conquistar. Inútil e, de certa forma, insensível. Para além disso, sempre fiz aquilo que me era
mais importante. Por isso, diverti-me em prazeres alheios sem que vendesse, por
um segundo que fosse, a minha ética. Se falhei? Mas quantas vezes! Fiquei foi aqui, vivo, para (tentar) acertar
na próxima vez. Porque aprendi que, muito provavelmente, haveria uma próxima
vez e que estaria vivo para a contemplar.
Sei bem que
lá bem no fundo, não consegues evitar odiar-me.
Porque sempre soube qual era o teu maior sonho, o teu desejo mais
secreto, onde residia o sentido da tua vida, o preço alto que pagaste. Não, não o considero ridículo – não o considero de todo. E quando olhas para mim, vês que pagaste
demasiado e antecipadamente, vês que te burlaram como se fosses uma criança
recentemente apresentada ao mundo.
Porque nesta vida que tanto odeias, que discorda atentadamente da tua,
nesta vida que é uma blasfémia religiosa no teu ateísmo, eu estou aqui ainda, saudável
e contigo, se verdadeiramente precisares. Eu não te odeio, não preciso. Já
ousei dizer-te e mostrar-te que o contrário dessa tua ideia, que te é tão cara
é, pelo menos, tão válida. E que não te odeio nem quero saber das tuas opiniões
disformes. Blasfémia? Sim, eu sei. Verdadeiramente, não podia querer saber
menos.
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