A noite é tão silenciosa e por alguma razão, aleatoriamente,
escolhi esta música. Sinto-te tanto a falta, ou talvez seja só o álcool.
Preenchi-me de álcool para me preencher com qualquer coisa. Sinto-me sozinho e
sinto-me bem, mas a noite é tão silenciosa e daqui a pouco é madrugada.
Senti-me bem a noite inteira estando perfeitamente sozinho.
E depois não consegui evitar recordar todos aqueles dias em
que estiveste aqui. A minha cabeça roda um pouco, tanto que gostaria de dizer,
é da vodka. Tanto que gostaria que fosse absolutamente verdade. Mas tenho
dúvidas e é tudo o que é necessário para que uma nova oportunidade surja. E
esse é o problema das dúvidas, não é quebrarem, definitivamente, o dogma, é que
garantem que tem de deixar de ser uma verdade inquestionável para poder
manter-se uma verdade inquestionável. Fazem novas hipóteses surgir e então
estamos desgraçados. Talvez te sinta mesmo a falta e cometa este pecado, de
pelo menos agora, viver no passado porque lhe sinto a falta. E o talvez é a
dúvida que é também o pecado capital. Mas já que bebi para sentir qualquer
coisa e para a minha vida não ser só isto, aquilo que tanto quero, há uma
hipótese de te sentir a falta e estar a cometer o pecado último: ter saudades
do passado, inconsciente e irracionalmente. Mas que outra forma poderia ser?
Provavelmente, a racionalidade do dia-a-dia é a salvaguarda que nos resta, a
lógica verdadeira do sentir humano não nos interessa, se calhar é demasiado
verdadeira e não estamos interessados em tamanha honestidade.
A noite é tão silenciosa… e quando estávamos, juntos, sentia
o vento fresco e todo o universo doirar-me-ia na pele. Não me lembro de pensar
em nada mais enquanto sentia isso. Daí a vodka, talvez, agora o vento seja só o
vento, e isso é tudo o que quero. Porque é tudo o que existe. Mas, em noites
silenciosas como esta, é tão pouco. E, porque bebi demasiado álcool, espero eu,
tenho saudades desse tempo, em que o vento era também ele uma possibilidade.
Uma que experimentei e que vivi, que me fez feliz e que depois me aborreceu.
Conduziu-me até esta felicidade, calma e tranquila, mediada e humilde. Mas quis
exceder-me porque não me excedia e, então, o álcool preencheu-me, nada mais
havia para além do silêncio e, então, tive saudades desse tempo em que o vento
falava de outras coisas, ilusórias e traiçoeiras, aborrecidas até, mas falava.
Agora, o vento é só o vento, e eu sou feliz, mas não consigo não ter saudades.
Tuas? Pelo menos agora, tenho-as. Porque quando aqui
estavas, o vento tinha, precisamente, a tua voz. Agora o vento é só o vento;
alcancei aquilo que tanto queria, sinto-me perfeitamente bem, apenas porque
aprendi, arduamente, o dom de aceitar que não há perfeição. E tenho saudades
tuas, porque esta é a música que me lembra de ti. É tudo o que não fiz e tudo o
que, possivelmente, devia ter-me inspirado e não inspirou, desconhecia-a
completamente.
A noite é silenciosa e o tempo está dessincronizado de si
próprio. Talvez por isso precisemos de contos com finais felizes.