Isto é bastante simples e peca, talvez, pela sua
simplicidade. De facto, algumas coisas devem ser encaradas com uma crescente
complexidade, à medida que outras perguntas se instalam teimosamente como a
chuva miúda num dia de Sol. Perdoar-me-às, espero, a linearidade da minha
tentativa de construção de um raciocínio, elaboro-o apenas enquanto homem que
vive neste mundo, que é orientado por este mundo. Nada mais. Preocupa-me o
desfasamento do simples, honestamente, preocupa-me: se desconstróis e esventras
e complexificas o simples, onde encontras a origem? Se não houver uma pequena célula
que evolui, onde está o Homem? É verdade – dizes-me, oiço-te na razão que te
reveste o argumento – é este o meu trabalho, formei-me em pensamento, o meu
treino é a problematização do mundo e, assim, eu melhor do que ninguém deveria
saber a necessidade de compreender toda a densa rede que sustem os homens na
sua sociedade, em perceber que não há nada que seja simples. Não há –
certamente – nada que o homem não consiga complicar, não é o mesmo que dizer
que não existe o simples. É óbvio que, se existe o complicado e o complexo e o
denso, existem em confronto com os seus opostos . O simples existe, nem que
seja numa insistência humana de o sonhar. Há que ter em atenção porque o faz.
Não, não. Não desconstruas mais essa doce simplicidade. Não
questiones demasiado a beleza, deixa-a existir. Precisamos dela, somos homens,
somos ser sofridos com a garantia que o sofrimento dura tanto tempo quanto a
nossa efémera e pequena vida, a morte é tão maior que nós. Deixa-nos a beleza,
o rasgar da luz nas paredes e no coração, deixa-nos ter essa fracção de
felicidade de existência. A vida é algo que merece ser vivida pela beleza,
esforças-te pela beleza, para a continuares a contemplar, para sentires
qualquer coisa de alguma forma. Mesmo o horror – esse começo duro da consciência
de existência- e o choque e o horrível que causam essa desagradável sensação de
te desfazerem as entranhas, que te angustiam numa mudez esquisita em que te é
permitido falar, não tens é palavras adequadas à experiência são necessários (é
assim que reconheces a beleza quando te deparas com ela).
Por isso, perdoa-me a linearidade e a persistência nessa
mesma linearidade. Não é enquanto homem treinado para te falar sobre os
problemas da sociedade, os confrontos de classes, a luta do poder pelo poder e
a luta da memória e dos esquecidos e todos esses elementos que me preocupam o espírito
(mas parece-me ser relativamente fácil ganhar a vida com eles, hipócrita ironia
que se tende, por vezes, a instalar. Parece-me, parece-me). É enquanto homem
absolutamente comum que te falo : precisamos de harmonia, da crença numa
possibilidade de um Estado perfeito , se não procurarmos uma força invisível que
imponha a ordem melódica no mundo, que das profundezas negras da Terra, seja
capaz de tornar soalheiro um dia cinzento, porque continuamos aqui? Se não for
por um momento de beleza em que a tua existência é tão bela quanto essa sensação
de preenchimento que sentes quando vês o teu quadro preferido ou ouves aquela música
que a tua alma esfomeada por um cheiro qualquer exigiu, para que é que existes?
Preocupa-me que destruas isto tudo sem teres grandes
reservas nas consequências. Porque – ouve-me- tudo envelhece. Até a arte, se não
a renovares, no sublime e no horrivel, envelhece e gasta-se.
E sem Arte, o que é Homem?