Thursday, July 29, 2010

Intermitência

A má disposiçao não adia a sentença de morte na madrugada. E não importa onde mora o corte fundo da decapitação, outro dia nascerá. Poderás não manter quem és mas nunca fugirás ao que és. Daí que seja inutil, adiares a morte da noite porque ela termina de qualquer maneira.
E uma brisa fresca nocturna alcançar-te-á. Um dia deixará de ser importante, as coisas na tua vida tem o sentido que lhes deres e esse sentido será o único verdadeiro. De resto, nenhuma falha é infundamentada. O universo tende para o caos mas tu és um caos organizado, qualquer erro é lógico, qualquer erro tem uma causa e uma consequencia.
Mas não tens qualquer expectativa de inglória. Na verdade, a desgraça que ocorrer na madrugada não é culpa tua, sabes bem quanto vales. Mas esta realidade não pronuncia a mesma lingua que tu, o problema de comunicaçao inato alcançou o teu espirito.
A tua perspectiva é de vencedor. Mas como poderás ter alguma glória quando não te entendem, falando tu a lingua deles? Como poderás alcançar esse tipo de sucesso expectante se a diferença ajeita-se suavemente nos conceitos profundos que vos movem?
A má disposiçao não adia a sentença de morte na madrugada. Nem esses escassos minutos de noite viva que te restam. O problema não morre aqui. Os teus te não entendem, os teus são nada
para ti.

Monday, July 26, 2010

Last Kiss

Apagou o cigarro no cinzeiro e observou o fim da chama, o fim do fogo. Alguma vez o vais deixar? Ele não consegue apagar-te mais do que isto, não consegue desviar os olhos do cigarro desfeito pelo desespero com que o apagou.
Apagou o cigarro . Respirou fundo. A angustia estava enrolada na garganta, apertava os nervos do peito. Roubaram-te, roubaram-no. E o desespero dá-lhe uma energia esquisita para se mover. E fuma outro e outro. E bebe, já perdeu a noção do que esta a beber. Já te perdeu, que mais importa?
O cigarro desfeito lembra-lhe o teu corpo desfeito e amassado. O teu ser sem vida, perdida nos braços dele que nada podiam fazer. O desespero dele em devolver-te a vida que te tiraram violentamente. O desespero dele para que não fosse verdade. O grito calcário que escureu a noite quando a verdade crua o atingiu. A corrida louca que fez para fugir do presente. A corrida louca que fez para gastar os musculos, os ossos, o fisico porque o interior estava desfeito. Como o teu corpo, coberto de sangue, sangue inocente. A corrida louca que fez para se cansar , para ficar abandonado a um canto à espera que a morte ou que uma maior crueldade o abraçasse.
Apagou o cigarro no cinzeiro. Observou o fim da chama. O insulto violento , desesperado edoloroso ao acidente que te roubou, que o roubou. O insulto violento , torturado e trémulo ao Deus que não existe. Apagou o cigarro no cinzeiro e voltou para ela no meio da noite. Nada tem que ver contigo, não tem essa fragilidade e essa doçura que te tornavam um anjo na terra. Um anjo morto nos braços dele, ainda hoje sente a textura do teu sangue na pele.
Alguma vez o vais deixar? Alguma vez ele vai deixar de ter estes pesadelos frívolos em noites suaves sobre o dia da tua morte? Sobre o dia em que parte dele tambem morreu? Mas tem horror a esquecer-te, a deixar-te morrer, eternamente. Por isso apaga o cigarro violentamente e observa fixamente o cigarro desfeito, tao desfeito como o teu corpo inerte nos braços dele. As lagrimas puras dele não te acordaram. Mas tem horror a esquecer-se da suavidade aromatica da tua memoria, todas as noites acorda com o pesadelo real que o tortura. Prefere isso a deixar-te morrer, assim.

Wednesday, July 21, 2010

Carta aos falhados arrogantes

Quanto menos se é maior é a petulante arrogancia colada ao coraçao seco e imundo. Porque o mundo é coerente, quanto menos se é mais justificaçoes terao de existir. E tu és tao pouco! Certo, é certo nunca tiveste oportunidade de seres grande, de seres um Sol aberto e brilhante no céu que aquece e ilumina. Mas podias ser decente, podias aguentar-te , podias ter uma boa morte.
Mas não.
Obviamente que não.
Mal aguentas existir nessa carcaça que enbelezas todos os dias ao espelho. És nada, assim o escolheste. Mal aguentas olhar o teu rosto pouco atraente no espelho. E de nada vale partir o espelho , por isso, no teu jeito patetico de fingir que és um sobrevivente, deformaste a alma. O teu rosto tornar-se-ia hediondo se não fosse demasiado triste, demasiado cómico. És so um ser triste que, por querer desesperadamente adaptar-se e esta realidade rejeitar o teu amor, usou o ódio como mascara.
Não. Espera. Correcção.
Usou a sua propria desgraça, usou o seu falhanço para mostrar que sobrevive e que não precisa de ter um lugar aqui. Que rejeita um lugar aqui.
É tao triste. És tao triste! E tao banal. Quase inofensivo, basta o respirar de um verdadeiro sobrevivente para te reduzir a menos que pó.
Quanto menos se é maior é a petulante arrogancia que queres enfiar a força no mundo para não contemplares o circo cheio de palhaços tristes que és.
És um espectaculo triste , tao patetico que provoca o riso . Mas o teu ser frustado não tem graça, quando a cortina descer, verás que ninguem bate palmas.
Podias não ter sido um sol que ilumina e aquece. Mas podias ter sido decente. E alguem bateria palmas por teres sobrevivido . Só conseguiste aumentar a repugna e a aversao à tua existencia. “Os homens seguem a coragem”, devias ter feito o mesmo.
Obviamente que não.
És so um espectaculo triste que termina sem palmas, não conseguiste divertir nem os sádicos com a tortura que tentas esconder mas que sustenta a tua fealdade existencial.
(Lamento, e física.)

Saturday, July 17, 2010

Existir

Sentado no canto da praia. Na mente tem gravada a tua voz. Repetida, repetida. A frase, a melodia das palavras que lhe são estrangeiras mas familiares. Porque se fossemos apenas o que estamos destinados a ser demonstávamos a inexistencia de destino algum. Ele não quer ser isso, uma convençao repetitiva e triste.
Sentado no canto da praia. Calmo, sereno. A raiva que circula no sangue atenou o proprio sentimento de raiva que existe nele. Resta-lhe um pouco de tristeza, de melancolia, de cansaço, talvez. Está cansado, da raiva e da ausencia de raiva. Por isso deixa-se estar tranquilo no silencio de seda negro da noite. A ouvir o som agradavel da àgua. A contemplar o sentimento sublime de existir.
E a tua voz sempre presente no espirito dele. Repetida, repetida, repetida... Sentado no canto da praia, o seu santuário, o lugar sagrado isento de marcas que revelem a pertença dele a uma terra. Ou a uma nação. Isento de memorias bélicas que lhe causaram as cicatrizes espirituais e a marca dos condenados à morte tatuado no coraçao . A praia que é dele sem o ser. Nasceu num canto daquela praia, a ouvir o arrastar paciente do mar. Consertou-se e reconstruiu-se naquela praia, a maravilhar-se com os minusculos graos de areia que lhe provocam comixao nos dedos.
Sentado no canto da praia onde pertence, o santuario de religiao nenhuma. E a tua voz , e a tua voz , sempre presente. A relembrar-lhe o lugar que lhe pertence ,o lugar onde ele pertence.E a tua voz a cantar-lhe, numa melodia bonita, a sua condenaçao e salvaçao. A dizerlhe que as cicatrizes são feridas sãs.
Sempre a tua voz no canto daquela praia. Repetida, repetida, repetida, repetida... “
Music is your only friend until the end”, Sentado naquele canto da praia. Só. Com o mar. Em sintonia com o mundo nocturno . Só quando a realidade cala a sua voz estridente é que ele alcança alguma paz e ouve a tua voz. Ouve-te a ti, o teu ser perdido no teu tempo e arrastado ate ao tempo dele. Sentado naquela praia, num canto que não existe. O canto é ele.

Monday, July 12, 2010

Recurso a Eugénio de Andrade


Hoje roubei todas as rosas dos jardins
e cheguei ao pé de ti de mãos vazias...


Eugénio de Andrade ( As Mãos e os frutos)

Thursday, July 08, 2010

Carta à Sociedade

Não quer ser isso. O filho prodigo que segura a mao do mundo quando o mundo lhe corroi a vida. Não quer ser o mártir amado e adorado enquanto o seu corpo jaz imovel e frio abandonado numa terra qualquer. Não quer ser isso, uma vida cheia de sucesso que lhe diz nada.
O falhanço nunca teve um sabor amargo tao agradavel. Se o mundo não esperar nada dele entao deixa-o em paz. Deixa-o livre. Na tua visao, mal se aguenta sozinho como vais contar com ele para alguma coisa? O falhanço nunca teve um sabor tao doce. Ao menos acabou a mentira patetica que se instalou. Acabou o conto de fadas triste ,dramatico e forçosamente feliz com um final visivelmente programado. Ele sempre disse que faria algo novo e que ninguem o ouvia. Ninguem lhe prestou atençao e ele continuou a avisar que um dia ia quebrar. Sempre disse isso, que gostava de quebrar convençoes pateticas que continuam de pé porque as pessoas não aguentam a sua propria frustraçao.
Não quer ser isso. Uma humana versao de Cristo que representa o bem e o perdao. Porque ninguem o desculpa a ele, ninguem olha para ele. Usam-no, exploram-no , violam-no. Arrancaram-lhe a privacidade, a liberdade, a unicidade suave e bela do ser dele. E ele quis de volta. E agrediram-no , disseram-lhe que o amavam, ninguem o ama mais que voces.
Não quer ser isso. Um filho prodigo que segura a mao do mundo sabendo que isso é a sua propria morte. Não quer ser filho, não quer ser nada. Quer ser ele, apenas ele.
E ele já esta quebrado. Já o quebraram. Parou a chacina. E embora tenha falhado sente que está no caminho certo.
Longe de vos. Monstros deglutores da originalidade para garantir a existencia da vossa existencia patetica.