Sunday, March 21, 2010

Pedra Filosofal

Ouço a tua voz em tom de alerta. Os teus movimentos bruscos e preocupados. Mas hoje ninguem vai morrer. Hoje não haverá sangue em lado algum. Não etendes, não podes viver so para ganhar a guerra. Mesmo que a guerra não seja uma guerra, mesmo que seja pelo teu direito de existir. Mesmo que tenhas as razoes mais solidas deste mundo e do outro para quereres ganhar a guerra.
Um dia terás de sentir o prazer de criar. Algo que não tenha como objectivo a destruiçao. Um dia terás de sentir o prazer da leveza de se ser feliz, mesmo que seja apenas por uma fracçao de segundos. Um dia terás de fazer o que eu faço agora. Fingir que a guerra não existe, que a mediocridade alheia não me sujou o sangue com lama obscura. Não estou a ignorar nenhum facto, nem sequer estou a ser cobarde. Aproveito a vida enquanto ainda a tenho em mim.
Por isso, hoje não me fales disso. Da ruina ordinaria que os outros são.
Hoje sou livre. Hoje sou eu (so eu). Com as costas confortavelmente seguradas pela cadeira. Hoje é um dia que vale a pena memorizar o cheiro. O som. A cor e a textura azul.
Se não houvessem dias como o de hoje, tao banais, não teria qualquer razao para entrar na guerra contigo. Tens de aprender que se vives para a guerra, es a guerra.
E devias ser o Sol ameno de uma tarde Verão. Não um Inverno gasto em folhas que envelheceram demasiado cedo.
(O melhor soldado é o que tem um sitio para onde voltar
)

Saturday, March 20, 2010

O fim

Ele tem por vezes esse impulso louco . De pegar no casaco e correr à tua procura. De escrever a carta com as palavras cuidadas que nunca te confessou. Às vezes é consumido por uma vontade extasiante de te ter de volta. De ajeitar o passado. De se ter de volta. De regressar àqueles dias longos e sorridentes de Verão.
Mas depois é como se o coração revisse pormenorizadamente os dias de chuva que se seguiram. É como se , naquela fracçao de segundos, lhe esgotassem todos os “se”. Todas as hipoteses. Todos os argumentos. Como se naquele intervalo entre levantar-se da cadeira e pegar no casaco alguem lhe descansasse a mao no ombro e concretizasse a verdade que sente mas que não tem coragem para soletrar. Porque soletrar a tua ausencia torna-a ainda mais real.
Ele tem esse impulso louco. Absolutamente alucinado. De que algum dia vais perceber a carta que nunca te vai enviar.
Morreste naquele dia, o teu ser foi dissolvido na chuva. E ele fugiu de todos os cemitérios mas consegues encontrá-lo sempre de alguma forma.
Ele tem esse impulso louco. Mas arracantaste-lhe toda loucura que tinha naquele dia de chuva.

Tuesday, March 16, 2010

Azul Celeste

Vê se tens dó de ti já que me fazes ver-te. Já que me ofereces essa sensação de vómito ao menos faz algo de útil por ti. Olha-te ao espelho, traça com o teu dedo as curvas do nada que és. Ah, sim, és nada. E não digas que o tambem sou ou que o meu anonimato existencial não me permite poder para afirmar tal barbaridade.
Tu és tão nada quanto o céu é azul. Quanto o Sol é amarelo-alaranjado. A tua cor é o nada. Sorris-me tentando evidenciar uma malícia (mas não tens inteligencia suficiente para teres malícia). Dizes-me que o céu não e verdadeiramente azul, depende tudo da luz branca. Como um prisma triangular trespassado por um raio de Sol.
E é exactamente ai que afirmo. És nada. Quando ves o ceu azul claro vivo ele torna-se azul, é a forma como vais conhecer o mundo que ainda tens pela frente.Há uma doce simplicidade na forma como o céu vai ser sempre azul, apesar de o não ser. O que para ti é real é o que te torna diferente de todos os outros semelhantes.
A tua cor é nada. Tu és nada. Vejo-o tao claramente como vejo o imenso azul celeste.
Repara, ser nada, é uma hiperbole. A expressão é uma metáfora.
Mas tu desconheces o que é uma metáfora. Fiz só uma aproximação inocente. És tao pouco que se arredonda para nada sem grande prejuízo.

Monday, March 08, 2010

Enredo

Já viste a desgraça em que se meteu por insistir em algo que o coraçao discordava? Não lhe peças isso. Para ficar contigo, talvez ate por ti. Não lhe peças esse fim arrastado e melancolico, estendido ao sol num dia demasiado frio. Se desejares verdadeiramente que ele insista naquilo que estrangula a essencia dele ou o não conheces. Ou desejas a morte dele como companhia.
Mas não, claro que não. Tu somente sentirás a falta dele descontroladamente. O amor que lhe tens atenua-se quando ves, nem que seja por uma fracçao de tempo. Se perderes até esse pequeno e fragil momento, que te sobra? Nada.
Já viste a desgraça em que persistes em continuar?É tao facil permaneceres com ele, basta que lhe cedas o direito da diferença. Se o deixares ser senhor de si proprio poderás acompanha-lo para qualquer lugar.
Mas tu nem sequer concebes esse conceito de pura liberdade ... Já viste a tristeza em que ambos se afundaram ? Tal qual um navio que perdeu a fé na estrela que o guiava.

Sunday, March 07, 2010

Excerto

O vento é demasiado agressivo e agreste para sugerir um romance fresco de Verão. E eles não tinham essa sorte de qualquer forma.
É dificil vencer um conjunto de realidades duras e inócuas que não respeitam e destroem o teu coraçao.


WinGs, Agosto de 2009

Tuesday, March 02, 2010

Orfeu e Eurídice

Esse falhanço tem o encanto triste de um pássaro desmembrado que espera, pacificamente, essa morte arrastada no tempo tao infinito e tao curto.
O teu sucesso como Eurídice é o declínio dele enquanto Orfeu. Porque é que não vos salvaste quando ele te libertou do seu amor ? Ele libertou-te dessa morte romanticamente destinada a ser crua e concisa. O teu Orfeu abandonou-te para te salvar.
Mas tu só sentiste o abandono na pele. Fizeste o correcto, afastaste-te. Como Eurídice que és, a ausencia do teu Orfeu esmagou-te. Esmagou a tua doce ingenuidade.
Mas esse falhanço tem a melodia carismática da morte, daquela que é suave e até convidativa. E o deus frívolo e paranoico que te escolheu como Eurídice escolheu-te demasiado bem.
Porque quando reencontraste o teu Orfeu não se preencheu no peito a dignidade de quem carrega a dor aguda do abandono . Viste o teu Orfeu, de novo, só importava isso. Nem sequer reparaste que ele o tinha afogado cruelmente, o Orfeu que era. Para mais ninguem morrer nesse triste destino. Mas tu não viste a ausencia dele nele, fizeste-o renascer sem renascer.Ele nunca te abandonou...
E agora vao morrer os dois, juntos. Porque enquanto a Eurídice que vive aconchegada no teu peito quente não desistir de amar Orfeu, ele ama-a incondicionalmente.
O teu Orfeu entregou a sua musica ao Inferno para tu poderes respirar , suavemente, cada momento de felicidade suprema. Porque ele morreu quando te deixou.
Bastava que o não amasses verdadeiramente para te salvares. E salva-lo depois a ele.
O deus que vos escolheu escolheu-vos delicadamente. A forma como cumprem heroicamente um destino tao patético tem o som do riso da propria morte


WinGs