Monday, February 20, 2017

Ode a Ricardo Reis


A minha história é simples,
Comum talvez, mas não banal,
Vim da guerra honrado general,
Furtivo, altivo, sagaz, senhor,

Senhor de mim mesmo,
Rei de mim próprio –
E da beleza verde dos olhos dela,
Longe da guerra e longe da miséria,
Como no poema à beira-rio,
Enlaçámos as mãos mas nunca entrelaçámos
As mãos.

A minha história é simples,
Mas não banal.
Fui épico desertor depois
De honrado general,
Orfeu falhado e
Estoico contra-vontade.
(A traição maior).

A minha história é simples –
Esventraram-me a carne,
Despedaçaram-me o espírito,
Puniram o crime,
E os olhos dela sentados à beira-rio
No regresso que nunca existiu,´
E os olhos dela, mágoa minha,
O meu regresso que jamais se cumpriu.
(A traição maior)


A minha história é simples:
Arruinadas inutilmente  as honras de guerras épicas,
A ode que ficou cantou esse mito
Da dor de Orfeu
(da memória das mãos de Eurídice enlaçadas mas não entrelaçadas,

No reflexo que é o meu…)

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