Esse falhanço tem o encanto triste de um pássaro desmembrado que espera, pacificamente, essa morte arrastada no tempo tao infinito e tao curto.
O teu sucesso como Eurídice é o declínio dele enquanto Orfeu. Porque é que não vos salvaste quando ele te libertou do seu amor ? Ele libertou-te dessa morte romanticamente destinada a ser crua e concisa. O teu Orfeu abandonou-te para te salvar.
Mas tu só sentiste o abandono na pele. Fizeste o correcto, afastaste-te. Como Eurídice que és, a ausencia do teu Orfeu esmagou-te. Esmagou a tua doce ingenuidade.
Mas esse falhanço tem a melodia carismática da morte, daquela que é suave e até convidativa. E o deus frívolo e paranoico que te escolheu como Eurídice escolheu-te demasiado bem.
Porque quando reencontraste o teu Orfeu não se preencheu no peito a dignidade de quem carrega a dor aguda do abandono . Viste o teu Orfeu, de novo, só importava isso. Nem sequer reparaste que ele o tinha afogado cruelmente, o Orfeu que era. Para mais ninguem morrer nesse triste destino. Mas tu não viste a ausencia dele nele, fizeste-o renascer sem renascer.Ele nunca te abandonou...
E agora vao morrer os dois, juntos. Porque enquanto a Eurídice que vive aconchegada no teu peito quente não desistir de amar Orfeu, ele ama-a incondicionalmente.
O teu Orfeu entregou a sua musica ao Inferno para tu poderes respirar , suavemente, cada momento de felicidade suprema. Porque ele morreu quando te deixou.
Bastava que o não amasses verdadeiramente para te salvares. E salva-lo depois a ele.
O deus que vos escolheu escolheu-vos delicadamente. A forma como cumprem heroicamente um destino tao patético tem o som do riso da propria morte
WinGs
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