Wednesday, October 29, 2008

Frio

Não importa quanto o Sol te aquece, a saudade congela-te e anula todo o calor que percorre o sangue. Estás morto hoje, o espírito está encerrado para o mundo, os olhos preenchidos pela tristeza que se aninha na tua garganta, enrolando-se no teu pescoço.
Não existe sequer ódio contra o sentimento mórbido que não flui para o exterior. Sobra apenas alguma violência deixada pela tristeza que te quebra bruscamente, alguma energia usada para romper o teu musculo como uma folha de Outono caída.Hoje o dia nunca termina e a noite nunca te abraça.
A mão está fria, gélida, não importa o quanto a esfregas. Estás congelado e permanecerás assim, enclausurado no cubo gelo, a sentires a falta e o vazio. Os dedos a ficarem mortos e inertes. Imóveis, como tu.
A saudade não te deixa aquecer e o frio acumula-se no coração ; não importa o quanto o Sol te abraça, não estas completo.

Monday, October 27, 2008

Dual

Fechaste os olhos e encostaste-te para trás. Ás vezes o mundo circundante é demasiado intenso e barulhento para a tua simplicidade severamente conquistada.
A pergunta continua activa e brilhante no meu pensamento: Quem és tu e quem sou eu? Quem somos nós juntos e em interacção?
Sim, duvido e sim, receias. Estás a dedicar a tua vida a um caminho que nunca vais poder concretizar e o ideal é duro para ti: viver apenas para caminhar e comprovar fisicamente a tese é tanto um privilégio como uma maldição nocturna.
Mas estás comigo e eu tenha a marca da maldição no ombro, tenho tatuado a flor dos condenados. Condenas-te comigo se permaneces aqui.
A pergunta persiste e mantem-se: quem somos nós, filhos de pagãos inocentes de outrora?
Fechas os olhos e tentas relaxar, o barulho está a sufocar-te a existência.

Sunday, October 26, 2008

Perguntas

Eles executaram tantos sacrifícios e mancharam tantas ruas com sangue inocente que já não reconheço muitos dos meus irmãos. Não sei se és um dos meus ou um dos deles, não sei a que universo pertences, talvez nem sequer sejas mais um soldado desta triste guerra vazia.
De um certo ângulo ilude-me uma possível cicatriz. Tê-la-ás? És mais um espírito que nem tem o direito de estar perdido porque não tem um lugar para voltar? És como eu, um soldado desertor, que abandonou a guerra e abdicou da memória e de parte do ideal para ter alguns segundos de felicidade? Ou talvez sejas uma brisa de ar fresco que vagueia sozinha e tem as suas próprias batalhas, alheias à luta entre o convencional e o inovador, alheias à aurora boreal e à noite negra que engole a lua?
De um certo ângulo o teu rosto perfeito não apresenta cortes frívolos e calculistas. Talvez sejas um deles.
Mas curaste-me parte da cicatriz, deste-me um motivo para sair da guerra completamente.
Não importa quem és. Não importam as perguntas, pensar é olhar o mundo e ver um ciclo.

Saturday, October 25, 2008

Complexidade

Ás vezes basta o calor do Sol banhar a sombra que nunca aquece, basta sorrir de um novo ângulo. Não basta mudar a perspectiva se não houver uma alteração no sistema circundante. Algo semelhante a uma sorte que nunca chega a existir também te decide a vida
Mas não, não hoje. Hoje és inteiramente livre na tua eterna prisão de não quereres ser feliz. Hoje o sol incide sobre ti e, miraculosamente, aquece-te. Hoje o dia pertence-te porque não perdes tempo a reflectir sobre a verdadeira essência das coisas, descobriste um modo bonito de seres ignorante.
Ás vezes basta o Sol incidir sobre a tua pele para saberes que estas vivo, ainda. E isso é o suficiente para seres feliz na tua infelicidade.

Friday, October 17, 2008

Cedência

Os braços estão dormentes, esperam-te para te aquecerem e para sentirem a tua pele. És amado, mais do que imaginas. Nunca haverá traição nem abandono, és desejado e acarinhado. O teu rosto perfeito não tem a cicatriz que rasga a alma, não cheira a medo e a marginalidade; o teu rosto perfeito não travou lutas inúteis em busca de uma verdade para o mundo que é sempre empírica, sempre vazia.
Ocupas a mente e ocupas o espírito, mais do que qualquer outro passatempo porque despertas a humanidade e a sensibilidade ao toque. Mas, por enquanto, não consegues apagar totalmente a cicatriz feita a sangue frio , os sonhos sombrios demoníacos que sobrevivem no inconsciente nocturno.
Os braços estão dormentes, esperam um abraço teu que pode nunca chegar. Limpaste a ferida sem saberes da sua existência e a dor implícita no corte é o suficiente para testar o teu próprio sentimento.

Wednesday, October 15, 2008

Pedido

Dá-me a mão agora, antes que seja tarde e o braço congele. Ajuda-me, mas agora, porque o amanhã pode pertencer a outro mundo paralelo. Salva-me enquanto o céu ainda for azul, o negro é invertível.
Não, não hesites. Não me odeies, não me temas. E não sofras comigo. Simplesmente, acaricia a alma que já foi tantas vezes exportada e humilhada.
Olha para mim sem pormenorizares as feridas, vê apenas o amanhã renascer do meu gesto.
Conforta-me, agora que me torturam. Fica comigo apenas. No final do dia, preciso mais do que a minha sombra para acreditar na sanidade.
Dá-me a mão, agora, antes que os olhos fiquem baços e eu abandone a crença em ti.

Tuesday, October 14, 2008

Hesitações Existenciais

Sai, por favor, da minha cabeça. Abandona o meu cérebro. Desintegra-te do meu sangue.
A sensação é, até, agradável, mas falta-me o hábito a esse tipo de vivências. São demasiado puras para a crosta dura que cresce no coração.
Por isso, deixa-me aqui, com a minha solidão, o desconhecido que me rodeia todos os dias já não me pode magoar. Não queiras limpar a minha ferida com cuidado, doerá mais com o teu afecto porque retirará dureza ao pedaço de pele que sente o teu gesto.
Deixa-me aqui, como sempre estive. Só.
Abandona a minha mente, afasta-te do pensamento. Não me perguntes se quero ser feliz. Já disse, é uma vivência há muito esquecida. Não me confundas.
Sai, por favor, de mim.

Monday, October 13, 2008

Devoção

Sim, gostava de te homenagear , gostava de ilustrar a todos a tua grandeza não épica simples. Tornar-te um deus humano que morre como qualquer outro Homem. Exibir o teu traço de sorrir único que me inspira e me protege.
Mas não, claro que não. Não é isso que procuras e não é isso que quero. És o meu Mestre estás mais só na multidão. És o mortal que tornei deus por me ter limpo todas as feridas cruas com o afecto de um desertor por boa causa. És o que eu fui e o que procuro ser. Fazes-me voltar para o meu lugar negro todas as noites frias porque ensinaste-me a ver, por cima do cimento, o brilho da constelação que me guarda.
Por isso, não te homenagearei, seria o inverso da tua simplicidade. Antes, olharei para ti e seguirei o teu carácter e a tua humildade. E honrar-te-ei todos os dias. Porque és o Mestre que me mostrou a constelação e quebrou as algemas dos meus pulsos. Devo-te parte da minha existência .

Friday, October 10, 2008

Simplicidades

Retirai-me o som melódico do sangue e o braço cai, a mão perde a força, o musculo contrai e o coração seca. O castelo de ferro derrete e a muralha é rasgada como uma folha de papel. Retirai-me a música e o vazio aninha-se profeticamente porque deixa de haver sentido para toda e qualquer existência perdida no meio do silencio que sufoca.
Deixai-me guardar a melodia nas memórias que estão coladas aos ossos e qualquer queda é, apenas, um obstáculo. A lágrima é a certeza de que existimos. A tristeza é o assumir da não perfeição que rege o Universo, é o Caos que é sempre garantido. O silencio profundo torna-se apenas num simples momento em que o som está debaixo da pele; torna-se num outro tipo de som melódico.
Retirai-me a música da existência, bloquiai os meus ouvidos. A vida perde o sustento porque o coração fica preenchido pelo nada que alastra como um vírus mortífero, corroendo todas as resistências.

Sunday, October 05, 2008

Legitmidade

Podias, ao menos uma vez na sombra da tua existência, ser honesto e elevar na leveza do teu gesto a verdade. Mas não, mentes.Mesmo depois da lágrima ter sangrado foges á manhã clara que é a realidade a que verdadeiramente pertences.
Deixa-me um segundo de manobra para te poder assassinar e chorar pela tua morte física, assim, é menos dificultoso. Tu lembras-te de todos os barcos que partiram e voltaram com um novo mapa, mas muitos deles perderam-se no mar e na memória. Por isso, peço-te, deixa-me ver o teu naufrágio por ambição ridícula, para te poder enterrar debaixo de uma qualquer terra. Permite-me o teu esquecimento ou o homicídio será mais sangrento e violento. Doer-te á mais num dia longínquo e de nevoeiro em que a tua mão possa necessitar do calor que a minha já não te pode dar.
Podias, ao menos hoje, sorrires á vida e consertar o puzzle que está a tua espera.
Não podes. Farei, então, um enterro anónimo debaixo da terra da calçada para sentir, todos os dias, debaixo dos meus pés, a tua patética existência.