Monday, July 26, 2010

Last Kiss

Apagou o cigarro no cinzeiro e observou o fim da chama, o fim do fogo. Alguma vez o vais deixar? Ele não consegue apagar-te mais do que isto, não consegue desviar os olhos do cigarro desfeito pelo desespero com que o apagou.
Apagou o cigarro . Respirou fundo. A angustia estava enrolada na garganta, apertava os nervos do peito. Roubaram-te, roubaram-no. E o desespero dá-lhe uma energia esquisita para se mover. E fuma outro e outro. E bebe, já perdeu a noção do que esta a beber. Já te perdeu, que mais importa?
O cigarro desfeito lembra-lhe o teu corpo desfeito e amassado. O teu ser sem vida, perdida nos braços dele que nada podiam fazer. O desespero dele em devolver-te a vida que te tiraram violentamente. O desespero dele para que não fosse verdade. O grito calcário que escureu a noite quando a verdade crua o atingiu. A corrida louca que fez para fugir do presente. A corrida louca que fez para gastar os musculos, os ossos, o fisico porque o interior estava desfeito. Como o teu corpo, coberto de sangue, sangue inocente. A corrida louca que fez para se cansar , para ficar abandonado a um canto à espera que a morte ou que uma maior crueldade o abraçasse.
Apagou o cigarro no cinzeiro. Observou o fim da chama. O insulto violento , desesperado edoloroso ao acidente que te roubou, que o roubou. O insulto violento , torturado e trémulo ao Deus que não existe. Apagou o cigarro no cinzeiro e voltou para ela no meio da noite. Nada tem que ver contigo, não tem essa fragilidade e essa doçura que te tornavam um anjo na terra. Um anjo morto nos braços dele, ainda hoje sente a textura do teu sangue na pele.
Alguma vez o vais deixar? Alguma vez ele vai deixar de ter estes pesadelos frívolos em noites suaves sobre o dia da tua morte? Sobre o dia em que parte dele tambem morreu? Mas tem horror a esquecer-te, a deixar-te morrer, eternamente. Por isso apaga o cigarro violentamente e observa fixamente o cigarro desfeito, tao desfeito como o teu corpo inerte nos braços dele. As lagrimas puras dele não te acordaram. Mas tem horror a esquecer-se da suavidade aromatica da tua memoria, todas as noites acorda com o pesadelo real que o tortura. Prefere isso a deixar-te morrer, assim.

1 comment:

Alice in Wonderland said...

Ás vezes é como se a aus~encia de sofrimento fosse a ausência de memória.
Quem fica, sente que já não sente nada se não sentir sofrimento. Sente que já não ama, se não sentir sofrimento.

E esse é o sofrimento.

Muito bom! =)