Thursday, April 29, 2010

Excepção

Custou-te o coração essa escolha esquisita mas tornou-te maior. Superaste o teu velho eu.
Porque ela amava-te irresponsavelmente , elouquentemente. Dedicou-se a suspirar por ti todos os segundos tremulos de cada respiração. Ela amou-te, do fundo do seu largo coração. E esse amor errado e desmedido dava-te o prazer supremo da posse de um tesouro raro e precioso. Amava-la de volta com toda a tua selvagem existencia , carinhosamente civilizada pelo amor puro dela.
Mas no final do dia continuavas sedento de uma qualquer sensação de prazer. Esgotavas todos os teus cigarros sombrios e todas garrafas de uisque para te esqueceres do teu eu animalesco. Que ela não conseguiu acalmar no teu peito. No final da noite, eras profundamente triste e obscuro na solidão crua e fria. Amavas alguem que fazia sentido nenhum no teu conceito de mundo.
Então deixaste-a viver a vida que ela queria ter, incoscientemente. Disseste-lhe palavras duras , farpas do teu coraçao. Não servias para ela, nunca serviste. Não eras o indicado, não eras o correcto. Não lhe podias dar aquela vida que era o destino dela. Entao deixaste a deixar-te, calmo e sereno. Duro como uma pedra , imóvel.
Depois deixaste de conseguir aliviar a dor com os teus exageros sensoriais. Todas as mulheres que amaste tornavam-se, no final da noite, uma memória ténue e corrosiva da beleza dela.
Amaste-a, amaste-a tanto que reconheceste que não eras o melhor para ela. Daí que te doa ve-la a passear, meio triste meio contente, de mao dada com um homem estavel e amavel, banal e agradavel. Ve-la a viver uma vida inteiramente oca e vazia, um futuro detalhadamente definido.
Sempre soubeste que era esta a vida que ela acabaria por ter. Mas nunca conseguiste abandonar a sensaçao de dor. Deste-lhe o teu coraçao, profundo. E ela não so não percebeu como abdicou de si propria. Porque ves que sente a tua falta na sua tristeza, enquanto passeia sorridente de mao dada com um homem comum. Amar-te- à sempre.
Custou-te o coraçao, essa escolha heróica. Mas sentes que falhaste qualquer coisa.

Wednesday, April 28, 2010

Eterno Orfeu

Talvez a tua memoria seja tao imortal quanto a mortalidade dele. Talvez nunca se consiga esquecer de ti, talvez nunca consiga deixar de ser o ser bonito e caloroso que criaste no eu agreste dele. Belo mas exoticamente selvagem.
Talvez existas no final de todas as noites. Talvez o teu som persista em todas as mulheres que amou depois de ti. Algumas amou por serem reflexos fracos e debeis teus, outras porque eram o teu oposto. Acendiam na pele dele todo o ser que não era contigo. Algumas amou porque te amava e te procurava incansavelmente no mundo. Outras amou porque quis assassinar-se em pequenas luxurias que afogavam a mágoa da tua ausencia. Talvez nessa altura ele já te não amasse, apenas não soubesse existir sem ti. Deste-lhe um eu novo mas ele sempre foi apenas ele. Talvez ele te procure eternamente pelo mundo. E te encontre ocasionalmente. Ou talvez algum dia alguem supere essa tua doce e aromatica memoria e não torne todas as noites dele exoticamente selvagens mas vazias.

Thursday, April 01, 2010

Demasiado tarde

O silencio fundo caiu sobre ele. Não é ironico? Sempre sentiu o ardor frio da tua ausencia mas só agora é que tem consciencia. Porque naqueles tempos sentia saudade de si proprio, não havia forma de te confiar a praia que era so dele estando a praia em cinzas. Não existia espaço para ti porque não existia espaço para ele.
Mas agora é ele o silencio negro da noite. Agora é ele o silencio pesado e solitário da noite . E apercebe-se que a tua ausencia lhe doi. Não como doi o fim de um extasiante puro amor. Ou o fim de uma paixao que consumiu o espirito. Doi-lhe porque lhe fazes falta nos pequenos pormenores peculiares. Doi-lhe porque o fazes sentir só. Doi-lhe porque descobriu que reconstruiu a praia queimada e violentada que era dele porcausa de ti. Por tu existires, para tu exitires. Sem ti, simplesmente não teria sido possivel.
Tu não sabes isso e ele acabou de descobrir. Sente a tua falta, como uma dor fria e fina que o vai anulando devagarinho. Não é nenhum amor extasiante ou alguma paixao ferverosa .Nao há anestesia. Está lucido. Sente a dor grave em cada nervo.
O silencio profundo adormeceu-o. Um sonho aconchegá-lo-á durante a noite. Sim, sonhará que te entrega a chave da sua praia azul reconstruida e que deixa de sentir tao fortemente a tua ausencia. E que não é demasiado tarde.
Para perceberes que é amor. Apenas não é extasiante ( daí que sejas um vicio pessoal dele, que o amolece mortalmente sem nunca ser causa de morte).

Dedicação

Tens de parar de o pressionar. Ele não nasceu para exibir a cicatriz funda gravada a sangue no espirito, tatuagem de quem sente a crueldade do mundo na pele.
Tens de comprender. Ele não tem essa cicatriz. É verdade que viu a crueldade fria, a injustiça mordaz mas não a sentiu. Tudo o que tem são os acidentes a que qualquer um está sujeito enquanto ainda respirar nesta realidade.
Mas, inatamente, queres que entre na guerra contigo. O teu infimo desejo é que também seja a guerra dele, para garantir a eficácia astuta e discreta do ataque dele.
Mas não é a guerra dele. Entra como estratego não como soldado. E entra na guerra quando se ve obrigado ou quando uma consciencia racional e sensorial o orientam no sentido bélico. Ele não tem cicatriz, não é a guerra dele.
Tens de olhar para ele. Ver o seu horror à destruiçao. Tens de compreender que quando entra na guerra contigo entra porque te acredita. Porque te não consegue abandonar. Tens a sua compaixao, a sua amabilidade. Tens a sua fé.
O que ele tem gravado a sangue no espirito é muito pior que a tua cicatriz. És tu que lhe trazes a ruína se não compreenderes que ele te protege com a propria vida.