Monday, March 16, 2009

Vazio

Tudo será esquecido. Com velocidades e proporções diferentes, más memórias perdem a sua intensidade angustiante e as boas lembranças são gaivotas marítimas balançando numa onda de mar ao pôr-do-sol. Não deixa de fazer pensar, a facilidade com que a gravação sensitiva desaparece da nossa pele quando deixa de haver continuidade no tempo. Todas as guerras, todas as pazes conquistadas servem para isto: para conseguires esquecer e ultrapassar, continuar a tua existência apesar do resto, apesar de do tudo e apesar do nada.
É esta a conquista verdadeiramente vazia, a que nasce por uma razão legítima e boa mas que conduz ao caos, à desordem, à conquista sangrenta, à sobrevivência e à glória de uma existência. É uma filha ilegítima, abandonada e rejeitada, desprezada. A sua presença no calcário que escorre da vida simboliza todas as feridas inúteis.
Mas tudo será esquecido. Até te esquecerás de te lembrares do que sentes falta. É tudo em vão. Todo o sofrimento.

3 comments:

Alice in Wonderland said...

Nada é em vão.
Todo o sofrimento te conduz à noção do que sentes falta. A esse bater insistente na memória duma porta de saudade que permanece continuamente fechada. Sem ele, não conhecias a tua fragilidade, a outra parte de ti.
Talvez não venhas a lembrar-te do que sentes falta agora. Talvez venhas a omitir do teu registo de existência o sentimento que enrola agora. Talvez nunca mais recordes esse vazio.
Mas não lamentes.
O sofrimento existe para te aliviar a dor. Paradoxalmente, quando terminar sentirás saudade apenas da parte que é tua e fugiu. O resto, será ilusão de óptica.
E nada foi em vão.

pantalaimon said...

A questão é: nao sentes falta daquilo que te magoa, logo perdeste qualquer coisa. Nas linhas-espaço tempo o que perdeste nunca será restabelecido.
E tudo o que tens é essa memória que tanto magoa ( o sofrimento alivia a dor). Mas se ultrapassares a dor , que é feito da lembrança?
Porque a minha fragilidade depende da intensidade da lembraça que magoa.

Alice in Wonderland said...

Nada do que perdes te é restabelecido. Nenhuma falta deixará de magoar.
Estás a procurar de dobrar a colher. E isso é impossível.
Mas se observares com atenção, vais ver que afinal és que te dobras e a colher se torna curva, numa curvatura perfeita de linhas de espaço-tempo.