Thursday, May 08, 2008

Troca

Não posso. Ele repete, sabes que não posso. Mesmo que quisesse, que o desejasse muito, com toda a força de uma árvore enorme, não posso. Ele fala, mas o receptor finge-se surdo, a resposta não é a mais conveniente. O outro lamenta e com pouca voz repete, estende o braço à procura de um abraço. Não posso, desculpa, não posso. Mas o mundo é um lugar cruel e cada um vive como pode, a resposta era a outra, o abraço acontece num mundo paralelo. O receptor não tem tempo para desculpas.
Não posso trocar de coração contigo, não vale de nada, é igual. Ouve-me, é igual, o meu e o teu, é igual. Mas o outro vira as costas. Permanece quieto, mas o desprezo é tão evidente como a lua cheia num céu preto, vê - se claramente. Sim, é verdade, sou mais forte que tu, travei mais batalhas que tu, mas o coração é igual ao teu. De cada vez que assassinei a palavra honesta ele sofreu; de cada vez que enganei para que não me vissem a flor-de-lis no ombro, ele apertou – se - me no peito; de cada vez que vi o mar ele tornou-me o corpo mais leve. Não é por ser meu, é porque é frágil, mais que o teu, quando morrer morre de vez, o teu resiste mais. Mas para o outro eram desculpas, um herói nunca deixa de ser herói e os heróis são pessoas deveras irritantes, com tanta lealdade e honestidade. O mundo não é assim e nunca será, o que no fim ficou melhor classificado foi o mais esperto, o mais capaz de ferir conscientemente sem remorsos. Ele, o receptor, precisa do coração de um herói para aguentar a dureza da vida.
Eu troquei de coração um dia, e perdi parte dele assim. O outro insiste em continuar, ou porque é um crente no Homem ou porque deseja realmente ajudar um amigo (não pediu ao monstro para vir para a luz ainda). Perdi-o assim e a minha alma foi corroída, foi devorada. Foi uma dor existencial geologicamente grande, traí-me a mim próprio. Não posso fazer outra vez, se troco de coração contigo, quem chora por mim as minhas lágrimas? Quem me faz sentir humano? Quem me distingue do animal? Não posso, mesmo que quisesse não posso. Sou teu amigo, mas não tenho poder para fazer tal coisa...
Mas ao outro, o amigo receptor, não interessa já. A dor dele provem do coração e o outro é um herói, tem um coração duro. Está a ser egoísta: não vês que estou em sofrimento? Que também tenho feridas inúmeras? Recusas a ajuda. Sobreviverei sozinho, sem o teu coração de herói. Não és meu amigo. Estende –lhe a mão para a despedida derradeira e final. Não hesita, o coração é duro como a pedra.
O outro , repara no homem que se despede arrogantemente, em vez de apenas olhar e a tristeza ajeita-se no coração.

WinGs C.

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